Direita e esquerda: uma breve qualificação, por Robert Iturrier

Artigo do Brasil Debate

Por Robert Iturrier

A percepção de que “direita” e “esquerda” são conceitos datados não é incomum. Em parte, tal perspectiva tem origem na escassa qualificação desses grupos e na fluidez dos termos.

Sabidamente, a origem dessas designações está na Revolução Francesa e nas posições em que as alianças estavam na Assembleia Nacional. Os partidários do Antigo Regime sentavam-se à direita e os da revolução à esquerda. Desde então, houve mudança e fragmentação de pautas, entretanto, é possível efetuar agrupamentos.

De maneira geral, o que une a esquerda é o desconforto com as desigualdades e a luta para reduzi-las. Essa busca abrange o aspecto social, de gênero e racial. As posições de direita visam a conservar as condições vigentes e valorizar a tradição. Ambos apregoam liberdade, mas olham o significado de prismas diversos.

Genericamente, as forças de direita atuais entendem que o mercado é eficaz tanto na produção de bens quanto na distribuição da riqueza gerada. A desigualdade é útil para gerar incentivos e é fruto das diferentes aptidões e talentos. O mérito, portanto, explica a disparidade.

O estabelecimento dos salários, do nível de atividade econômica e do desemprego deve refletir as condições dos negócios e os desequilíbrios se ajustam pelos mecanismos de oferta e de demanda. O papel do Estado deve ser reduzido para que o mercado funcione sem interferência. Essas são as bandeiras econômicas liberais.

Convém ressalvar que os liberais originais se opunham ao estamento e aos privilégios aristocráticos, sendo anti-tradicionais e progressistas na época, mesmo não acolhendo ideias igualitárias.

Ainda hoje, há segmentos liberais, do ponto de vista econômico, que se alinham com progressistas. A acepção de “liberdade” tem relação com Estado menor e a possibilidade de cambiar.

Do ponto de vista dos hábitos, em outro segmento do campo direitista, os conservadores são avessos a políticas afirmativas raciais, para gays e outras ações que afrontem os valores familiares tradicionais e as hierarquias sociais. No extremo, os fascistas, ainda que não sejam partidários do Estado mínimo, estão na direita, sobretudo pela aversão a políticas igualitárias, em particular a ações de equalização de raças e aos direitos de gays e afins.

Os fascistas defendem o totalitarismo, o militarismo e são xenófobos, o que os mobiliza contra pessoas de outras localidades e imigrantes. Do ponto de vista filosófico e metodológico, os pilares da direita se centram no indivíduo, com exceção dos fascistas.

Além da sensibilidade para ampliar a equidade, a esquerda compreende que as relações capitalistas não são eficazes na distribuição de riquezas. De um lado porque as pessoas não partem de condições de igualdade para ingressar no mercado. De outro, porque há assimetria de poder entre o capital e o trabalho, tendo o primeiro influência sobre a remuneração e a condição do segundo, tanto no âmbito econômico, quanto político.

Ademais, a dinâmica capitalista, nessa visão, tende a concentrar o capital e a riqueza em oligopólios cada vez maiores e mais poderosos.

Modernamente, os grupos de esquerda centram energias em ajustar assimetrias por meio do Estado, uma vez que o mercado, agindo livremente, pressiona e fragiliza segmentos mais vulneráveis.

A maneira de atingir tais objetivos são políticas de transferência de renda, acesso à educação, estabelecimento e incremento do salário mínimo, ampliação de direitos trabalhistas, políticas para minorias, em suma, com ação estatal e regulação econômica.

Os que defendem esse caminho estão na social democracia, social-desenvolvimentismo ou apenas desenvolvimentismo. Ainda no campo da esquerda estão os socialistas e comunistas, que não concordam que a regulação e a moderação do mercado por meio do Estado sejam suficientes. A solução socioeconômica é o fim do capitalismo.

No extremo, os anarquistas tem bandeiras semelhantes, mas não acreditam que o Estado é capaz de harmonizar os conflitos, sobretudo porque esse está sob o domínio daqueles que detêm poder social, político e econômico.

No campo esquerdista, a “liberdade” é compreendida como a possibilidade de desenvolver aptidões e talentos sem as amarras que as diferenças sociais, a injustiça e a opressão impõem. Do ponto de vista filosófico e metodológico, a análise é mais coletiva, em que pese a aversão dos anarquistas ao Estado.

A centro-direita aceita efetuar ajustes via Estado para evitar conflitos sociais, até para que a ordem vigente se mantenha, mesmo que acredite nas forças do mercado livre. Já a centro-esquerda tem nas políticas corretivas o seu foco principal, não chegando ao anticapitalismo.

Os grupos de interesse que se associam à esquerda são os trabalhadores, pequenos agricultores, microempresários e os desassistidos de maneira geral. Já os de direita abarcam aqueles que não têm interesse em alterações profundas e que se beneficiam do status quo, como grandes empresários, bancos, latifundiários e os conservadores do ponto de vista de costumes. Pondera-se que esses alinhamentos nem sempre são lineares e constantes.

As diferenças entre direita e esquerda contemplam variados temas, como as origens da riqueza e da pobreza, a criminalidade e as maneiras de combatê-la, as questões da sexualidade, o papel da imprensa, a importância da propriedade privada, o porte de armas, as relações interpessoais…

Direita e esquerda veem e interpretam o mundo de maneiras diferentes, apregoam caminhos díspares para resolver os problemas da sociedade e abrangem grupos de interesses conflitantes.

Mesmo que a conceituação central esteja no maior ou menor desconforto com a desigualdade, tal classificação é simplificadora e vaga. Em que pese a organização política, social, teórica e metodológica desses setores ser efetivo há mais de duzentos anos, a clarificação dos respectivos conceitos é inacabada e requer empenho. Não apenas para a tipificação acadêmica, mas principalmente para a melhor compreensão da realidade social, política e econômica pelo cidadão.

REFERÊNCIA

BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 1995.

