Debate sobre a concessão dos aeroportos

Infra-estruturas: Porque conceder?

Argumentos a favor e contrários à concessão de infra-estruturas à iniciativa privada

Alguns frequentadores desse blog já devem ter notado que o campo onde tenho atuado com maior presença é o da política de infra-estruturas, especialmente na questão da concessão dos aeroportos. Como ja prometi diversas vezes, chegou a hora de expor com um pouco mais de detalhe minha visão a respeito.

Meu posicionamento básico a favor das concessões – embora tenha criticado abertamente a tentativa do Governo Federal de usar esse instituto para resolver a emergência aeroportuária – vem sendo atacado por diversos argumentos que cabe aqui analisar.

A famosa frase de “socialização dos prejuízos e privatização dos lucros” vem sempre a tona quando o governo concede infra-estruturas prontas ou ainda investe nelas antes de concedê-las. Muitas vezes se aponta que, depois de privatizar ou conceder, o governo é ainda forçado de realizar investimentos; e que a concessão sai caro ao Governo, mesmo depois dele ter aberto mão de um ativo. Por fim, com referência mais ao setor de transporte, o pedagiamento de vias antes livres seria uma restrição ao pleno exercício do direito de ir e vir.

Evidentemente, esses argumentos são contrapostos a outros indiscriminadamente a favor da concessão, pois a iniciativa privada seria, em principio mais eficiente do que o setor público na provisão dos bens. Além disso, o governo sofreria de limitações severas de financiamento, e por isso teria de contar com a iniciativa privada, que estaria interessada em assumir investimentos desse tipo. E que a concessão seria uma forma mais rápida e barata de resolver os gargalos infra-estruturais.

Com relação a esses últimos argumentos “polyânnicos” já fechei minha conta, argumentando sempre que um processo de concessão envolve negociações demoradas não apenas entre o setor público e o privado, mas também com a própria sociedade E a falta particular dessa última negociação implica em conflitos políticos e jurídicos que pertubam via de regra o processo, tanto na fase da licitação quanto no da execução do contrato.

Essa contrariedade da sociedade, que não foi envolvida, se reflete em vários incidentes da nossa história da concessão, como por exemplo, o desrespeito ao contrato das concessões rodoviárias no Estado do Paraná e ainda a notícia do TCU de “passar a limpo” as concessões rodoviárias fernandinas. Já no epísódio dos aeroportos, o conflito que se aproxima é a recusa, justa ao meu ver, dos aeroportuários de ver o negócio decididoa sem sua participação.

A concessão/parceria também não sai barata, pois a transferência de uma porção considerável do risco do negócio à iniciativa privada encarece a tarifa que ele irá cobrar ao usuário, o que só pode ser evitadO se o Estado assumir totalmente ou uma parcela considerável dos investimentos. Nesse caso, o barato pode sair caro. Além disso, especialmente no Brasil, boa parte do capital é financiado pelo BNDES, em função de um fundo parafiscal. Para melhorar a situação, muitas vezes o governo tem de assumir o papel de garantidor de empréstimos internacionais feitos pelas empresas privadas.

Minha linha de argumentação

Então porque a concessão? Tenho argumentado frequentemente: a iniciativa privada pode fornecer soluções de alto valor agregado, em função de sua maior liberdade comercial, a mais fácil cooperação com escritórios criativos de projeto, com ampla experiência internacional. Terá maior liberdade e criatividade para explorar “negócios conexos” à infra-estrutura, não apenas beneficiando a si mesmo mas também a toda uma rede fornecedora sobretudo local e, em última análise, aumentando a arrecadação fiscal em virtude desses impactos diretos, indiretos e induzidos (ou seja, por graça da massa salarial paga, que gera novas demandas, empregos e arrecadação).

Tomemos o exemplo de terminais rodoviários, mais especificamente o de Goiânia. Não duvidemos da capacidade do Poder Público federal, estadual e municipal, desde que contem com equipes capacitadas, prover o cidadão viajante de excelentes terminais, com lojinhas e tudo mais. Mas o terminal de Goiânia é mais do que isso, é um shopping. E poderia ter feito ainda muito mais.

Nesse aspecto, o Poder Público é amarrado a muitas regras que devem garantir a moralidade, a transparência e sobretudo a isonomia entre mais diversos ofertantes (licitação, contratos de concessão); também não pode ser esquecido que as empresas públicas têm seu negócio vinculado pelas finalidades especificas citadas na respectiva lei de criação. Assim, o setor público pode criar excelentes projetos de terminais, mas eles serão basicamente terminais e não polos mais amplos de atividade, pois sua concepção e comercialização extrapolaria as finalidades da criação do ente público, denotando um abuso de Poder.

