Depreciação Acelerada como Indutor do Investimento, Fato ou Fake? III, por Luiz Alberto Melchert

Quando se atropelam as coisas como em moda, age-se como o mecânico que sai trocando as peças do carro antes de saber o que está danificado

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Depreciação Acelerada como Indutora do Investimento, Fato ou Fake? III

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

As companhias de consultoria, especialmente as destinadas à reestruturação de empresas, tendem a partir para as mudanças em voga ou, como se diz hoje, seguir a mainstream. Tiram os sócios da administração e os põem num conselho, nomeiam um administrador profissional, também conhecido como CEO (chef executive officer), quase que jogando no lixo toda a cultura da firma. Essas “reestruturações” resultam na desorganização da cadeia à montante e à jusante, criando traumas que podem levar o negócio à absorção por concorrentes, quando não à falência. O mais interessante é que visam-se aos interesses do consultor e da nova administração, não necessariamente aos da empresa como organismo vivo, muito menos aos dos stakeholders, que são os que mais sofrem. O bom consultor é o que entende como funciona o negócio, o papel de cada um dos envolvidos e trata de fazer funcionar o que já existe, só então partir para as mudanças. Quando se atropelam as coisas como está na moda, age-se como o mecânico que sai trocando as peças do carro antes de saber o que está danificado.

Interessante é que exatamente o mesmo acontece no Estado. Antes mesmo de saber por que as coisas não funcionam, parte-se para mudanças de cunho legislativo, resultando em reestruturação administrativa que bem pode ser traumática. Temos as lambanças na CF88 como excelente exemplo disso. Na ânsia de eliminar o “entulho autoritário” criaram-se normas que deram poderes tirânicos ao presidente da câmara, transformaram o Distrito Federal em Estado na prática, finalmente, tornaram insuportáveis as contradições do sistema tributário, cuja reforma poderá ser vista como mais um atropelo num futuro não muito distante. Ela não foi precedida por mudanças no Código Civil, nas leis que regulamentam as sociedades anônimas e todo o arcabouço jurídico em que se apoia o sistema tributário, incluindo a depreciação.

O Governo Eletrônico tem ferramentas capazes de resolver grande parte das mazelas criadas pelos diplomas legais elencados acima. São basicamente o Sped[1] Fiscal, o Sped Contábil, o Sefip[2] e o SBP[3]. O Sped Fiscal registra todas as transações entre empresas que resultem na emissão de notas-fiscais. Hoje, ela abrange todas as compras de bens e a aquisição de alguns serviços. O Sped Contábil homogeneíza o plano de conta das empresas obrigadas à contabilidade diária, independentemente do regime fiscal a que estejam expostas. O Sefip registra os dados oriundos do emprego que redundem  no pagamento de encargos sociais, o que se faz via GFIP. Já o SBP contém os dados de pagamentos e transferências entre empresas, entre empresas e pessoas físicas,  entre pessoas físicas ou quaisquer movimentações em instituições financeiras. A soma de todo esse artefato permite ao Estado manter a contabilidade de todas as entidades que operem em nosso território. Capacidade de processamento e conhecimento de tecnologia da informação não faltam ao país. Seria possível, por exemplo, que os balanços fossem emitidos pelo próprio fisco, cabendo somente à empresa contestar os pretensos lançamentos equivocados ou omitidos. A depreciação está inclusa nessa automação.

O Sped Fiscal, aliado à emissão eletrônica de notas-fiscais, através da CFOP[4] pode informar o fisco acerca de a compra destinar-se ao ativo fixo, ensejando depreciação. O Sped Contábil, por sua vez, registra o montante depreciado para cada item do ativo, assim como o regime a que cada um deles está sujeito. Seria igualmente possível calcular o montante de diferimento de impostos advinda da aceleração da depreciação.

Para isso tudo funcionar, no entanto, é preciso que todas as empresas estejam sujeitas ao mesmo regime fiscal, caso contrário, a própria ideia de depreciação fica distorcida. Aí esbarra-se em um outro problema, a precarização das relações do trabalho via disseminação das MEIs[5], cujas contas se confundem com as pessoais de seu detentor.

Naturalmente, todo o esforço do governo eletrônico só pode atuar no âmbito fiscal e dar parâmetros para que os órgãos de controle disciplinem a contabilidade societária. Não pode, porém, lidar com as questões gerenciais, mesmo que possa verificar se as regras prestação de contas estão sendo seguidas.

O próximo e último capitulo pretende discutir as reais possibilidades de sucesso da empreitada referida no título, tendo em vista que uma reforma tributária se avizinha.


[1] Sistema Público de Escrituração Digital.

[2] Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social.

[3] Sistema Brasileiro de Pagamentos.

[4] Código Fiscal de Operação.

[5] Microempresa Individual.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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