Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Kill Boxes: a fragmentação da guerra, por Eduardo Barros Mariutti

Kill boxes são áreas geograficamente delimitadas em que as forças armadas dos EUA não precisam de autorização para atacar alvos hostis.

An F-15E Strike Eagle aircraft, assigned to the 494th Expeditionary Fighter Squadron, detaches from a KC-10 Extender aircraft after receiving fuel during a mission, June 6, 2021. Air refueling is critical to agile combat employment because it extends the aircraft’s range and duration of flight. (U.S. Air Force photo by Tech. Sgt. Michelle Y. Alvarez)

do Observatório de Geopolítica

Kill Boxes: a fragmentação da guerra

por Eduardo Barros Mariutti

            Dada as dificuldades técnicas – o vetor utilizado, as imprecisões dos sistemas de controle de fogo, poder destrutivo etc. – a destruição de um prédio na II Guerra Mundial demandava o emprego de 9000 bombas. Na Guerra do Vietnã cerca de 300. Atualmente é possível destruir um edifício com apenas um míssil de cruzeiro. O que se vê é, portanto, um incremento considerável da precisão e da capacidade de dano dos armamentos. Entretanto, o seu emprego depende da efetividade das tecnologias de percepção, isto é, da capacidade de identificar e individualizar os alvos de forma remota (targeting), para que eles possam ser atingidos. De qualquer modo, a maior granularidade dos sistemas de designação de alvos entrou em sinergia com o desenvolvimento de um conceito operacional novo, as Kill Boxes: áreas geográfica e temporalmente delimitadas em que as forças armadas dos EUA não precisam de autorização do comando central para atacar alvos hostis.

            Em tese, esta inovação institucional confere mais flexibilidade e dinamismo às operações ofensivas, particularmente aos ataques aéreos tripulados e não tripulados que, por ganharem certa independência do comando central, podem operar em “tempo real”. Originalmente a noção de Kill Box foi utilizada em uma guerra convencional, como parte da Operação Tempestade no Deserto, no dia 30 de janeiro de 1991, e designava uma área de fogo livre e de interdição aérea do inimigo com 900 quilômetros cúbicos. Hoje, a princípio, em qualquer ponto do planeta em que se detecte uma ameaça, é possível definir uma Kill Box de tamanho variável onde os EUA – ou seus aliados – podem abrir fogo livremente, mesmo em zonas onde não exista guerra declarada. Ao contrário do que se verificou orginalmente na Guerra do Golfo, a tendência hoje é de uma granularidade cada vez maior, que pode envolver apenas alguns metros.

            O aspecto mais importante a ser notado é o vínculo entre a técnica – a granularidade dos sistemas de vigilância e sua integração com formas de projeção de dano letal – e as transformações institucionais. A grande celeuma é que boa parte das “ameaças” são designadas de forma automatizada por algoritmos e formas de sensoriamento preditivas, mediante um procedimento chamado de signature strikes:os alvos, que podem ser indivíduos totalmente desconhecidos, são designados por seus padrões de comportamento e associações pessoais (pattern of life analysis). Este tipo de atuação expressa transformações significativas na percepção militar: “A perspectiva vertical que transformou a guerra nos primeiros dias da aviação militar agora é aprimorada por uma ‘visão aérea’ que não está mais confinada apenas a meios ópticos, mas busca os padrões e esquemas que surgem das populações humanas (…). Essa mudança não é incidental; é o resultado de concepções em evolução sobre a guerra, passando de um ‘mass-event’ para um exercício de policiamento global, no qual comportamentos suspeitos são visados da mesma forma que combatentes inimigos claramente identificáveis.” (Nina FRANZ. “Targeted killing and pattern-of-life analysis: weaponised media.” Media, Culture & Society, v. 39 p. 112).

            Dois elementos devem ser destacados na passagem supracitada. A visão aérea é muito mais abrangente do que a percepção vertical típica da aviação durante a I Guerra, que dependia dos relatos dos pilotos e das fotografias, que eram suplementadas pelos observadores nos balões fixos. A percepção era ótica e muito próxima do sensório humano. Uma visão aérea é sempre tridimensional e multiespectral, isto é, cobre potencialmente todo o espectro da luz e demais sinais (térmicos, sonoros etc.). É uma percepção maquínica. O segundo é a dimensão institucional. A ideia de combatente começa a transcender as categorias convencionais – i.é. um representante genérico de uma entidade coletiva (o Estado) em uma guerra formalmente declarada – e passa a ser atribuível a qualquer ameaça representada pelas ações de um indivíduo ou grupo que, a princípio, pode estar em qualquer território.

Eduardo Barros Mariutti – Professor do Instituto de Economia da Unicamp, do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas da UNESP, UNICAMP e PUC-SP e membro da rede de pesquisa PAET&D.

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