Evidentemente também, um agente público especializado é antes de mais nada ocupado por especialistas da matéria, e não de negócios variados, pelo que o espaço de criação em uma agência pública é necessariamente mais limitado do que uma empresa privada (sem nenhum demérito a empresas públicas, que podem prestar excelentes serviços agregadores de valor!).

A literatura já ampla sobre parcerias e concessões debate aprofundadamente as vantagens e desvantagens da inserção privada, e tem igualmente desenvolvido ferramentas de análise comparativas como o Comparador do Setor Público (PSC). Com base em ferramentas da Engenharia de Valor, essas ferramentas comparam as modalidades possíveis de inserção do setor privado, tanto entre si quanto entre a opção mais favorável com a opção de permanecer com o setor público. Por meio dessas ferramentas é possível deslocar esse tipo de avaliação do discurso ideológico-político ao mais econômico (sem que isso implique, claro, que a decisão deixe de ser política!).

Até aí, a discussão acerca da conveniência ou não da inserção da iniciativa privada na provisão de infra-estruturas tem se concentrado na discussão concreta projeto por projeto. Segundo esse procedimento, a concessão seria decidido caso a caso, em virtude das circunstâncias técnicas, políticas, econômicas e financeiras concretas.

Portanto, o investidor entraria no setor em virtude de oportunidades criadas episodicamente pelo Governo, gerando um fluxo de investimentos “oportunisticos” (como esse tipo de abordagem é referenciada entre as empresas de investimento em infra-estrutura). Esse procedimento meramente oportunístico não é capaz de inserir o investimento privado como estratégia mais permanente de política financeira e industrial para o desenvolvimento das infra-estruturas e, de uma forma mais geral, para o próprio desenvolvimento nacional.

E é disso que tratarei a partir desse ponto. Primeiramente, analisaremos os limites da provisão privada e pública, de uma forma mais geral.

Os limites da provisão privada de infra-estrutura: aspectos teóricos

Vamos partir das discussões mais básicas: a necessidade premente da modernização das nossas infra-estruturas (técnicas e sociais) para consolidar um processo mais permanente de desenvolvimento nacional, fugindo da sindrome dos vôos-de-galinha. Alguém se posiciona contra essa necessidade? No caso positivo, estaria muito curioso para conhecer as razões.

Pois bem,a favor da provisão pública os argumentos estão bem consolidados até pela teoria econômica mais convencional, pró-mercado. A ação do setor privado nesse campo A inserção da iniciativa privada na provisão de infra-estruturas está limitada pelos fenômenos que geralmente são acobertados pelo conceito-chavão “falhas do mercado“: esses investimentos envolvem volumes consideráveis de capital e riscos, que o setor pode assumir somente em condições muito privilegiadas e potencialmente prejudiciais ou para o Estado ou para o usuário (ou para ambos).

Além disso, essa provisão produz “externalidades“. Em linguagem menos técnica, a provisão de infra-estruturas “mexe com muita gente, muitos interesses e até com a natureza”. É muita briga para o investidor topar parada; tudo isso aumenta o custo de risco a proporções tamanhas que é melhor continuar especulando no casino global. Para melhorar o estado das coisas, é difícil, em determinadas infra-estruturas, pegar o usuário “fujão”, de forma que o equilíbrio financeiro está sob permanente ameaça.

Esses fatos empurram o setor infra-estrutural para o colo do setor público, especialmente se a infra-estrutura em questão continua considerada de relevante interesse social (ou de “Estado”). O Estado assume a provisão; opcionalmente, “terceiriza” a provisão ao setor privado, sem perder o comando.

Outro aspecto cada vez mais comentado na literatura especializada:  os processos de concessão e parceria, apesar do seu potencial de eficiência (a demonstrar caso a caso) sóem introduzir um custo que pode ser superior ao ganho de eficiência. Trata-se dos “custos de transação“, refletidos nos custos burocráticos da realização de licitações, na construção e administração do marco regulatório e nos diversos momentos de conflitos e renegociação com o “parceiro”. Enquanto que na opção da provisão estatal, o ente público está submetido a ordens diretas da Adminstração Pública, que pode ajustar mais rapidamente a ação do primeiro às necessidades das políticas públicas, no caso da inserção da iniciativa privada, os ajustes mais substanciais passam pela discussão dura das regras do contrato, podendo acabar na justiça.

A comparação entre o Metrô do Rio e de São Paulo podem servir de exemplo para a noção de custo de transação. Enquanto que o Rio de Janeiro, concedido, continua atrasado na amplaição do seu sistema metroviário, o de São Paulo, público, já está atacando sua quinta linha!

