O “bolsonarismo” português e a articulação da extrema direita, por Bruno Alcebino da Silva

Tanto o bolsonarismo brasileiro quanto o movimento de extrema direita na Europa compartilham características semelhantes

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O “bolsonarismo” português e a articulação da extrema direita

 por Bruno Fabricio Alcebino da Silva

O Partido de ultradireita Chega, utiliza-se do discurso xenofóbico e anti-islâmico para articular brasileiros conservadores em consonância com o bolsonarismo. A articulação da direita persiste e entre idas e vindas vem conquistando novos espaços.

A onda de ultradireita chegou às terras lusitanas, representada pelo partido conservador Chega (CH) fundado em 2019, refletindo uma tendência global de ascensão dos movimentos de extrema direita e populistas nacionalistas. Assim como ocorreu no Brasil com a ascensão do bolsonarismo, a Europa também tem testemunhado um aumento significativo na popularidade de partidos e líderes políticos que promovem agendas ultraliberais e conservadoras. Podemos observar esse fenômeno global com a eleição de Viktor Orbán (2010) na Hungria, Donald Trump (2016) nos EUA, Jair Bolsonaro (2018) no Brasil, Giorgia Meloni (2022) na Itália e Javier Milei (2023) na Argentina dentre vários outros.

O surgimento do Chega em Portugal evidencia a disseminação dessas ideias além das fronteiras brasileiras, encontrando terreno fértil em um contexto de incertezas econômicas, mudanças sociais e insatisfação com o establishment político tradicional. Assim como no Brasil, o discurso do Chega é marcado por uma retórica nacionalista, anti-establishment e, em muitos aspectos, polarizadora.

Além disso, tanto o bolsonarismo brasileiro quanto o movimento de extrema direita na Europa compartilham características semelhantes, como a defesa de políticas de segurança mais rígidas, a crítica à imigração e um forte apelo ao conservadorismo social. Esses movimentos também costumam se posicionar contra instituições democráticas estabelecidas, questionando a legitimidade de órgãos como o judiciário e a imprensa.

A ascensão do Chega em Portugal, assim como o crescimento de outros partidos de extrema direita na Europa, evidencia uma mudança na paisagem política global, onde forças antes consideradas marginais ganham espaço e influência. Essa tendência levanta preocupações sobre os rumos da democracia e dos direitos individuais em diversas partes do mundo, especialmente diante do contexto de polarização e radicalização política.

O discurso do Chega

O discurso do Chega, em ascensão às vésperas das eleições portuguesas  que determinarão o novo governo e primeiro-ministro de Portugal, revelam uma série de contradições e estratégias políticas complexas. Em meio a uma campanha que o coloca em terceiro lugar nas pesquisas, o partido tem como uma de suas principais bandeiras o controle da imigração, um tema que ganha destaque em um país onde os brasileiros representam a maior comunidade de imigrantes, a soma é de por volta de 400 mil, totalizando cerca de 4% da população lusitana.

Essa aparente contradição é agravada pelo fato do Chega buscar o voto dos brasileiros, ao mesmo tempo em que promove uma retórica xenofóbica e islamofóbica, frequentemente associada à extrema direita. O discurso do partido sugere que o país deve ter condições adequadas para receber imigrantes, ao mesmo tempo em que enfatiza a necessidade de controlar a imigração, especialmente de países muçulmanos. O mais surreal é que os próprios imigrantes   apoiam a causa.

Essa abordagem visa conquistar os brasileiros através de um discurso conservador. O líder do Chega, o deputado André Ventura, chegou a declarar que muitos brasileiros têm fugido do suposto governo corrupto de Lula, alinhando-se assim com a narrativa anti-esquerdista do bolsonarismo. O conservador também enfatizou que, se seu partido vencer as eleições, “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será bem-vindo em Portugal”.

Durante a campanha, Ventura agitou o público ao levantar o fantasma da fraude eleitoral. Essa mesma tática de tentar desacreditar o sistema eleitoral foi utilizada por Bolsonaro no Brasil e por outros políticos, incluindo o americano Donald Trump.

Além disso, o partido compartilha outras pautas conservadoras com o bolsonarismo, como a oposição à chamada “sexualização das crianças”, em um discurso que ecoa a retórica da ex-ministra brasileira Damares Alves.