Redação

20 Comentários

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  1. Exclusão e inclusão

    Resumindo tudo:

    Direita= Exclusão    

    Esquerda = Inclusão

    A direita inventa teorias ditas científicas ( mérito-cracia , o capitalismo como sendo natural a humanidade, o direito adquirido) para simplesmente legitimar a exploração e a concentração de renda. Destesta tudo que signifique incluir mais seres humanos na farra do consumo e bem-estar. Usa a mentira em forma de axiomas do tipo “deus existe” que não podem sequer ser contestados ou relativizados. Para seus interesses a direita tem mesmo de agira assim pois na humanidade ” NÃO EXISTE RIQUEZA E SIM CONCENTRAÇÃO DE RENDA” . Neste sentido não interessa tanto a direita (em especial a direita brasileira) que ela seja infinitamente rica (muito mais do precisaria ser) e sim que haja miséria, repressão, ditadura, preconceito e tudo o que transforma os “bons cidadãos ricos” em verdadeiros seres divinos em comparação a massa informe que circula como baratas a sua volta. Isso tem ficado bem claro para qualquer observador atento e isento ao processo ridículo movido pela Rede Globo e grande mídia a serviço dos EUA para desmoralizar e derrubar Dilma.

    Não considero Dilma e o PT perfeitos. Pelo contrário são cheios de problemas. Mas o que direita propõe é simplesmente o caos movido pelo ódio e alavagem cerebral. Ao fim de tudo a mídia e a direita do Brasil tanto se fixaram no bolivarianismo que conseguiram transformar o Brasil numa grande Venezuela onde a direita imbecil e preconceituosa sai vomitando merdas  todo momento porque dentro da sua mente vazia nada existe além da subordinação dos episódios ridículos de algum seriado americano, pobre e idiota como toda a cultura deste paísinho medíocre que domina o mundo através da guerra e preconceito.

    1. “Direita= Exclusão  

      “Direita= Exclusão    

      Esquerda = Inclusão”

      Para promover a inclusão, mais impostos, sendo são os mais pobres que pagam mais para que o partido divida entre si.

      Mais estado menos salário.

  2. No Brasil de hoje essa

    No Brasil de hoje essa dicotomia é secundaria.   . O desconforto de vasta camada da classe media e até da classe pobre e com a a ADMINISTRAÇÃO do Pais, seja ela de esquerda ou de direita, a população quer uma melhor gestão da economia, dos recursos, das obras, dos serviços publicos; não há no ar um agenda de objetivos sociais, o povo quer um Pais organizado, com menos violencia,  com os hospitais e escolas funcionando razoavelmente. Só isso.

  3. Acho que o texto toca o ponto

    Acho que o texto toca o ponto correto: a questão é a desigualdade social. Há algumas imprecisões, sobretudo ao estabelecer a dfirença entre socialistas e anarquistas, e na caracterização da extrema-direita.

    A direita é a favor da desigualdade.

    A esquerda é contra a desigualdade.

    O centro não tem problemas com a desigualdade em si, mas admite que a desigualdade, na vida real, é maior do que deveria ser, e concorda em reduzi-la um pouco.

    Para detalhar mais, é preciso entender que o mercado é uma máquina social que automaticamente produz desigualdade.

    A extrema-direita vem em dois sabores:

    o tradicional, que é a favor da desigualdade, e acha que o mercado não produz desigualdade suficiente (ou produz o tipo “errado” de desigualdade), sendo necessário que o Estado intervenha para aumentar a desigualdade e/ou corrigir o tipo de desigualdade predominante;

    e o moderno, “libertariano”, que concorda que existe desigualdade de menos, mas atribui esse “problema” ao Estado, que atrapalha o mercado e não lhe permite produzir toda a desigualdade de que é capaz.

    A centro direita é a favor da desigualdade, mas pode concordar que na vida real há mais desigualdade do que o ideal, e que alguns tipos de desigualdade (sexual, racial, etc.) não são positivos. Acha que esses problemas devem ser abordados de forma incremental, lenta, e muito cuidadosa, e que o mercado fará a maior parte desse trabalho.

    A centro esquerda é contra a desigualdade, mas  acha que ela deve ser abolida gradualmente, e pensa que o mercado, em si mesmo, não é uma fonte de desigualdade, mas meramente a mantém ou amplia onde ela já existe.

    A extrema-esquerda é contra a desigualdade, e acredita que é impossível abordar o problema de forma gradual, e que o mercado é por si só uma fonte de desigualdade. A variante anarquista não apenas pensa que o Estado é incapaz de harmonizar os conflitos, mas que ele não pode sequer ser utilizado como um instrumento temporário para qualquer finalidade; a variante comunista concorda em que o Estado é incapaz de harmonizar os conflitos, mas acredita que é necessário utilizá-lo como um instrumento temporário para transformar a sociedade.

     

    1. Um bom complemento ao bom texto de Robert Iturrier

       

      Luís Henrique Donadio (terça-feira, 10/03/2015 às 11:13),

      O seu comentário é muito bom até para a gente utilizar como referência para estabelecer as distinções. Essas distinções são muito difíceis de serem feitas e dai as imprecisões são frequentes como você apontou como tendo sido cometidas por Robert Iturrier no ótimo texto dele. Poderia também fazer critica na suas divisões como por exemplo o fato de parecer um tanto caricata a sua caracterização de direita radicail.

      Aproveito para fazer três considerações.

      Eu divido o fascismo em dois. Há o fascismo intelectual italiano que punha o Estado acima de tudo. Eu sou um defensor do Estado mas faço todo o esforço possível para que a minha defesa fique o mais longe possível do fascismo intelectual italiano. E há o fascismo que eu chamo de fascismo de pequenas causas e que se manifesta no incentivo ao linchamento (Nesse caso a denominação pequenas causas não parece muito apropriado, na realização da justiça com as próprias mãos, no uso da violência para combater a criminalidade, na manifestação de machismo, de racismo (Também não é pequenas causas, principalmente se se toma para o tanto de população de raças diferentes, o que faria um fascismo de pequenas causas que se reproduz milhões de vezes), de homofobia, na não aceitação da presunção de inocência, na acusação genérica à atividade política e aos políticos. E assim por diante pois há muitas pequenas causas para o fascista se manifestar.

      Um segundo ponto para destacar diz respeito à história econômica do Brasil. Eu divido o Brasil em duas correntes: a getulista e a ante getulista. A getulista seria favorável ao Estado forte enquanto a ante getulista seria favorável ao Estado fraco. Eu afirmei que divido, quando o certo seria dizer que dividia. Como cantava o poeta cantor cearense: “Tudo muda, e com toda razão”, embora já antes houvesse o ditado contraditando com a frase “Plus ça change plus ça devient la même chose” e que foi revigorada pelo Giusepé Tomasi di Lampedusa que em “O Leopardo” nas palavras do sobrinho de Don Fabrizio, Tancredi, “Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. Então as minhas duas correntes vão perdendo importância.