O caso do Metrô de São Paulo é até mais rico, pois mais recentemente vem contando, sim, com o investimento privado, como é o caso da Linha Amarela (parceria público-privada), mas a empresa pública continua ainda no comando do sistema. Vale a pena assistir a novela da relação entre a empresa pública e a concedente, para verificar a validade da opção da concessão. 

Os limites da provisão estatal: a argumentação fiscal

Assim sendo, mesmo avançando certas oportunidades para o setor privado,  o Estado continuará assumindo boa parte da provisão da infra-estrutura. E isso parece ser a tendência geral, apesar de todo o carnaval da privatização e parcerias em alguns países que sofreram ondas ultraliberais: o próprio Banco Mundial, tão defensor do investimento privado, concede doloramente que essa inserção não passa dos 10% dos investimentos totais do Governo, mesmo nos países campeões da parceria.

Só que esse fato nos remete ao problema inicial das limitações das finanças públicas, que conflitam com as necessidades da economia. Se uma economia moderna requer mais e mais investimentos em infra-estrutura, essas, mesmo que sejam importantes para o crescimento econômico, sobrecarregam cada vez mais as finanças públicas. Pois quanto mais infra-estruturas são construidas, maior o estoque das que precisam ser MANTIDAS (óbvio, não?). E, ao meu ver, é o custo de manutenção que inviabiliza cada vez mais a sustentabilidade fiscal de uma provisão inteiramente pública.

Pode-se dizer que as infra-estruturas trazem consigo crescimento econômico, portanto nova arrecadação fiscal. Mas, como já argumentei em um longo post sobre sustentabilidade fiscal dos investimentos em infra-estrutura, esse tipo de conta não é feito quando se decidem os projetos. Pior, se fizermos essas contas, o saldo fiscal da maior parte dos projetos, mesmo levando os efeitos diretos, indiretos e induzidos e mesmo os catalíticos (especulativos), é via de regra negativo (daí não haver muito interesse para análise dos impactos econômicos e fiscais de investimentos públicos, mesmo em países “avançados”…).

A própria experiencia portuguesa recente evidencia esse estado de coisas: excessivos investimentos infra-estruturais, todos eles com “viabilidade econômica” demonstrada através de estudos neutros e interesseiros e aprovados pela União Européia (ela interessada em dar vazão aos negócios das grandes empreiteiras e fundos financeiros dos países centrais da União) foram certamente um dos fatores que produziram a lastimável falência financeira do Estado dos “patrícios”.

Mas essa lusitanice também é nossa: depois de uma rápida expansão da rede rodoviária na década de 70, amargamos três décadas de buraqueira pela incapacidade do Estado, então sob o chicote do FMI,  financiar sua manutenção. É claro que esses investimentos tinham sido importantes para o desenvolvimento de diversos potenciais regionais; só que as finanças públicas simplesmente não suportaram tanta “mãozinha” para o crescimento econômico.
   
Assim sendo, se o capital privado tem suas limitações de inserção no investimento infra-estrutural, o Estado também não pode se exceder nele. E se precisarmos de acelerar mais ainda os investimentos, dado o notório atraso que vemos no Brasil? No post longo referido, falei da necessidade da concepção de programas territoriais integrados que aliassem investimentos públicos a privados estruturantes.

Não vou bater nessa tecla e sim me concentrar no valor do investimento privado como meio de aportar eficiência na provisão de infra-estruturas e como estratégia de desenvolvimento industrial.

Aspectos gerais da eficiência e da justiça da provisão de infra-estruturas

Uma discussão mais equitativa da distribuição dos encargos no financiamento das infra-estruturas pode ser aberta com a simples questão: quem se beneficia, afinal das contas, desses investimentos? Em princípio, diria, todos: mesmo que a maior parte dos cidadãos e cidadãs não use a totalidade da rede viária nacional e sim um conjunto bem reduzido de ligações, ela se beneficia dos efeitos positivos dos investimentos sobre o crescimento das diferentes regiões e do território nacional;  e do aumento da produtividade na nossa economia. E do resultante crescimento econômico geral beneficiamo-nos todos nós: as empresas, os trabalhadores, as famílias, o próprio Estado na arrecadação, e no final da linha esse funcionário público, professor de universidade federal, que lhes escreve tão sábias cousas.