É interessante observar como o Chega utiliza figuras proeminentes do bolsonarismo, incluindo o próprio Jair Bolsonaro, como cabos eleitorais, buscando estabelecer uma conexão com os brasileiros que residem em Portugal. No entanto, essa estratégia contraditória se torna evidente quando confrontada com o comportamento xenofóbico de alguns apoiadores do partido. Todos recordamos daquele vídeo viralizado nas redes sociais, no qual uma mulher portuguesa se dirigiu a uma brasileira com comentários discriminatórios, declarando que era “portuguesa de raça” e sugerindo que a brasileira deveria “voltar para sua terra”.

Essa utilização dos brasileiros para promover uma agenda xenofóbica e islamofóbica é extremamente preocupante, especialmente em um país que busca se distanciar do autoritarismo e da discriminação que marcaram sua história, especialmente durante a ditadura de Salazar. Ao estabelecer uma clara diferenciação entre os imigrantes considerados “bons” e “maus”, o Chega promove uma narrativa fascista que ameaça os valores democráticos e inclusivos que devem prevalecer em uma sociedade pluralista e democrática.

A extrema direita é articulada!

Quando Lula emergiu como vencedor das eleições presidenciais brasileiras de 2022, uma sensação de alívio não se limitou ao Brasil; ecoou também pela América Latina e Europa, a terra voltara a ser redonda. O antecessor de Lula não apenas deixara danos profundos – tanto sociais quanto ambientais -, mas também minara consideravelmente a cooperação entre os países da América Latina, além de frequentemente entrar em conflito com nações europeias devido às críticas à política oficial de desmatamento ou de deixar “passar a boiada”.

Nos meses que se seguiram, Jair Bolsonaro encontrou-se condenado pela justiça eleitoral e inelegível para futuras candidaturas, enquanto seus aliados, e o próprio, enfrentavam investigações da Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado, parecia que o terror tinha chegado ao fim. Donald Trump, por sua vez, vinha perdendo suas disputas com as instituições americanas, proporcionando um breve período de tranquilidade. No entanto, a eleição de Javier Milei na Argentina evidenciou que o panorama político global da extrema direita está em constante evolução.

Essa tendência não se limita à América Latina. Na Europa, partidos de extrema direita como a Reunião Nacional (RN) na França e os Irmãos da Itália (FdI) ganharam terreno. Na Polônia, apesar da derrota do Partido Lei e Justiça no governo, este ainda mantém a maioria parlamentar. Na Holanda, figuras políticas anti-islâmicas como Geert Wilders obtiveram ganhos significativos.

`À vista disso, a ascensão do argentino serve como um claro lembrete de que a ameaça persiste. O bolsonarismo ainda continua forte, a manifestação em prol da anistia dos golpistas na Avenida Paulista revelou que a articulação continua. Na terra do Tio Sam, Trump reverteu a situação e vem ganhando destaque tanto nas prévias quanto como potencial vencedor para ocupar a Casa Branca. O governo genocida e direitista de Israel continua a fazer sua matança desenfreada na Faixa de Gaza e se auto-exime de qualquer culpa.

Esses movimentos têm raízes profundas e não podem ser explicados simploriamente. Emergem num contexto de ofensiva neoliberal que exacerba a desigualdade social e promove uma financeirização extrema da economia, enfraquecendo a esquerda e abrindo espaço para ideologias autoritárias.

Para manter uma sociedade cada vez mais desigual, o capital financeiro recorre a políticas cada vez mais repressivas e autoritárias, caracterizando uma fase neofascista do neoliberalismo. Esses movimentos se apoiavam em discursos simplistas, anti-intelectuais e nacionalistas, encontrando terreno fértil na identidade nacional e no conservadorismo moral.

Além disso, a ascensão da extrema direita é facilitada pela atuação das grandes empresas de tecnologia, que promovem a disseminação de conteúdo ideológico e a manipulação de informações. O conservadorismo moral, aliado ao fundamentalismo religioso e à ideia de guerra cultural, também desempenhava um papel crucial na coesão desses movimentos.

À vista disso, enfrentar a extrema direita demanda uma resposta internacional, que transcende fronteiras e que deve articular diferentes movimentos progressistas. É necessário reconectar-se com as bases populares, apresentar um programa de transformações estruturais e reafirmar valores. Essa luta só pode ser travada nas ruas e nas mobilizações de massas, construindo espaços coletivos entre partidos, sindicatos e movimentos populares. Ignorar o avanço da extrema direita, tanto no contexto brasileiro quanto global, expõe a sociedade a sérios riscos. Tal postura pode acarretar em políticas repressivas, agravamento da desigualdade e fomento de divisões profundas na sociedade, comprometendo assim a estabilidade e o progresso social.


Bruno Fabricio Alcebino da Silva – Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).

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