      Ainda assim eu fazia dois esforços. Primeiro localizava a corrente getulista no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Nordeste. E o epicentro da corrente antigetulista seria São Paulo tendo muita força no sul de Minas Gerais, no Rio de Janeiro e embora menos forte também na oposição à corrente getulista onde esta era forte.

      E então fazia uma distinção em cada uma das duas correntes do viés da direita e da esquerda para atribuir esta qualificação aos partidos ou nas lideranças políticas de nossos dias. O PDT seria para mim um partido da corrente getulista de esquerda, em especial o líder do partido então Leonel de Moura Brizola. O Mario Henrique Simonsen era da corrente getulista de direita.

      Em São Paulo, eu mencionava o Antonio Delfim Netto como um político da corrente anti-getulista de direita. E o PT seria da corrente ante getulista de esquerda. O PSDB para mim era um partido de esquerda que se infiltrava no Rio de Janeiro pela corrente getulista e em São Paulo pela corrente anti-getulista.

      Agora essa classificação aplicada na economia, com a utilização da figura de Getúlio e da figura do Estado tinha muita relação com a carga tributária e não com a intervenção do Estado na economia, ou com a construção das grandes empresas estatais. Eu dizia que a corrente getulista era favorável ao aumento da carga tributária enquanto a corrente anti-getulista, pressionada pelos empresários, era contra o aumento da carga tributária. Assim, eu explicava porque com Mario Henrique Simonsen a carga tributária subiu de 24% em 1973 para 27% em 1979 e com Antonio Delfim Netto a carga tributária caiu para 24% do PIB em 1985. E o interessante que os dois são Keynesianos.

      Tudo, entretanto, é muito móvel, movediço. O PSDB que teve na sua formação inicial a colaboração de grandes marxistas foi levado pelas campanhas eleitorais a assumir posições cada vez mais de direita e, hoje, embora haja no partido gente de esquerda, os eleitores do partido são essencialmente de direita. O PT que seria na sua origem anti-getulista elegeu para presidenta uma política do PDT. Era tudo que eu da esquerda getulista mais desejaria.

      E o terceiro ponto que eu gostaria de comentar aqui é a questão do capitalismo vinculado ao Estado e à dicotomia esquerda e direita. O capitalismo é um sistema contraditório. Deixado ao próprio curso ele seria concentrador e a concentração acabaria inviabilizando o sistema capitalista. O Estado é um instrumento de dominação dos poderosos, e é combatido pelos capitalistas, mas é ao mesmo tempo um instrumento de combate à desigualdade o que favorece a manutenção do sistema capitalista. Há na esquerda quem propõe a destruição do capitalismo e há quem propõe que o capitalismo se aperfeiçoe para que possa ser superado. Tanto a esquerda contrária ao capitalismo como a esquerda favorável ao aperfeiçoamento do sistema capitalista precisam tomar partido em relação ao Estado. Só que muitas vezes essas nuances que eu apontei e outras tantas não são consideradas nem pela esquerda nem pela direita. E ai as distinções entre as correntes tornam-se tênues.

      E há ainda outros fatores que prejudicam ou distorcem as distinções. Os partidos teriam duas funções, uma seria de educar o eleitor e a outra seria de tomar o poder. Educar o eleitor no sentido de convencer o eleitor da correção dos valores que o partido defende. Para isso o partido teria que primeiro se instruir ou se preparar para essa missão. O que quer o partido, qual a ideologia que o partido professa. Só depois de realizado esse estágio de uniformizar os valores do partido e dos participantes o partido passaria para a educação do eleitor. No meio do caminho, entretanto, o partido tem que alcançar o poder. As pessoas mais preparadas para educar não são muitas vezes as mais preparadas para alcançar o poder. O que ele faz primeiro? Estabelece uma meta e abre mão das circunstâncias?

      As classificações por mais bem aperfeiçoadas que sejam não conseguem gerenciar todas as questões.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 10/03/2015

      1. Dois links e mais dois complementos sobre a divisão

         

        Luís Henrique Donadio (terça-feira, 10/03/2015 às 11:13),

        Infelizmente este meu comentário só foi aparecer depois do meio dia de quarta-feira. Preferia ter enviado este comentário para completar o anterior até ontem mesmo. A intenção era acrescentar mais um aspecto da divisão e também falar sobre um critério de Scott Somner e aproveitaria para deixar alguns links onde este debate já foi objeto de discussão. Um tando atrasado enviou o comentário, mas sem tempo para pesquisa deixo para depois a referência mais detalhada ao critério de Scott Somner.

        Um link para um post recente aqui no blog de Luis Nassif leva ao post “A divisão mudou, mas não acabou” de quarta-feira, 04/02/2015 às 15:10, com um texto de Geraldo dos Santos Pedro originado de um comentário dele enviado quarta-feira, 04/02/2015 às 10:53 para junto do post “O fim do lulismo e do fernandismo” de quarta-feira, 04/02/2015 às 05:48, aqui no blog de Luis Nassif. O comentário de Geraldo dos Santos Pedro é aproximadamente o vigésimo nono da segunda página do post “O fim do lulismo e do fernandismo” que conta atualmente com 171 comentários.

        O endereço do post “A divisão mudou, mas não acabou” é:

        https://jornalggn.com.br/noticia/a-divisao-mudou-mas-nao-acabou

        Um post mais antigo aqui no blog de Luis Nassif é “Sobre esquerda e direita” que primeiro apareceu domingo, 25/01/2009 às 13:00 e voltou atualizado em 25/04/2012 às 22:45, e pode ser visto no seguinte endereço:

        http://72.55.165.238/blog/luisnassif/sobre-esquerda-e-direita

        O post tem atualmente 125 comentários todos eles de 2009, o que não explica muito bem o significado da atualização em 2012, pois o assunto é suficientemente interessante para atrair comentários dispostos a postar seus comentários e não apareceu nenhum comentário sendo feito em 2012. De todo modo, além do post vale a pena ler lá o comentário de Pedro enviado domingo, 25/01/2009 às 14:51, e que se encontra na última página. Transcrevo o comentário dele a seguir para servir de complemento a este post. Afirmou lá Pedro:

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        “Vejam só o absurdo da afirmação: “O fato é que a criação da democracia moderna foi uma idéia, sim, ‘de direita’. A esquerda só foi aceitar a democracia com a consolidação dos partidos social-democratas na Europa”.

