Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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O novo ministro de relações exteriores do Brasil e o país submisso

O chanceler saúda o presidente

Sergio Lima/Poder360

O novo ministro de relações exteriores do Brasil e o país submisso

por Augusto Colório, Marina Rossetto e Bruno Lima Rocha

O Brasil está em transe, tomando como referência o conceito do genial Glauber Rocha. Isto é fato. Infelizmente, o país vive um transe de mimetismo com um arcabouço de conceitos estapafúrdios, onde não há sequer uma “direita séria”, vivendo sob um jogo de espelhos retorcidos da pior faceta dos lunáticos dos EUA, as direitas mais à direita do Partido Republicano. Para desgraça da nação, a vitória eleitoral de Trump nos Estados Unidos veio ao encontro da “nova-velha” direita brasileira, em suas vertentes mais absurdas, justo as que se popularizaram a partir de 2014 e cuja parcela mais autoritária e “iconoclasta” encarna no “governo” de Jair Bolsonaro.

Estamos diante do inusitado, da mescla do pior com o pior, atingindo o cerne de instituições que todos pensávamos estarem meio que imunes a tanta sandice. Dentre estas, o Ministério das Relações Exteriores (MRE), conhecido como o Itamaraty, um lócus de poder e saber de Estado que sempre fora comparado ao “Foreign Office” do Brasil. Não que o Ministério e os respectivos diplomatas sejam isentos de críticas, longe disso. Menos ainda cair em uma fala vazia de “direção técnica” ao invés da “direção política” do órgão. Não há instituição sem disputa política, sem linhas antagônicas (por vezes muito antagônicas) e tampouco há virtude alguma em instituições insulares, isoladas da sociedade e cuja meta seria atender o interesse de sua cúpula dirigente. Mesmo com todas as considerações acima, há que se reconhecer que a atual situação passa de qualquer limite do previsível. Esta “ruptura” é por direita, bem à direita, e muito, mas muito subordinada ao imperialismo dos EUA sob seu governo de turno. Vejamos.

O discurso de posse do novo ministro de relações exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, parece confirmar o que as análises mais sensatas de relações internacionais vinham prevendo. Seguindo a política externa do pós-golpe, o Brasil deve romper ainda mais com o histórico de sua política externa – reconhecida mundialmente por pautar suas ações por alguns princípios dos quais quase nunca abre mão, como os de não intervenção, de autodeterminação dos povos e de solução pacífica de controvérsias.

A política externa brasileira proposta por Araújo vai em direção ao alinhamento ainda maior aos interesses estadunidenses (diríamos, alinhando-se especificamente ao governo Trump) para a política internacional, como forma de obter “desenvolvimento” deixando de lado as iniciativas de inserção autônomas para um mundo multipolar, na qual o Brasil tem uma margem de barganha muito maior. Se durante a campanha, Jair Bolsonaro prometia “desideologizar” o Itamaraty, a posse do ministro Ernesto Araújo acentuou uma presença ideológica que pelo visto era muito marginal dentro do órgão. O discurso da “desideologização” (muito em voga nos ‘comentaristas de economia”, ou seja, dos papagaios do capital financeiro) sempre foi uma farsa e agora parece uma ópera bufa, mescla de filmes B do gênero pastelão com os roteiros mais revoltantes do genial Pier Paolo Pasolini,

