Juros corrosivos e inflação sob controle no Brasil, por Guilherme de Lacerda e Ricardo Berzoini

As causas que levaram aos soluços da inflação nos anos recentes no nosso país não possuem vinculação causal com pressões de demanda.

Sindicato dos Bancários de Dourados

Juros corrosivos e inflação sob controle no Brasil

por Guilherme Narciso de Lacerda e Ricardo Berzoini

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM-20 e 21 de junho) o Banco Central decidiu pela manutenção da taxa de juros básica (SELIC) em 13,75% ao ano, e assim ficará pelo menos até a próxima reunião no início de agosto.  

Essa foi a sétima reunião na qual o COPOM manteve tal taxa, em vigor desde o início de agosto do ano passado.

Mais uma vez, as críticas à decisão vieram de diversas fontes e foram até mais generalizadas, estendendo-se a vozes próximas ao mercado financeiro. Mas, as reações ainda são insuficientes, diante dos desdobramentos maléficos desta postura institucional.

Membros do colegiado divergiram sobre o início dos cortes na taxa básica.  Há indicações de que isso possa ocorrer na próxima reunião, mas se assim for, tudo indica que será em doses muito pequenas, tendo impactos restritos na economia real.

Quase que simultaneamente à decisão do BC foi divulgada pelo IBGE a prévia da inflação de junho, com o IPCA-15 (1ª quinzena) ficando muito próximo de zero (exatos 0,04%). Com isso a inflação brasileira dos últimos doze meses caiu para 3,9%, situando-se dentro do intervalo da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (e aproximando-se do seu alvo de 3%).

As previsões para a inflação anual de 2023 tem se reduzido semana a semana, estando hoje entre 4,5% e 5%. Seja como for, o conservadorismo do BC segue forte, sustentando a maior taxa de juros real do planeta, a qual já se aproxima de 9% ao ano, sem justificativas tecnicamente plausíveis para isso.

Essa dimensão dos juros em nosso país é uma calamidade. O Brasil tem atualmente uma inflação mais baixa que a grande maioria dos países centrais e dos emergentes. Na zona do Euro a taxa anual supera os 6%, nos EUA está em 5%. O crescimento da inflação em todo o mundo ocorreu a partir do início de 2021 e se sustentou até fim do ano passado em praticamente todo o mundo em razões dos impactos da pandemia de COVID 19, com as medidas governamentais de auxílio e as desorganizações das cadeias de suprimentos de insumos. A invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022 realimentou as altas de preços ao atingir os circuitos de produção e de transportes, especialmente de energia fóssil e de commodities agrícolas.

As causas principais que levaram aos soluços da inflação nos anos recentes no nosso país não possuem vinculação causal com pressões de demanda.  Pelo contrário, as estatísticas mostram que o consumo das famílias se mantém contido faz tempo; as recuperações obtidas ainda são marginais. Aliás, os dados do IBGE mostram que o rendimento médio mensal real domiciliar esteve em queda desde antes do período da pandemia. As recuperações nos meses recentes são restritas e os valores ainda continuam distantes do patamar obtido até 2013.

A sociedade brasileira precisa ir mais fundo no entendimento das implicações de juros tão elevados. Há uma densa transferência de valor gerado em toda a economia real para os circuitos financeiros que pressiona o endividamento do setor público e trava o crescimento econômico. Os juros estratosféricos atuam como sugadores dos nutrientes do organismo produtor da economia e realimenta a concentração de rendas. Uma consequência direta é o aumento das restrições do governo para destinar recursos a investimentos.

As recentes Atas do COPOM compõem uma narrativa fake pois mostram uma suposta performance apenas técnica. Os conceitos e os argumentos associados à dinâmica econômica do país são apresentados em textos herméticos, de árdua interpretação para a sociedade em geral.  Os escritos sugerem que apenas um pequeno grupo de ungidos conhece as tecnicidades que sustentam seus enredos e nada mais há que se fazer, além do que lá está colocado.

Mas, caros leitores, ali se tem apenas uma versão assentada em uma concepção econômica que não corresponde aos fatos. Nesta última ata, por exemplo, o colegiado reconheceu que os ambientes externo e interno apresentavam-se com reduzidos sinais de turbulências. Não obstante, reiteraram que os juros internos ficariam inalterados pois pode ser que daqui a pouco os ventos mudem.

Pode parecer que estamos simplificando o diagnóstico, mas não é isso. De fato, os termos da última ata desnudam uma postura fria, alheia a uma realidade econômica incômoda e composta de seres vivos que lutam para sobreviver. O fato de existir um contingente de nove milhões de desempregados fica fora da narrativa.

É obrigação do Banco Central também perseguir uma satisfatória geração de empregos. O artigo 1º da Lei Complementar 179 de 24/02/2021 prescreve que complementarmente à estabilidade de preços o BC também precisa se empenhar para preservar “a estabilidade e a eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”

Porém, este objetivo da geração de emprego está longe das preocupações do Banco Central. Pelo contrário, há em suas atas quase um regozijo com as constatações de que o mercado de trabalho continua com uma alta disponibilidade de mão de obra.

Um dos determinantes desta situação incômoda em nosso país é justamente a taxa de juros. Os analistas financeiros que fazem loas às decisões do COPOM e os seus próprios diretores desconsideram que os juros são itens do custo de produção e que, com juros reais tão elevados os impactos aparentemente favoráveis de atração de capitais externos ficam circunscritos às esferas especulativas.

Nosso país conviveu por longos períodos com taxas de juros elevadas e isso levou a uma certa acomodação da sociedade. Mas juros altos são sempre ruins por afetar a vida das pessoas e das empresas e do próprio Estado que paga por esse custo. A cena econômica fica ainda mais cruel quando ajustamos o foco na vida real, e verificamos que empresas viáveis operacionalmente, no comércio, serviço, indústria e agricultura tornam-se inviáveis, não conseguem crescer e até encerram suas atividades.

O Brasil precisa crescer com justiça social. Muitos avanços estão sendo realizados. Porém, o que destoa e trava é a taxa de juros corrosiva que se mantém por quase um ano, em uma circunstância que já não se justifica há tempos. Portanto, é fundamental um engajamento maior de lideranças empresariais, sindicais e de formadores de opinião no esclarecimento da sociedade para corrigir esta anomalia nacional.

Guilherme Narciso Lacerda. Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após) do Departamento de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.

Ricardo Berzoini. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Foi deputado federal, presidente do PT e ocupou os cargos de Ministro do Trabalho, das Comunicações, da Previdência Social e das Secretarias de Relações Institucionais dos Governos Lula e Dilma Roussef.

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