        Nada mais falso. A burguesia liberal na França, depois da Revolução de 1789, fez de tudo para barrar o projeto democrático mais radical dos jacobinos (Robespierre foi parar na guilhotina). Thomas Jefferson foi proprietário de escravos, e quando presidente dos EUA manteve o sistema elitista proposto pelos Federalistas (voto censitário, exclusão das mulheres, sistema eleitoral de segundo grau, senadores escolhidos pelos membros das Assembléias etc). Liberalismo pode viver muito bem sem democracia, como demonstram John Locke (também defensor da escravidão), Stuart Mill e Tocqueville (que sempre desconfiaram do povo), Hayek (que confessou preferir a liberdade econômica à liberdade política), Milton Friedman e os Chicago Boys (que também assessoraram Pinochet) etc etc etc.

        As franquias democráticas atuais (sufrágio universal, políticas redistributivas, sistema pluripartidário, direitos trabalhistas que são o avesso do liberalismo manchesteriano etc) foram arrancadas pelo movimento operário ao longo da sua trajetória de LUTAS. A tese apresentada pelo Chato está mais para “ideologia da outorga”, pois atribui o “motor” da emancipação democrática não aos seus verdadeiros protagonistas, mas justamente aos seus antípodas! A idéia de democracia da direita nunca foi muito além de um sistema de participação política muito restrito, uma poliarquia (R. Dahl) ou governo das elites. Não tem nada a ver com “governo do povo, para o povo e pelo povo”.

        Repito: os liberais sempre foram, historicamente e em sua maioria, antidemocráticos.

        Quanto a John M. Keynes, sugiro uma leitura de seu artigo “I am a liberal?”, onde ele reivindica todos os valores da direita. E critica o partido trabalhista britânico, por ser um “partido de classe”, e logo uma classe que não era a sua! (o que confirma o comentário de Nassif).

        Um pouco de conhecimento da história nos salvaria de afirmações flagrantemente equivocadas.

        Vejam, por exemplo, dois autores importantes: Luís Felipe Miguel (Bases antidemocráticas do pensamento democrático moderno) e Domenico Losurdo (Democracia ou bonapartismo). Esse último, a propósito, faz uma crítica muito acertada ao seu conterrâneo Bobbio.”

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        A frase que Pedro transcreveu para iniciar o comentário dele parece que é de Luis Nassif, mas não está bem identificado na atual apresentação do post. Há também uma referência a Keynes que eu não conseguir relacionar com o texto do post.

        E lembro aqui que junto ao post “A divisão mudou, mas não acabou” eu enviei quinta-feira, 05/02/2015 às 19:18, para Geraldo dos Santos Pedro que um comentário e que atualmente encabeça o post em que falo de uma questão que separa a direita e a esquerda embora a esquerda não fica muito satisfeita quando eu apresento, como critério de separação, os princípios da eficiência e da justiça.

        Os dois princípios são mais das vezes contraditórios e assim para a direita é mais fácil defender o princípio da eficiência enquanto a esquerda se põe mais próxima do princípio da justiça.

        Clever Mendes de Oliveira

        BH, 11/03/2015

        1. Um pouco de Ariano Suassuna, Scott Sumner, Alon e NPTO

           

          Luís Henrique Donadio (terça-feira, 10/03/2015 às 11:13),

          Primeiro corrijo o que eu disse no início do meu segundo comentário. Não foi ele que só foi aparecer depois do meio dia de quarta-feira, 11/03/2015, fora o comentário anterior.

          Prometi falar sobre a classificação de Scott Sumner a respeito da direita e esquerda, lembrando antecipadamente que equivocadamente havia digitado Sumner com “o”. E ressalto que é com “m” e “n”.

          Antes de Scott Sumner porem eu deixo o link para o post “A esquerda e a direita, de acordo com Ariano Suassuna” de sexta-feira, 25/07/2014 às 07:17, aqui no blog de Luis Nassif e destaco duas informações importantes e que valem a pena serem reproduzidas aqui.

          No texto “A esquerda e a direita, segundo Ariano Suassuna” publicado na Carta Maior e por sugestão de MirianL virou o post post “A esquerda e a direita, de acordo com Ariano Suassuna”, Ariano Suassuna inicia o texto com o critério que ele utiliza para distinguir direta e esquerda, reproduzindo fala dele que consta na página do MST. Afirma ele lá:

          “Quem, na sua visão do social, coloca a ênfase na justiça, é de esquerda. Quem a coloca na eficácia e no lucro, é de direita”.

          O critério acima foi mencionado por mim como um critério para distinguir a esquerda e direita.

          E na sequência Ariano Suassuna afirma:

          “Não concordo com a afirmação, hoje muito comum, de que não mais existem esquerda e direita. Acho até que quem diz isso normalmente é de direita”.

          Não chego a utilizar esse critério para distinguir esquerda e direita, mas considero-o válido. E o endereço do post “A esquerda e a direita, de acordo com Ariano Suassuna” é:

          https://jornalggn.com.br/noticia/a-esquerda-e-a-direita-de-acordo-com-ariano-suassuna

          Agora volto ao economista Scott Sumner. Não o conhecia quando li uma referência a ele no blog de Na Prática a Teoria é Outra, mantido até 2010 por Celso Rocha de Barros. O blog está aberto a comentários, mas o Celso Rocha de Barros salvo uma vez em julho de 2014, não apareceu mais no blog.

          O blog utiliza o aplicativo “intense debate”. Quando o aplicativo baixa, os comentários que eram respostas ficam dentro do comentário principal e você tem que abrir o comentário principal para ver os outros. Em internet discada, o aplicativo não baixa e os comentários saem em ordem cronológica sem vinculação com um comentário original. E se em internet rápida o aplicativo começar a baixar basta clicar no ícone do “x” que significa para que o aplicativo deixa de rodar e os comentários ficam em ordem cronológica.

          Pois bem, na sexta-feira, 15/05/2010, NPTO publicou o post “Alon e a autonomia do Banco Central” remetendo ao post “Servidão voluntária” de quarta-feira, 12/05/2010, aparecido no blog de Alon Feuerwerker em que ele fazia crítica à pretensa autonomia do Banco Central que estaria submetido aos ditames do mercado.

          Embora petista, NPTO era defensor da autonomia do Banco Central e tinha e provavelmente tem uma visão distinta da de Alon Feuerwerker que era mais serrista e depois na eleição de 2014 ficou com Eduardo Campos. Embora eu seja leigo em economia, eu considerava e considero que a defesa que NPTO fazia da autonomia do Banco Central era mais de um sociólogo do que de um economista. O post rendeu muitos comentários, constando 309, embora eles só sejam válidos somente até o de número 204.