Só que nesse paraiso da igualdade, alguns são mais iguais que outros: os que efetivamente utilizam as infra-estruturas para realizar sua renda específica ou usufruir do bem-estar imediato (viajantes turísticos). Porque rachar, então, a conta por igual? Porque, num bar, mesmo que a pizza à francesa e as batatas-fritas com parmesão sejam beliscadas e pagas por todos, os que ficam apenas na Coca-cola teriam de financiar os whiskys dos menos modestos? Em termos de infra-estrutura: porque um nordestino teria de pagar pelas estradas gaúchas o mesmo que os próprios gaúchos (e vice-versa)?

Portanto, um critério eficiente e de certa maneira justa é rachar a conta da seguinte forma: a totalidade da sociedade contribuinte paga a disponibilidade da infra-estrutura, que beneficia a tantos pelos efeitos diretos, indiretos e etcéteros; mas a manutenção fica por conta dos que efetivamente as utilizam, inclusive as desgastam em maior proporção pelo seu uso.Está aí um critério mais justo, ou não? Estou certo ou apenas coberto de razão?

Se assim for, eis uma razão para o pedagiamento do uso: uma divisão mais equanime do financiamento. Até porque o papo de que pagamos impostos demais e que é função do Estado deve garantir as liberdades de ir e vir serve apenas para aquecer conversas na mesa de bar. Primeiramente, a sociedade não pode prover liberdades sem a devida base material. Segundo, porque o Estado é financiado por nós. Se ele quebra, bom nisso a gente tem experiências de um passado não tão remoto assim.

Em última análise, se o custo da infra-estrutura não for pago pelo nosso bolso de usuário (digamos, o bolso à direita), ele o será pelo à esquerda, de contribuinte. Se não, nada de rodovias, aeroportos, metrôs e outras maravilhas; e podemos exercer nosso direito de ir-e-vir circulando por picadas repletas de cobras e aranhas…E atravessando rios e mares por canoa feitos com troncos de árvore ou a nado.

Por uma inserção estratégica do capital privado na provisão das necessidades da sociedade e do desenvolvimento econômico

Defendido o pedagiamento, pelo menos para determinadas infra-estruturas técnicas (menos para infra-estruturas sociais como saúde e educação; afinal povo pobre e ignorância não produz crescimento econômico robusto e estável; prova disso é que estamos vivendo  de  uma falta aguda de recursos humanos capacitados…), pode-se argumentar: está bem, professor, mas precisa o pedágio ir para os bolsos da iniciativa privada? Porque não usar concessionárias públicas?

Bom, acima falei das limitações de entidades públicas explorar plenamente os potenciais econômicos dos objetos de concessão. Mas também apontaria para uma necessidade de desenvolvimento industrial. O uso recorrente de concessões à iniciativa privada poderia (e ao meu ver, teria de) estar inserido em uma política mais consistente de desenvolvimento de um setor nacional de financiamento, construção e operação de infra-estruturas. Especialmente em um país tão “sem marcas nacionais”, com riscos  a se reduzir de novo a um fazendão no mercado internacional, os investimentos em infra-estrutura constituem um espaço não desprezível de desenvolvimento tecnológico, industrial e de exportação de serviços (que o dizam os espanhóis e franceses). Queremos deixar tudo isso para os gringos?

Um outro fator a favor da iniciativa privada é que essa opção poderia ser vinculada a uma política do desenvolvimento nacional do mercado de capitais, tão preso a poucas opções reais, não especulativas. Aliás, um dos malfeitos menos discutidos da política de privatização e de concessão da era fernandina é a permissão que empresas públicas, antes de capital aberto e verdadeiros blue-chips nas nossas bolsas, pudessem ter seu capital fechado depois da privatização. Ou seja, investir nas empresas antes nacionais, hoje só é possível via Nova York (claro, algumas permaneceram com o capital aberto, como a Vale; mas muitas tiveram o capital fechado)! Que grande contribuição para o desenvolvimento do capitalismo tupiniquim!!!

Esse nacionalismo não implica, claro, que devemos fechar nosso mercado de serviços e de infra-estruturas públicos. Pois esse mercado pode servir também para ajudar o nosso equilíbrio de balanço de pagamentos, por intermédio de maciços influxos de (bom) capital estrangeiro, que aqui viria não apenas para sobrevalorizar nossa moeda e nos deixar mal na exportação de bens industrializados, mas também e sobretudo para realizar investimentos de nosso interesse.

A inserção do investimento estrangeiro também poderia aportar know-how não apenas na técnica contratual e na Engenharia Financeira, mas também na área técnica de projetos e de construção. Mas, claro, essa inserção teria de ser guiada pelos interesses nacionais e não pelo apetite descontrolado dos fundos globais de investimento e das empreiteiras e fabricantes de equipamentos de fora. Além disso, a competição externa colocaria um limite à oligopolização das nossas obras públicas por um grupo reduzido de empreiteiros e os obrigaria a melhorar sua competitividade para poderem sobreviver.

