A Nova Luz e a cracolândia

Por Marco Antonio L.

Da CartaCapital

Prefeitura ‘terceiriza’ solução para viciados

Clara Roman 22 de agosto de 2011 às 10:36h

Projeto Nova Luz acaba sem propostas para lidar com dependentes de crack; moradores se unem para lançar projeto de internação e se “livrar” da cracolândia. Foto: Clara Roman

Enquanto o Projeto Nova Luz avança a passos lentos para a “revitalização” do centro de São Paulo, moradores e comerciantes se mobilizam para se livrar de um problema já antigo na região: a cracolândia. Como no projeto feito pela prefeitura não há detalhes sobre o encaminhamento que será dado aos dependentes químicos que perambulam pelo local, os moradores começaram a se unir para encontrar uma saída para esta questão. Mas a estratégia traçada em razão do vácuo da prefeitura apresenta falhas e, segundo especialistas, não soluciona o problema dos dependentes.

“Como não teve a inclusão disso (o tratamento dos usuários de crack) no projeto apresentado, a gente se mobilizou e deu a nossa visão”, disse Paula Ribas, presidente da Associação de Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e da Luz (Amoaluz).

Desde o início das obras em 2004, os usuários de crack são expulsos de um local para o outro, em uma disputa entre os comerciantes dos diversos quarteirões. Edilson Nunes, dono de uma pequena loja de equipamentos eletrônicos na Santa Ifigênia, conta que, de tempos em tempos, grupos de comerciantes de unem para pedir à polícia que “tirem” os usuários da frente das suas lojas. Mas admite a baixa efetividade da solução. “Algum tempo depois, os moradores expulsos voltam à região”.

O projeto sugerido pelos moradores consiste em submeter o usuário a tratamento e depois proporcionar a reinserção através de programas de reciclagem de lixo no próprio bairro. A proposta deve ser encaminhada ao prefeito Gilberto Kassab, que pode apoiar ou não sua inserção dentro do Programa Nova Luz. Ribas está otimista e considera uma vitória da movimentação dos moradores.

A estratégia de Paula é traçar parcerias com ONGs do bairro e acolher os moradores de rua em cooperativas de reciclagem que já existem na região. Para o professor de urbanismo da FAU-USP Jorge Bassani, a solução é fraca. “Ter como única oferta de mão de obras o catador de lixo é pensar muito pobre, é pensar mesquinho,”diz. Para ele, a solução pode ser um passo inicial, mas não oferece a rearticulação efetiva dos laços sociais dessas pessoas com a sociedade. A própria Paula Ribas, idealizadora, admite que o projeto tem falhas. “É um projeto feito na nossa visão como cidadão. Eu não tenho nenhum conhecimento sobre isso. A gente está tentando resolver algo que a prefeitura deveria resolver. É uma coisa que tem falhas, não é algo elaborado por técnicos”,” afirma ela.

O projeto ainda engatinha. Marcelo Caran, da Fundação Travessia, organização que trabalha com crianças e adolescentes em situação de rua, conta que foi procurado para contribuir com a parte de reabilitação e contato com jovens, mas disse que nada ainda foi especificado. “Assim que ela nos procurar, vamos dar indicação de diretrizes”, diz ele. Ribas afirma que a estratégia ainda não tem nenhum detalhamento.

“Isso tem que ser uma discussão muito mais profunda, com gente mais capacitada, vontade política e discussão do que a cidade precisa e merece”, afirma Bassani. Para ele, o problema da Nova Luz é um sintoma de uma questão que afeta toda a cidade, que é a falta de um planejamento consciente e integrado.