          Bem, o endereço do post “Alon e a autonomia do Banco Central” é:

          http://napraticaateoriaeoutra.org/?p=6220

          E o endereço do post “Servidão voluntária” é:

          http://www.blogdoalon.com.br/2010/05/servidao-voluntaria-1205.html

          E no diz respeito à referência a Scott Sumner sobre a discussão entre esquerda e direita, há no post “Alon e a autonomia do Banco Central” o comentário de número 186, enviado quarta-feira, 19/05/2010 às 02:19 pm, pelo comentarista Zamba que passou a seguinte mensagem para NPTO (Celso):

          “Celso, aqui vai um link interessante a um post do Scott Sumner:

          http://www.themoneyillusion.com/?p=368

          Lendo você fico com a impressão de que imagina os nórdicos como modelo de sociedade. Se for isso mesmo, eu acho estranho você ser petista. Porque para o Brasil se tornar um país nórdico, vamos ter que liberalizar um monte de mercados que hoje estão travados. E o governo Lula não me parece muito afeito à idéia de flexibilizar a CLT, por exemplo.

          Abraços”

          O blog de Scott Sumner chama-se Moneyillusion e ele é contra o Estado interferindo na economia, assim ele prefere o uso da política monetária e não da política fiscal para resolver problemas econômicos. Ele mesmo se considera um “Right wing liberal”. O endereço deixado por Zamba é para o post “The Great Danes”. O post não vem datado, mas o primeiro comentário é de domingo, 01/03/2009 às 15:05. Posteriormente Scott Sumner ganhou destaque defendendo a meta do PIB nominal (Inflação mais PIB) e não a meta de inflação.

          Bem, o critério de Scott Sumner para se colocar na direita é o fato de ele defender o mercado contra o Estado. E ele faz um post para elogiar a Dinamarca mostrando que a Dinamarca possui altos valores cívicos e é um país bem colocado quando se leva em conta a liberdade econômica e tem alto grau de igualdade. Com isso ele quer dizer que ele apesar de ser defensor do mercado contra o Estado, ele tem como ideal a Dinamarca que seria um país com alto índice de liberdade econômica e também de igualdade. Só que ele, ao dar o exemplo da Dinamarca, desconsidera o fato de que o Estado, medido pela carga tributária ou pelos gastos públicos, é grande na Dinamarca e que é exatamente pelo fato de o Estado ser grande que o índice de igualdade lá é grande.

          Respondi ao comentário de Zamba com uma séria de comentários e encerrei com o seguinte, enviado sexta-feira, 21/05/2010 às 09:46 pm:

          – – – – – – – – – – – – –  – – – – – – – – – – – –

          “Zamba (#199) (21/05/2010 às 07:14 pm),

          Como já mencionei em comentário (#197) enviado em 20/05/2010 às 09:38 pm para você aqui neste blog, não posso responder pelos petistas, mas em minha avaliação do PT você tem razão. Há muitos petistas que vêem no Estado um instrumento de dominação capitalista e assim não querem fortalecer o Estado. Eu sempre defendi o aumento da carga tributária até como requisito para o aumento da força do Estado. Poucos no PT defenderam esse aumento. Até porque é difícil crescer em São Paulo como partido político defendendo o aumento da carga tributária. Fernando Pimentel, no início da década de 90 preconizou esse aumento da carga tributária para 30% do PIB que Leonel Brizola já fizera na campanha de 1989 em entrevista concedida a jornal aqui em Minas Gerais. Só que além de Fernando Pimentel nunca vi um petista tendo o aumento da carga tributária como questão de fé. Assim dou-lhe um pouco de razão quando você diz:

          “Então, sinceramente, não consigo enxergar no governo Lula uma forte guinada ao modelo dinamarquês”.

          Só que essa guinada é impossível. Para o Brasil ser a Dinamarca ele teria que deixar de ser o Brasil. E isso é um longo caminho. Não creio que ele possa ser percorrido antes dos próximos 30 anos.

          E penso que você tem ainda mais razão quando diz:

          “É mais fácil ver isso (uma forte guinada ao modelo dinamarquês) no governo FHC”.

          Sempre critiquei a esquerda pela avaliação de FHC como neoliberal. Embora ele nunca tenha defendido o aumento da carga tributária, o aumento da receita impositiva no governo dele é prova mais do que suficiente de que ele não é neoliberal. Agora ele é um cosmopolita aculturado que levou ao extremo o único texto dele que eu levo a sério “A originalidade da cópia”, aliás. uma cópia das idéias dos amigos marxistas dele que beberam na dialética, e saiu copiando tudo que existia de ótimo nesses países de primeiro mundo sem atentar para a realidade brasileira”.

          – – – – – – – – – – – – –  – – – – – – – – – – – –

          Bem, eu defendo o Estado e me considero de esquerda. E o Estado que eu defendo é aquele que cresce com o aumento dos gastos públicos que necessariamente precisam do aumento da carga tributária. Venho dizendo que ao iniciar a década de 20, a carga tributária no mundo estará uns 2% mais alta do que estava ao término do século XX.

          E por considerar que o Brasil é muito pobre não vejo como inconveniente o país tentar desenvolver grandes empresas de predomínio estatal e conduzir essas grandes empresas mais pelo critério de justiça do que da eficiência.

          Clever Mendes de Oliveira

          BH, 17/03/2015

          1. Outros posts com análises sobre a distinção esquerda / direita

             

            Luís Henrique Donadio (terça-feira, 10/03/2015 às 11:13),

            Deixei de mencionar e indicar e faço desta vez o post “Um paralelo entre a esquerda e a direita” de terça-feira, 18/09/2012 às 14:06, aqui no blog de Luis Nassif e que foi sugerido por Enzo em comentário que ele enviou lá para o post “Sobre a entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos”.

            O post “Sobre a entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos” de terça-feira, 18/09/2012 às 10:39, aqui no blog de Luis Nassif é originário de um comentário de Andre Araujo para o post “A íntegra da entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos”. E junto ao post, Enzo envia um comentário terça-feira, 18/09/2012 às 11:05, em que ele transcreve um texto publicado na Carta Maior de Emir Sader intitulado “Há ainda direita e esquerda?” para, segundo Enzo, ajudar Andre Araujo a estabelecer paralelo entre a direita e a esquerda.