Mas voltemos para a questão do mercado de capitais, do que nosso desenvolvimento econômico tanto precisa, se não quisermos ficar dependentes das fontes fiscais e parafiscais e do capital externo. Para tal, olhemos um pouco sobre o nosso dinheirinho.

Aliás, o dinheiro é de quem?

Vale lembrar que o capital dito privado para investimentos em infra-estrutura não é tão privado assim. Primeiramente, os fundos para-fiscais são os que via-de-regra, avançam o capital, que será retornado ao banco muito depois (a condições mais generosas ao tomador de empréstimo), quando os usuários produzirem o retorno da empresa com a contribuição do próprio bolso. Ou seja, de privado esse capital tem apenas o dinheirinho dos usuários…

Segundo, mesmo em se tratando de aporte realmente privado de capital, de onde provém esse capital? Dos bancos. E banco tem dinheiro próprio? Na verdade, os bancos criam moeda de crédito a partir do capital de outrem. O capital próprio dos bancos, que existe mais por insistência do Banco Central do que da natureza do próprio negócio, é relativamente pequeno e serve mais como reserva de contigência.

Além do mais, o dinheiro não nasce das árvores: ele se produz ao longo de um processo de agregação de valor resultante da produção na economia real, refletindo, mesmo que (muito) indiretamente, essa agregação. Portanto, na sua essência se trata de um fruto da produção social, e não deixa de ter uma natureza social, mesmo que seja administrado de forma privada. Enquanto riqueza social, é um imperativo de racionalidade, eficiência e justiça que o imenso volume de capital até mesmo sob administração privada seja empregado nas necessidades reais e urgentes da sociedade. Ou não? Pois o instituto da concessão e da parceria são uma via para que isso ocorra.

Claro, sob administração privada e sujeito portanto ao processo de acumulação capitalista, o seu emprego passa a seguir regras que podem prejudicar o interesse social. No caso das concessões, a necessidade de obter um rendimento mínimo a um nível de segurança exigido pelo mercado pode levar a decisões e ações danosas. Mas nesse momento devem intervir o marco regulatório (sobretudo a qualidade do instrumento contratual), as autoridades reguladoras, os tribunais de conta e ministérios públicos, já regiamente pagos pelo contribuinte…

Esta parte é para acabar…

Tentei, através desse curto texto, explicar melhor meu posicionamento com relação às concessões das infra-estruturas, especialmente de transporte. Evidentemente, não pretendo ser o dono de toda a verdade, pois se trata de um assunto extremamente polêmico. A própria literatura especializada apresenta novos fatos, conceitos e conclusões que precisam ser acompanhados o tempo todo.

Mas também espero ter esclarecido que, apesar do meu posicionamento favorável ao instituto da concessão e da parceria, não o vendo como remédio para todos os problemas da infra-estrutura. E muito menos o vendo como solução rápida e barata para os gargalos e “apagões”. Em contrapartida, a concessão e a parceria pode e deve ser inserido como instrumento estratégico de desenvolvimento econômico, nos moldes que tenho assinalado.

Infelizmente, falta ao governo, sempre movido a urgências financeiras ou gerenciais (afinal, somos um país reativo e muito pouco pró-ativo), um tratamento mais estratégico da matéria. Essa forma de agir, pautada por emergências em um campo tão complexo, não leva apenas a soluções ruins e caras para a sociedade e às próprias finanças públicas (que deviam ser beneficiadas), mas também ao próprio descrédito da participação da iniciativa privada, aumentando ainda mais o risco regulatório e político delas. E com uma inserção tão atropelada do investimento privado, continuaremos dependentes do Governo e de suas sobras de caixa. Como consequencia, estaremos condenados a crescer com o freio de mão permanentemente puxado.

Como curiosidade: o próprio Lenin, ciente das limitações financeiras, técnicas e gerenciais do então novo Poder Soviético, passou a adotar a concessão como instrumento do desenvolvimento industrial e de infra-estruturas. Além disso, liberalizou a iniciativa privada para determinados setores da produção, no contexto de sua “nova política econômica”. A União Soviética conseguiu, com isso, uma certa estabilidade militar e crescimento econômico para iniciar sua História. Mas tudo isso foi depois revertido pela ignorância estalinista, onde o Estado passou a ser provedor de tudo, se utilizando de um planejamento total, matematicamente impossível. O resultado, já conhecemos.

Joaquim de Aragão

Luis Nassif

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