Se o ato de posse é o anúncio dos tempos vindouros, logo há muito a temer. O discurso conteve de tudo. Grego, latim, citações de Clarice Lispector, Renato Russo, Raul Seixas, Fernando Pessoa, Dom Quixote. No entanto, apesar do folclorismo demonstrado pelo diplomata (e como nada nos escapa, o não citado Joaquim Câmara Cascudo estava presente nas entrelinhas), existem pontos relevantes que devem pautar a radical transformação da política externa brasileira. Apesar do discurso servir mais como uma exaltação da “nova fase” do Brasil, bem como da chegada de “Deus” ao Palácio do Planalto, e pouco sobre estratégia de política externa, pode se perceber o alinhamento automático do Brasil aos interesses norte-americanos. Mesmo que travestidos de uma retórica antiglobalista, a fala do novo ministro deixa explícito que os mesmos objetivos da política externa do governo Trump serão almejados pelo Brasil, a partir de agora. É por isso que Araújo intensifica o discurso contra a Venezuela, exalta Israel, e aplaude governos conservadores que flertam com o fascismo como da Itália (Nova Itália na fala do ministro), Hungria (campeã da xenofobia) e Polônia (novo bastião da OTAN), de maneira fática disse: “os aliados dos Estados Unidos serão nossos aliados, e os seus inimigos serão os nossos inimigos”.

O novo ministro atacou de todas as formas o fenômeno que ele chama de globalista. Inspirado no astrólogo Olavo de Carvalho, Ernesto Araújo é adepto da teoria conspiratória que interpreta a relativa perda da soberania dos estados, como consequência da globalização, como um grande plano global guiado por forças internacionais que visam dominar o mundo. Para que essas forças sejam superadas, Araújo propõe o fortalecimento de laços bilaterais e a valorização da amizade com países que “admiramos” como os EUA e Israel. Araújo parece também, incentivar a lógica do discurso do inimigo externo, da soberania sob um possível ataque, da necessidade de protegermos a pátria a todo custo. Pode-se pensar nessa estratégia como forma de legitimar os futuros ataques aos direitos sociais e civis que já foram apresentados nos primeiros dias de governo – exatamente como o grande irmão do norte faz.

Outra promessa do novo ministro foi a de “libertar o Itamaraty de ideologias perversas”. Logo, supõe-se que o fará com a ascensão de “ideologias virtuosas”, como quais? O ministro não citou diretamente, mas nas entrelinhas houve referência ao paradigma de Ratzel para o “destino dos povos”. Muito preocupante para quem entende os termos da geopolítica. Com isso Araújo promete que o Itamaraty vai buscar o interesse do povo brasileiro por meio de decisões “técnicas”. No entanto, não há como proteger o interesse nacional omitindo assuntos extremamente importantes para a soberania nacional. Como justificar a proteção do setor estratégico vendendo uma das maiores empresas nacionais e com alto grau de tecnologia que é a Embraer? Além disso, o que justifica o alinhamento a Israel e a mudança da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, colocando em risco a exportação de carne Halal – considerado o Brasil maior produtor e exportador mundial de carne bovina segundo maior de frangos e líder nas vendas de carne Halal – para os países árabes? Ou, como promete proteger o interesse do povo brasileiro ao não denunciar a venda do Pré-Sal para potências estrangeiras e o sucateamento da Petrobras?

Araújo afirmou que a xenofobia não é um problema no mundo e que o problema real é “odiar o próprio lar”. A posição, que reduz o tamanho da crise migratória mundial, já foi endossada pelo novo presidente que confirmou ao Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que o Brasil ia sair do pacto migratório da ONU.[1] O acordo que foi assinado por mais de 152 países é mais um exemplo do papel de retração que o Brasil deve ter no cenário internacional. No entanto, qual é a justificativa para perdermos capital político nos fóruns multilaterais? Qual é a legitimidade que o Governo Bolsonaro possuirá internacionalmente quando for necessário aprovar algum tipo de medida internacional que seja de interesse nacional ou que necessite apoio de outros países?     