            O endereço do post “Um paralelo entre a esquerda e a direita” é:

            https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/um-paralelo-entre-a-esquerda-e-a-direita

            E o endereço do post “Sobre a entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos” é:

            https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/sobre-a-entrevista-de-wanderley-guilherme-dos-santos

            Alguns links estão desatualizados, mas o link que há no post “Sobre a entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos” para o post “A íntegra da entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos” de segunda-feira, 17/09/2012 às 18:18, aqui no blog de Luis Nassif com a transcrição do Blog O Cafezinho do texto de autoria de Wanderley Guilherme dos Santos intitulado “Um julgamento de exceção – Íntegra exclusiva do artigo de Wanderley” permite o acesso direto ao post. Ainda assim, deixo aqui o link para o post “A íntegra da entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos” que pode ser visto no seguinte endereço:

            https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-integra-da-entrevista-de-wanderley-guilherme-dos-santos

            Caso eu lembre ou veja algum artigo que debata a distinção entre a esquerda e a direita e se eu lembrar e tiver tempo vou tentar trazê-lo aqui para este post “Direita e esquerda: uma breve qualificação, por Robert Iturrier” de terça-feira, 10/03/2015 às 07:11.

            Essas digressões valem a pena, pois é sempre bom sabermos um pouco mais sobre as idéias que defendemos.

            Clever Mendes de Oliveira

            BH, 17/03/2015

  4. Merito… ainda tem gente que acredita nessa besteira?

    Toda vez que ouço essa palavra mérito eu sinto uma revolta incontrolável. Mas, ressalva, mérito à brasileira ok? Esses artigos simplistas que tendem a classificar em escaninhos as diversas matizes da habilidade/condição humana me dão muito desgosto durante a leitura. Eu paro logo no início. O resto não entra na minha cabeça. Quem já trabalhou na educação sabe que as capacidades: intelectual, física e emocional humanas se apresentam nesse nosso mundo como um espectro quase contínuo. Há pessoas com uma habilidade cognitiva muito desenvolvida e há pessoas com dificuldades grandes nesse sentido. Isso não tem nada a ver com mérito. Tem a ver com biologia. Com neurociência. As pessoas nascem assim. Isso vale para sexualidade e outors aspectos. Eu sei que nem tudo se resume a isso, mas esse assunto de mérito sim. É fácil estabelecer um valor positivo na sociedade baseado em feitos intelectuais e dizer que quem os alcança tem mérito. Coisa nenhuma. Isso é uma questão de sorte. De genética. E as pessoas que tem dificuldades e fizeram de tudo para superar, estando numa numa sociedade assim? Sabe o que acontece com elas? Vão para a violência, para o abuso, para a corrupção, para a criminalidade. É o que lhes sobra. Leiam a matéria: Como vive um lixeiro na Suécia, lá no Diário do Centro do Mundo.

  5. Acreditar que conservadores…

    do ponto de vista de costumes são necessariamente direita e que reformadores são de esquerda é uma visão antiquada.

    Há questões de economia política e há questões de valores.

    Em geral mais pobres são simultaneamente mais interessados em (ou dependentes de) populismo e são também mais conservadores em costumes.

    E em economia acabou a negação da propriedade privada. O que se discute é progressividade da política tributária e tamanho relativo do estado. 

  6. Simplista

    “De maneira geral, o que une a esquerda é o desconforto com as desigualdades e a luta para reduzi-las. Essa busca abrange o aspecto social, de gênero e racial. As posições de direita visam a conservar as condições vigentes e valorizar a tradição. Ambos apregoam liberdade, mas olham o significado de prismas diversos.”

    1) Havia liberdade na União Soviética de Stalin? Stalin era de esquerda?

    2) Milton Friedman defendia a liberação das drogas (embora não incentivasse o consumo) e o imposto de renda negativo (idéia encampada no Brasil por Suplicy). Friedman era de direita?

    3) No Brasil parece que atualmente ser de esquerda é defender o PT a qualquer custo, relevando os atos criminosos da alta cúpula do partido. Será que “os fins justificam os meios”?