O grupo de moradores se reuniu com o Secretários de Desevolvimento Urbano de SP, Miguel Bucalem, e com a superintendente de Habitação Popular, Elisabete França, na quarta-feira 17. “A gente tá fazendo o nosso papel”, diz Ribas, que não sabe até que ponto a Prefeitura irá acatar o projeto redigido por eles. Dinah Piotrowski e Nelson Barbosa, presidente e vice da Associação de Moradores dos Campos Elíseos, têm poucas esperanças. Segundo eles, esses encontros são praxe do período que antecede as eleições municipais. Em 2008, eles se reuniram com o subprefeito da época, Amauri Pastorello, que prometeu um projeto, não realizado, para solucionar o problema.  “Reforçamos que a Prefeitura entende como bem-vindas iniciativas da comunidade que colaboram para o equacionamento dessa grave questão,”respondeu Bucalem, ao ser questionado sobre a propensão do órgão a aceitar a proposta dos moradores.

No projeto dos habitantes do bairro, a internação compulsória é defendida em alguns casos, para adultos que começarem a apresentar problemas psicológicos em decorrência do uso da droga, e crianças. “A gente vai olhar caso a caso”, diz Ribas. A internação compulsória divide especialistas. O psiquiatra Dartiu Xavier acredita que esse método tem baixa efetividade, já que o índice de retorno ao vício é alto, e só deve ser usado em último caso. Para o médico Dráuzio Varella, colunista de CartaCapital, o dependente não tem condições de discernir o que é melhor para ele sob o efeito de drogas ou vivendo no ambiente do consumo.

União de moradores

A união, diz Ribas, foi a marca do processo de elaboração do projeto. Mais de 20 associações de bairro têm se reunido frequentemente para dar fim a uma situação que se arrasta há  mais de 20 anos, quando o crack se instalou na região. Hoje, grande parte dos moradores de rua está viciada. O crack é apenas uma outra forma de apresentação da cocaína, mas com efeito muito mais rápido e intenso. Até o início das obras na Nova Luz, em 2004, a cracolândia se resumia a uma rua, próxima à Estação da Luz. Depois, os dependentes se espalharam pelos bairros da Santa Ifigênia, Luz, Campos Elíseos e Santa Cecília. Na quarta-feira 17, quando a reportagem visitou o local, mais de 100 pessoas se reuniam em um único quarteirão, próximo a Avenida Rio Branco.

O fenômeno das cracolândias se espalhou por todo Brasil. Apesar disso, ainda está para ser lançado um mapeamento dessas regiões de consumo pela Secretaria Nacional sobre Drogas (Senad).

“O problema da região é o abandono, não o dependente químico. O centro de São Paulo é abandonado”, diz Ribas.

E a Nova Luz, projeto feito para “revitalizar”a região, foi finalizado sem uma proposta efetiva para dar uma solução ampla para a área. Através de concessões, a Prefeitura passou a responsabilidade para o setor imobiliário. Mas não esclareceu uma proposta clara, segundo a análise do professor Jorge Bassani.

Não há uma solução real, diz ele. “Você tem o processo da cracolândia, que não resolve transferindo as pessoas de um lugar para outro”, conta. Outra questão que ele aponta é a política do risco zero, que vai contra a lógica, inclusive, do capitalismo neoliberal. Para atrair investimentos, a Prefeitura subsidiou os investimentos da iniciativa privada, de forma que, mesmo sem lucros, as empresas não terão prejuízos. As chances de lucro, ao contrário, são bastante altas.

O projeto é discutido há 30 anos, mas é paralisado com a troca de gestões. A descontinuidade, diz ele, acaba gerando uma instabilidade, ruim tanto para os moradores quanto para atrair investimentos. A falta de uma proposta definida também assusta a população, que teme a continuidade dos problemas estruturais. “Há uma grande desconfiança do processo. Porque não existe uma base realmente, um projeto para isso”, diz.

Os moradores reclamam também da lei 14917, que permite que desapropriações sejam feitas por ação privada. A briga já foi para a Justiça: a Associação entrou com uma Ação de Inconstitucionalidade para barrar a medida, que ainda não foi julgada.

Luis Nassif

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