O Governo Bolsonaro ao exaltar o Governo Trump esquece-se da diferença de poder existente entre os dois países no Sistema Internacional. Se por um lado Trump está sob o comando do país com a maior economia do mundo, com o maior arsenal nuclear do planeta e com mais de 800 bases distribuídas mundialmente, o Governo Bolsonaro comanda um país com projeção internacional extremamente limitada e que mesmo chegando a ser a oitava maior economia do mundo, dificilmente conseguiu garantir a sua soberania. Enquanto outros países são obrigados a lidar com o Governo Trump, o Brasil pode estar entrando em uma fase de isolamento internacional, tornando-se mais um país marginalizado da política mundial. Além disso, cabe ressaltar que os recentes acontecimentos na política interna dos Estados Unidos podem significar uma ameaça real de impeachment ao Governo Trump, o que poderia ter consequências graves para o Brasil por conta do alinhamento total do novo governo.[2]

Por fim, o discurso do novo ministro interrompe o projeto de uma política externa brasileira autônoma, que se inicia com o governo Jango/Jânio, perpassa a ditadura militar no governo Geisel, aparece no governo de Itamar Franco e é retomado pelos Governos de Lula e Dilma. Como já vinha se encaminhando no pós-golpe, pode se esperar um alinhamento total do Brasil ao “irmão do norte”, como fizeram Dutra, Café Filho, Castello Branco e Collor. Além disso, coloca o Brasil em um local completamente isolado nas questões multilaterais internacionais e enfraquece qualquer tipo de política externa autônoma como o frustrado BRICS.

Estamos diante de uma situação inusitada. O Brasil se porta como se fosse literalmente uma república bananeira, cumprindo a sina do Bananistão, o sonho macabro das elites brasileiras de transformarem o país novamente em um fazendão, uma plantation pós-colonial, governada de fato pelo baronato financeiro em condomínio com o que há de pior na nossa sociedade. Se há algo que não pode ser contestado é uma “incoerência” do “governo” Bolsonaro. Seu chanceler e aquilo que se anuncia para a política externa e as relações exteriores estão à altura do presidente eleito e sua trupe. Reiteramos: isso não é nenhum elogio.

 

Augusto Colório é mestrando e graduado em relações internacionais; Marina Rossetto é graduada em relações internacionais; Bruno Lima Rocha é professor de relações internacionais e de jornalismo. Quem redigiu este texto forma parte do Grupo de Pesquisa Capital e Estado (https://capetacapitaleestado.wordpress.com)

 

13 de janeiro de 2018


[1]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2019/01/02/bolsonaro-confirma-aos-eua-que-brasil-saira-do-pacto-migratorio-da-onu.htm

[2]Mitt Romney, um dos líderes do Partido Republicano e ex-candidato à presidência dos EUA soltou uma carta na imprensa fazendo duras críticas ao Presidente Trump.

 

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

7 Comentários

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  1. Esqueça o tal ministro, ele

    Esqueça o tal ministro, ele esta aí pra isso mesmo, pra dissimular o que se prentende pra nós ;;é o palhaço no circo

    ..no processo todo ele é MENOR do que o conteúdo do saco de merda que seu chefe carrega

    Problema maior é o alinhamento MILITAR com os EUA  ..nosso militares deram pra trás !!!!

    Os EUA deixaram de ser, com LULA, nosso maior credor, fornecedor e cliente  ..de quebra revelamos precocemente as imensas reservas de petróleo aqui existentes

    Não satisfetios, os progressistas, altivos, começaram a armar nossas armadas com misseis, satélites e cabos de comunicação, submarinos, navios e caças, FORA do espectro tecnológico americano

    UNA-SE a esta revolução no GALINHEIRO – o próximo OREINTE MÈDIO – o fato do país ter sido reconhecido mundialmente, como um verdadeiro player, e se tornado um BRIC

    ..só que não

    Só que não avisaram os militares que, por formação, se NEGAM a falar mandarim  ..a mudar sua cultura, de colonizado submisso, apra uma Nação independente,com ações, idéias, iniciativas  e interesses próprios.

  2. Se o muro de merda entre os EUA e México vier a ser erguido…

    Se o Trump erguer o muro entre o México e os EUA, em pouco tempo as pessoas transporão o tal muro através de carros voadores, que podem voar baixo, o que impedirá sua detecção pelos radares. A construção do muro equivalerá a jogar dinheiro fora. Mas quem atira com a pólvora alheia não mede distância. Os EUA se dão ao luxo de fazer merda porque vivem de espoliar os países periféricos do capitalismo, como é o caso do Brasil. Com a conivência dos nossos homens de bens. Mas eles não passarão na hora em que a revolução for desencadeada.