  7. Dez Princípios
    Dez Princípios Conservadores por Russell Kirk Primeiramente, o conservador acredita que existe uma ordem moral duradoura. Que a ordem está feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante, e as verdades morais são permanentes.
    A palavra ordem significa harmonia. Há dois aspectos ou tipos de ordem: a ordem interna da alma, e a ordem exterior da comunidade. Há vinte e cinco séculos, Platão ensinou esta doutrina, mas mesmo os letrados de hoje em dia encontram dificuldades em compreender. O problema da ordem tem sido uma preocupação central dos conservadores desde que o termo conservador passou a fazer parte da política.
    Nosso mundo do século vinte experimentou as conseqüências hediondas do colapso da crença em uma ordem moral. Como as atrocidades e os desastres da Grécia no quinto século antes de Cristo, a ruína de grandes nações em nosso século mostra-nos o poço em que caem as sociedades que se enredam em ardilosos interesses próprios, ou engenhosos controles sociais, como alternativas mais palatáveis a uma antiquada ordem moral.
    Foi dito pelos intelectuais de esquerda (“liberals”) que o conservador acredita, com o coração, que todas as questões sociais são questões da moralidade privada. Compreendida corretamente, esta indicação é bastante verdadeira. Uma sociedade em que os homens e as mulheres são governados pela opinião em uma ordem moral perene, por um sentido forte de certo e errado, por convicções pessoais sobre a justiça e a honra, será uma boa sociedade — não importa a maquinaria política que utilize; quando uma sociedade em que os homens e as mulheres estão moralmente a deriva, ignorantes das normas, e movidos primariamente pela satisfação dos apetites, será uma má sociedade — não importando quantas pessoas votem ou quão liberal seja sua constituição.
    Segundo, o conservador adere ao costume, à convenção, e à continuidade. São os princípios antigos que permitem que as pessoas vivam juntas pacificamente. Os demolidores dos costumes destroem mais do que sabem ou desejam. É através da convenção, palavra tão abusada nos nossos tempos, que conseguimos evitar disputas perpétuas sobre direitos e deveres: as leis, em sua essência, são um conjunto de convenções. Continuidade é o agregado dos meios de se ligar uma geração à outra, e ela importa tanto para a sociedade quanto para o indivíduo. Sem ela, a vida é sem sentido. Quando revolucionários bem sucedidos apagaram velhos costumes, ridicularizaram antigas convenções e quebraram a continuidade das instituições sociais, neste mesmo instante descobriram a necessidade de repô-los por novos, mas este processo é lento e penoso, e a nova ordem social que eventualmente emerge nestas circunstâncias pode ser muito inferior à velha ordem que os radicais superaram em sua ardorosa busca pelo “Paraíso Terreno”.
    Conservadores são campeões dos costumes, convenção e continuidade, porque eles preferem o diabo que conhecem do que áquele que não. Ordem, justiça e liberdade, eles acreditam, são produtos artificiais de uma longa experiência social, o resultado de séculos de tentativas, reflexão e sacrifício. Desta forma, o corpo social é um tipo de corporação espiritual, comparável à Igreja, podendo mesmo ser chamada de comunidade de almas. A sociedade humana não é nenhuma máquina para ser tratada mecanicamente. A continuidade, o sangue da vida de uma sociedade, não pode ser interrompida. O lembrete de Burke sobre a necessidade de mudanças prudentes está nas mentes dos conservadores. Mas a mudança necessária, argumentam os conservadores, deve ser gradual e discriminatória, nunca removendo antigos interesses de uma vez.
    Terceiro, os conservadores acreditam no que pode ser chamado o princípio da prescrição. Conservadores percebem que as pessoas modernas são anãs sobre os ombros de gigantes, capazes de ver mais longe que seus ancestrais apenas por conta da grande estatura daqueles que os precederam no tempo. Portanto, os conservadores freqüentemente enfatizam a importância da prescrição, isto é, das coisas estabelecidas pelo uso desde tempos imemoriais, de modo que a mente humana não busca os seus contrários. Existem direitos cuja principal sanção é sua antigüidade, estando os direitos de propriedade, freqüentemente, aí incluídos. Da mesma forma, nossa moralidade é em grande parte prescritiva. Os conservadores argumentam ser bastante improvável que nós, os modernos, façamos alguma brava descoberta nos campos da moralidade, política ou gosto. É perigoso ter de ponderar cada problema com base no julgamento e na racionalidade pessoal. O indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia, nos ensina Burke. Em política fazemos bem em seguir por precedência, preceito e mesmo pré-julgamento, pois a humanidade adquiriu uma sabedoria muito maior do que qualquer racionalidadezinha de um único homem.
    Quarto, os conservadores são guiados por seu princípio da prudência.Burke concorda com Platão que para o estadista, a prudência é a maior dentre as virtudes. Qualquer medida pública deve ser avaliada por suas prováveis conseqüências de longo prazo, e não meramente por alguma vantagem ou popularidade temporárias. Os liberais e os radicais, diz o conservador, são imprudentes: perseguem seus objetivos sem dar muita atenção ao risco de que novos abusos sejam piores do que os males que esperam eliminar. Como John Randolph de Roanoke bem colocou, a providência move-se lentamente, mas o diabo sempre se apressa. Sendo complexa a sociedade humana, os remédios não podem ser simples se devem ser eficazes. O conservador afirma que age somente após suficiente reflexão, pesando as conseqüências. Reformas, assim como as cirurgias, são perigosas quando repentinas e profundas.
    Quinto, os conservadores prestam atenção ao princípio da diversidade.Eles sentem afeição pela intrincada proliferação de instituições sociais e de modos de vida estabelecidos de longa data, a distingüi-las da uniformidade reducionista e do igualitarismo dos sistemas radicais. Para a preservação de uma saudável diversidade em qualquer civilização, nela devem sobrevir ordens e classes, diferenças em condições materiais e diversos modos de desigualdade. As únicas formas verdadeiras de igualdade são aquelas do Julgamento Final e aquelas perante um justo tribunal da lei; todas as demais tentativas de nivelamento irão conduzir, na melhor das hipóteses, à estagnação social. A sociedade requer liderança honesta e capaz; e se as diferenças naturais e institutionais forem destruídas, nesta mesma hora algum tirano ou um desprezível representante de oligarcas criará novas formas de desigualdade.
    Sexto, os conservadores se purificam por seu princípio da imperfeição (“imperfectability”). A natureza humana sofre irremediavelmente de determinadas falhas graves, o sabem os conservadores. Em sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social perfeita pode ser criada. Por conta de seu desassossego, a humanidade se rebelaria sob qualquer dominação utópica, e iria, mais uma vez, eclodir em violento descontentamento — ou então iria exaurir-se em tédio. Perseguir uma utopia é terminar em desastre, diz o conservador: nós não fomos feitos para coisas perfeitas. Tudo que podemos razoavelmente esperar é uma sociedade toleravelmente ordenada, justa, e livre, na qual alguns males, desajustamentos e sofrimentos estarão sempre presentes. Por intermédio de reformas prudentes podemos preservar e melhorar esta ordem tolerável. Mas se as antigas salvaguardas institutionais e morais de uma nação forem negligenciadas, então o impulso anárquico da humanidade será liberado de suas amarras: “a cerimônia da inocência estará perdida.” As ideologias que prometem a perfeição do homem e da sociedade converteram uma grande parte do mundo do século vinte em um inferno terrestre.
    Sétimo, conservadores estão convencidos de que a liberdade e a propriedade são intimamente relacionadas. Separe a propriedade da possessão privada e o Leviatã se transformará no mestre de todos. Por sobre as fundações da propriedade privada são erigidas grandes civilizações. Quanto mais difundida for a posse da propriedade privada, mais estável e produtiva será uma comunidade. Nivelamento econômico, crêem os conservadores, não é sinônimo de progresso econômico. Acumular e gastar não são os principais objetivos da existência humana; mas uma base econômica sadia para o indivíduo, a família e a comunidade deve ser almejada.
