do Observatório de Geopolítica
Traços da mudança
por José Francisco Lima Gonçalves
Há consenso sobre a alteração no equilíbrio de poder entre EUA e China. Do ponto de vista econômico, a complementaridade comercial entre os dois países ainda existe em termos absolutos, mas não relativos. A industrialização chinesa se fez à custa da indústria de todos os parceiros comerciais da Terra do Meio, desde avançados até emergentes.
A complementaridade com os EUA se consolidou com o deslocamento da produção manufatureira americana para a China e a instalação da relação importação-remessa de dividendos e lucros. Mas a conta corrente dos EUA firmou-se no vermelho, dominada pelo déficit comercial. A contraditória expansão das reservas internacionais em dólar via financiamento de tais déficits mostra como a forma que os estoques de riqueza assumem afetam a alocação da riqueza nova, da produção concorrente.
Em outras paragens, mas não de modo isolado, ocorreu o clássico asiático, e em escala brutal: desindustrialização e primarização das exportações de um lado, industrialização e urbanização “de cima a baixo” e forte demanda por insumos produtivos e alimentares. Escala e escopo derrubando os custos de produção e determinando o sucesso das exportações e incorporando a tecnologia da fronteira.
Economias de “renda média” que permitiram a valorização de suas moedas e consolidaram suas posições como produtoras de commodities, isto é, exportadoras de commodities, enfrentam, agora, desafios muito maiores do que os dos anos 1950 a 1970. Maiores e diversos: a posição internacional do país passará pela dinâmica especialização-diversificação, sem a pretensão de imitar a Ásia, particular em si e pelo momento ultrapassado.
O limite estratégico é a Nova Rota da Seda, cadeia global de integração econômica, monetária e financeira. Isto porque por economia entende-se indústria, comércio, serviços, extração, agropecuária e desenvolvimento científico e tecnológico. Atividades desenvolvidas e integradas dentro e entre Estados Nacionais, ao menos no horizonte que se enxerga.
O plano de Biden para a reindustrialização, a sustentabilidade e o desenvolvimento científico e tecnológico é, ao mesmo tempo, resposta à crise americana e à expansão chinesa.
Do ponto de vista político, a sobrevivência da OTAN e a “nova ordem asiática” desenham arranjos internacionais originais e redesenham outros. Rússia e China podem retornar à relação existente entre 1945 e 1965, mas em nível superior de estímulos recíprocos, políticos, militares e econômico-financeiros.
Historicamente, a transição entre hegemonias foi apressada pela abrupta desvalorização dos créditos ingleses, franceses e alemães contra a os créditos americanos no fim da Grande Guerra. O movimento se consolidou no fim da segunda guerra mundial, opôs-se ao mundo soviético, fator de reforço, redundou na expansão industrial internacional e encontrou um limite na restrição à expansão financeira dada pelo bloqueio ao movimento de capitais.
Os desdobramentos da “repressão financeira” serão os próximos passos. Argumento da liberalização e da ida ao limite da hegemonia financeira.
José Francisco Lima Gonçalves é professor da FEA-USP e economista chefe do Banco Fator
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