Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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A ABIN e o paradoxo da burocracia, por Jorge Alexandre Neves

Legislação que criou a ABIN é extremamente frouxa. Por outro lado, essa Agência foi construída sobre os alicerces do SNI, de péssima memória.

A ABIN e o paradoxo da burocracia

por Jorge Alexandre Neves

          A situação vivida pela ABIN, nos últimos anos, expõe um problema recorrente da gestão pública, o que tenho chamado de paradoxo da burocracia. Max Weber inaugurou na Sociologia a análise sobre o papel central da burocracia nas sociedades modernas. Sua reflexão tem aspectos de caráter geral, mas também elementos específicos para a análise do Estado e da administração pública. Neste último caso, uma questão central se dá no paradoxo entre a necessidade que todo Estado moderno tem de contar com uma burocracia profissional, com elevado grau de autonomia (o chamado “insulamento burocrático”), mas que, ao mesmo tempo, esteja sob o controle do poder democrático.

          Max Weber, ao analisar a República de Weimar, na Alemanha recém-saída da Primeira Guerra Mundial, apontou o Parlamento como a instituição que deveria fazer o controle democrático da burocracia. Ou seja, caberia aos políticos eleitos – como representantes máximos do poder democrático – fazer o controle do poder burocrático. Onde e quando o poder burocrático foge do controle do poder democrático, observa-se a emersão do Beemote, que passa a rivalizar com o Leviatã. A ABIN tem sido uma espécie de caverna de hibernação do Beemote, desde que foi criado. De vez em quando, percebemos que ele bota a cabeça para fora da toca.

          A legislação que criou a ABIN é extremamente frouxa. Por outro lado, essa Agência foi construída sobre os alicerces do SNI, de péssima memória. Ao contrário do que costumam pensar muitos analistas, em particular vários economistas, instituições não são apenas regras. Todavia, quando as regras são muito frouxas – como é o caso do conjunto normativo que regulamenta as ações da ABIN – outros mecanismos organizacionais tendem a se sobressair ainda mais, na gestão pública. No meu último artigo aqui no GGN, falei dos benefícios do isomorfismo institucional normativo no SUS e no SUAS. Ocorre que este mecanismo de estruturação organizacional nem sempre funciona para, digamos, “o bem”. No caso da ABIN, formou-se um isomorfismo institucional normativo “do capeta”, um mecanismo que levou a cultura organizacional e profissional dos arapongas da ditadura militar a sobreviver dentro da Agência e a ser transmitida a membros das novas gerações de profissionais, tendo ideologias autoritárias de direita como lubrificante que azeita as correias de transmissão da referida cultura profissional (o diálogo ocorrido entre o jornalista Paulo Motoryn e Bruno Albuquerque, agente da ABIN, em abril de 2023, mostra bem a presença de ideologias de extrema direita na Agência, o que possivelmente se deve, pelo menos em parte, a preferências eletivas de pessoas que se sentem particularmente atraídas a trabalhar na organização, o que termina por criar um ciclo vicioso).

          Por outro lado, o caso da ABIN tem mais um complicador. Infelizmente, governos de diferentes espectros políticos decidiram “amarrar” a Agência a outras burocracias profissionais. Em governos de direita, submeteram a ABIN à burocracia militar (o que só tendeu a aprofundar o ciclo vicioso da cultura profissional autoritária). Em governos de centro-esquerda, a submissão foi à PF. Esta última opção talvez seja motivada pelo anseio de conseguir controlar a Agência, submetendo-a ao Estado Democrático de Direito. Ocorre que, como nos ensinou Weber, o controle da burocracia tem que ser feito pelo poder democrático, não por burocratas que vêm de fora. É a legitimidade e o simbolismo do poder democrático que faz a diferença!

          Claramente, a atual gestão da PF queria mudar a cúpula da ABIN (vale a pena ouvir o comentário de Maria Cristina Fernandes na CBN, no dia 01/02/24), que, curiosamente, tem um delegado da PF no comando. O presidente Lula mostrou perspicácia, mais uma vez, ao não entregar totalmente a rapadura para a PF. Seria submeter por completo a ABIN à PF, aprofundando um conflito interorganizacional.

          Nos países nos quais a inteligência do Estado é levada a sério, o Congresso Nacional – em particular, o Senado, em federações com legislativos bicamerais – faz o controle das organizações de inteligência. No Brasil, infelizmente, não temos parlamentares que se aprofundem no estudo das questões de segurança nacional e inteligência de Estado. Se o Congresso Nacional não cumpre essa função, qualquer governo progressista que não queira ser vítima de “fogo amigo” vindo da ABIN tem que cuidar de fazer o controle político da Agência, impondo o poder democrático sobre o poder burocrático. Para tanto, o ideal é aproximar ao máximo a ABIN do gabinete presidencial e, se possível, colocar um quadro político competente para dirigir a Agência. Eu acreditei que esse seria o caminho escolhido pelo Presidente Lula, que aproveitaria que uma grande revelação política recente, Ricardo Cappelli, estava em processo de saída do cargo que ocupava, para colocá-lo na direção da ABIN. Seria uma sinalização clara da disposição de fazer o que se mostra necessário, submetendo a Agência ao poder político democrático. Cappelli terminou sendo convocado para outra missão no governo, mas se não for ele, talvez outro quadro político termine sendo escalado para dar um freio de arrumação na ABIN!

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

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Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

1 Comentário

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  1. Como cidadão não sei o que faz ou deveria fazer a ABIN.

    Seria uma CIA fazendo golpe de estados na Europa !?

    O resumo das novelas para Dona Janja.

    As armações das milícias no RJ.

    Quem o deputado X está (0∆∆€π)0.

    Existe um plano terrorista para impedir o Carnaval em Juiz de Fora/MG.

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