    Henry Maine, em sua “Village Communities”, expõe eloqüentemente a causa da propriedade privada em distinção à propriedade comunal: “Ninguém tem a liberdade de atacar as diversas formas de propriedade privada e, ao mesmo tempo, dizer que valoriza a civilização. A história de ambas não pode ser desentrelaçada.” A instituição da propriedade privada tem sido um instrumento poderoso para ensinar responsabilidade a homens e mulheres, para prover motivos para a integridade, para suportar a cultura geral, para levantar a humanidade acima do nível do mero penoso laborar, por permitir o ócio para o pensar e a liberdade para agir. Para poder reter os frutos do trabalho do indivíduo e torná-los permanentes; para poder legar a propriedade de alguém à sua posteridade; para poder erguer-se da condição natural de opressiva pobreza à segurança da realização duradoura; para ter algo que realmente pertença a si mesmo — estas são vantagens difíceis de negar. O conservador reconhece que a posse da propriedade impõe certos deveres ao proprietário e aceita estas obrigações morais e legais alegremente.
    Oitavo, conservadores suportam ações comunitárias voluntárias, tanto quanto se opõem ao coletivismo involuntário. Embora os americanos têm sido fortemente atrelados à privacidade e aos direitos privados, também são um povo notável pelo espírito bem sucedido de comunidade. Em uma comunidade genuína, as decisões que afetam mais diretamente à vida dos cidadãos são feitas localmente e voluntáriamente. Algumas destas funções são realizadas por instituições políticas locais, outras por associações privadas: desde que permaneçam locais e sejam acordadas por aqueles afetados, elas constituirão uma comunidade saudável. Mas quando estas funções passam, “naturalmente” ou por usurpação, à autoridade central, a comunidade estará em sério perigo. O que quer que seja benéfico e prudente na democracia moderna é feito a partir da vontade cooperativa. Se, então, em nome de uma Democracia abstrata, as funções da comunidade são transferidas a uma direção política distante — por que o governo real exercido pelo consentimento dos governados dá vez a um processo uniformizante que é hostil à liberdade e à dignidade humana.
    Pois nenhuma nação é mais forte do que as pequenas e numerosas comunidades de que é composta. Uma administração central, ou um conjunto de seletos administradores e servidores civis, embora bem intencionados, não podem conceder justiça, prosperidade e tranquilidade a uma massa de homens e mulheres desprovidos de suas antigas responsabilidades. Essa experiência foi feita antes; e foi desastrosa. É o exercício de nossos deveres na comunidade que nos ensina a prudência, a eficiência e a caridade.
    Nono, o conservador percebe a necessidade de prudentes restrições ao poder e às paixões humanas. Politicamente falando, o poder é a habilidade de realizar a vontade de um não obstante a vontade dos demais. Um estado onde um indivíduo ou pequeno grupo seja capaz de dominar a vontade de seus concidadãos sem qualquer supervisão, será despótico, seja denominado monárquico, aristocrático ou democrático. Quando cada pessoa reivindica ser um poder para si mesmo, então a sociedade cai em anarquia. A anarquia nunca dura por muito tempo, sendo intolerável para todos, e contrário ao inelutável fato de que algumas pessoas são mais fortes e mais inteligentes do que seus vizinhos. À anarquia sucede a tirania ou a oligarquia, em que o poder é monopolizado por uns poucos.
    O conservador esforça-se para de tal forma limitar e balancear o poder político que a anarquia ou a tirania não possam surgir. Em cada era, não obstante, homens e mulheres são tentados a superar as limitações sobre o poder, por conta de alguma vantagem provisória almejada. É característico do radical pensar o poder como uma força para o bem — tão logo o poder caia em suas mãos. Em nome da liberdade, os revolucionários franceses e russos aboliram as antigas restriçõess ao poder; mas o poder não pode ser abolido; encontra sempre seu caminho para as mãos de alguém. Esse poder que os revolucionários tinham pensado ser opressivo nas mãos do antigo regime transformou-se, muitas vezes, tão tirânico quanto o anterior nas mãos dos novos mestres radicais do estado.
    Sabendo ser a natureza humana uma mistura de bem e de mal, o conservador não deposita sua confiança na mera benevolência. Limitações constitutionais, verificações e contrapesos políticos, o cumprimento adequado das leis, a antiga e intricada teia das restrições por sobre a vontade e os apetites — isto é o que o conservador aprova como instrumentos da liberdade e da ordem. Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as reivindicações da autoridade e as reivindicações da liberdade.
    Décimo, o pensador conservador compreende que essas permanências e mudanças devam ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade vigorosa. O conservador não é oposto à melhoria social, embora duvide que haja algo como uma força geradora de algum Progresso místico, com “P” maiúsculo, operando no mundo. Quando uma sociedade está progredindo em alguns aspectos, geralmente está declinando em outros. O conservador sabe que toda sociedade saudável é influenciada por duas forças, que Samuel Taylor Coleridge chamou de sua Permanência e sua Progressão. A Permanência de uma sociedade é formada por aqueles interesses e convicções perenes que nos dão a estabilidade e a continuidade; sem essa Permanência, as origens profundas da sociedade são desfeitas, que cai em anarquia. A Progressão em uma sociedade é esse espírito e esse conjunto de talentos que nos incitam à reforma e à melhoria prudentes; sem essa Progressão, um povo irá estagnar.
    Conseqüentemente o conservador inteligente esforça-se para reconciliar as demandas da Permanência e as da Progressão. Pensa que o liberal e o radical, cégos às justas reivindicações da Permanência, poriam em perigo a herança nos legada, em um esforço para apressar-nos em algum duvidoso Paraíso Terrestre. O conservador, resumidamente, favorece o progresso racionalizado e moderado; é oposto ao culto do progresso, cujos adeptos acreditam que tudo que é novo é necessariamente superior a tudo que é velho.
    A mudança é essencial ao corpo social, raciocina o conservador, apenas porque é essencial ao corpo humano. Um corpo que cessasse de se renovar começaria a morrer. Mas se esse corpo deve ser vigoroso, a mudança deve ocorrer de forma regular, harmonizando-se com a forma e a natureza desse corpo; se não a mudança produz um crescimento monstruoso, um câncer, que devora seu anfitrião. O conservador crê que nada em uma sociedade deva ser sempre completamente antigo, e que nada deva ser sempre completamente novo. Estes são os meios de conservação de uma nação, pois que são os meios da conservação de um organismo vivo. Apenas o quanto de mudança uma sociedade requer, e que sorte de mudança, depende das circunstâncias de uma era e de cada nação.
    Tais são então os dez princípios que têm aparecido freqüentemente ao longo destes dois séculos do pensamento conservador moderno. Outros princípios de igual importância poderiam ter sido discutidos aqui: a compreensão conservadora da justiça, ou a visão conservadora da educação. Mas tais assuntos, com o tempo a se esgotar, eu devo deixar a sua própria investigação.
    O grande divisor de águas na política moderna, Eric Voegelin costumava apontar, não é a divisão entre liberais de um lado e totalitários do outro. Não, em um lado dessa linha estão todos aqueles homens e mulheres que acreditam que a ordem temporal é a única ordem, e que as necessidades materiais são suas únicas necessidades, e que podem fazer o que quiserem com o patrimônio humano. No outro lado dessa linha estão todos aqueles povos que reconhecem uma ordem moral perene no universo, em uma natureza humana constante, e em elevados deveres para a ordem espiritual e a ordem temporal. http://10principios.blogspot.com.br/ 

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