    Bolsonaro estava pescando em área proibida não foi preso, foi apenas multado, e a multa foi cancelada. Um pobre estava pescando com seu filho, foi preso e certamente pagará uma pesada multa. O que esses dois pesos e essas 2 medidas tem a ver com o Esopo?

    Bem. Ele disse que enforcamos os pequenos ladrões e elegemos os grandes ladrões para os cargos públicos. Prendemos um pobre pescador e elegemos um grande ladrão para presidir a República Bananeira.

    Paisinho de bosta.

    Olha o número de ouro aí, Rapaziada. O triângulo de ouro tem 36 graus no vértice e, como a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180 graus, cada um dos dois ângulos da base tem, logicamente, 72 graus. Pois bem. Se você dividir a medida de qualquer um dos lados do triângulo de ouro pela medida da sua base, você obterá o número phi (de Phidias e Phibonacci), que é aproximadamente igual a 1,618033… Desse triângulo de ouro é possível extrair outro triângulo de ouro, do qual é possível extrair outro triângulo de ouro, do qual é possível extrair outro triângulo de ouro, e assim sucessiva e infinitamente.

    O que resta do triângulo de ouro original, após ser retirado um novo triângulo de ouro, é um triângulo cujo vertice tem 108 graus e cujas medidas de cada um dos outros dois ângulos é 36 graus.

    Se você quiser saber como construir um triângulo de ouro, não fale comigo, procure um Matemático, e eu sou matemágico.

  3. Não há muito o que fazer ou

    Não há muito o que fazer ou dizer.

    O Brasil é o melhor exemplo de uma colônia obediente e um povo submisso.

    São gerações de luta para mudar esse quadro… Não vou estar vivo para ver isso.

  4. “Ai, esta terra ainda vai

    “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal 
    Ainda vai tornar-se um imenso Portugal”

    Diz o Fado Tropical de Chico Buarque.

    Após a eleição de 2018, o país:

    “Se perdeu e se encontrou”

    Nas mãos do Ernesto Araújo

    O Brasil virou um imenso Porto Rico

     

  5. Por mais óbvio que pareça e

    Por mais óbvio que pareça e independentemente de ter conseguido votos suficientes, Bolsonaro e sua trupe não representam o Brasil. Representam os EUA e a turma da moeda daquele país. Mas isso nossa classe média, a pequena burguesia local, só vai perceber quando o dinheiro em seus bolsos começar a minguar. E na medida em que isso for acontecendo, ainda entorpecida pela propaganda comércio-ideológica capitalista e neoliberal, com certeza sobrevirá o sentimento de derrota:

    – “Se não prosperei isso se deve à minha própria inépcia, já que Bolsonaro aprofundou a meritocracia.”

    Já vimos isso acontecer outras vezes. Por exemplo, ao final do governo FHC tornou-se até lugar-comum pequeno burguês classe média comentar – com ar falsamente indiferente, como sempre – que “esse governo está acabando conosco, com a classe média”. Lula foi eleito, apesar da mídia, dentre outras razões, também porque a classe média sentiu os efeitos da entrega da nossa soberania ao mercado do dólar. E ainda não se vê nenhuma razão para que essa história não se repita. A falta de prosperidade virá e não há nada que alguém possa fazer para evitar isso.

    (***)

    Alguém tinha que avisar a Sérgio Moro e sua gangue que a cultura de um país não se muda por decreto. Não se altera o código de leis de um país, do direito romano para o anglicano, nem de repente e nem por força de lei. Vale também lembrá-lo de que propaganda não é cultura. E que a história já o está registrando como mais um traidor da pátria.

    Não somos o que Bolsonaro e os EUA querem nos tornar.

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