50 dias de governo: um erro e acertos da política externa
por Angelita Matos Souza
Algumas das primeiras manifestações de política externa do presidente Lula geraram críticas: o gasoduto na Argentina; o reconhecimento do governo de Boluarte no Peru; a nota conjunta com o presidente Biden-voto na ONU. A seguir opinamos a respeito.
Primeiro, não veio em boa hora o anúncio, na Argentina, de que o BNDES poderia apoiar a construção de um gasoduto no país. Consideramos um erro porque destoou daquilo que vinha sendo divulgado pela equipe de transição como uma situação calamitosa, de terra arrasada. Para o eleitor, provavelmente ficou difícil articular as duas coisas: a herança maldita do posto Ipiranga com uma situação na qual se poderia apoiar obras no exterior.
Além disso, do ponto de vista ambiental, o gasoduto de Vaca Muerta é condenável, o que não contribui para a construção da imagem de vanguarda da defesa do meio ambiente, que o governo Lula 3 deve perseguir. No mais, é lógico que o BNDES incentivar as exportações de empresas do Brasil é um bom negócio para o país, tanto que nos governos anteriores isso foi chamado de subimperialismo, e o imperialismo (mesmo o “sub”) costuma ser vantajoso para quem o pratica.
Com relação à crise no Peru, analistas mais à esquerda criticaram a postura do presidente Lula diante da deposição de Pedro Castillo. Este tentou uma saída golpista malsucedida para se manter no poder, condenada pelo presidente Lula, recém-eleito. No Brasil, o cenário político era de apreensão em torno da possibilidade de atos golpistas da parte do bolsonarismo (o que ocorreria em 8 de janeiro). Neste contexto, ao condenar a tentativa de Castillo de fechar o Congresso e reconhecer imediatamente o governo da presidente Dina Boluarte, colocada no seu lugar, o presidente Lula provavelmente mirava a preservação do regime democrático no Brasil.
É certo que os acontecimentos são mais complexos, de todo modo não teria sentido apoiar o que apareceu como uma tentativa de golpe no país vizinho em um momento de risco para a democracia por aqui. E era oportuno acompanhar o posicionamento dos EUA, já que o Império, ao reverenciar os resultados das eleições no Brasil, certamente desestimulou atitudes golpistas entre membros do alto escalão no aparelho repressor do Estado brasileiro. Em situações menos problemáticas, outros países na América do Sul adotaram o mesmo posicionamento que o Brasil (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia). Todavia, é importante se opor enfaticamente ao furor repressor do governo Boluarte.
Por fim, com relação ao encontro com o presidente dos EUA, as críticas se direcionaram à nota conjunta que mencionava a guerra Rússia-Ucrânia. O presidente Lula foi então acusado de ceder à pressão dos EUA. No entanto, lamentar “a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia” não implica em compartilhar da campanha pela transformação do sujeito da Ucrânia em herói dessa história macabra, sem lado bom. Com efeito, o presidente Lula manteve-se firme na defesa da paz ao condenar com justeza uma agressão, e sem tomar partido do outro lado, como em todas as suas manifestações a respeito deste conflito absurdo.
Vale lembrar que o governo brasileiro se recusou a enviar armas para Ucrânia e o presidente Lula já havia afirmado que a Rússia cometeu um “erro clássico” ao invadir o país. Portanto, o voto na ONU (23/02) apenas confirmou posicionamentos anteriores. E o Brasil votou (corretamente) com outros países latino-americanos; aliás, nem a China votou com a Rússia, preferiu a abstenção.
Agora os maiores acertos deste início de governo estão no campo da política ambiental, que não deixa de ser política externa. A começar pela escolha de Marina Silva como Ministra do Meio Ambiente, que repercutiu muito bem internacionalmente. Contudo, deve ser a ministra com mais poder para chamuscar o governo, caso venha a deixá-lo devido a desentendimentos com outros ramos (como a presidência da Petrobras, por exemplo), mas isso é assunto para outra oportunidade.
Angelita Matos Souza. Cientista Social, Mestre em Ciência Política e Doutora em Economia pela Unicamp. Livre Docente em História Econômica do Brasil pelo IGCE-Unesp e docente no IGCE-unesp.
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