O método do Papa Francisco: inovar e provocar inovações

Do jornal Público, de Portugal
 
O discurso do método do Papa Francisco
 
FREI BENTO DOMINGUES O.P. 08/12/2013 – 01:08
 
O método deste Papa não é o de repetir, mas de inovar e provocar inovações.
 
1. O Papa está a tornar-se a referência dos que precisam de energia espiritual para resistir à idolatria do dinheiro, à tirania dos mercados, à especulação financeira, à economia que mata, às políticas que consideram os doentes e os velhos um estorvo e o desemprego uma fatalidade.
 
Como não há coragem, nem dentro nem fora da Igreja, para o mandar calar de vez, os seus adversários encomendaram a jornalistas e comentadores de serviço, a sua desvalorização: este Papa não diz nada de novo; repete o que está dito e redito, desde o séc. XIX, na Doutrina Social da Igreja, não passa de um populista.

 
Os desconsolados com o Papa Francisco não são contra a solidariedade. Sabem o que fazer para que nunca haja falta de pobres. Insuportável é o método do seu discurso e actuação: convocar toda a Igreja a olhar este mundo a partir dos excluídos, mudar o centro da sua missão para a periferia e organizar-se a partir daí.
 
Sonho, diz o Papa na Exortação Evangelli Gaudium, com a opção missionária capaz de transformar os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial num canal de evangelização e não apenas um instrumento da sua auto-preservação. Pertence ao Bispo promover uma comunhão dinâmica, aberta e missionária na sua diocese. Deverá estimular e procurar um amadurecimento dos organismos de participação propostos pelo Código de Direito Canónico e de outras formas de diálogo pastoral, com o desejo de ouvir todos e não apenas alguns, sempre prontos a lisonjeá-lo.
 
“Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa conversão do papado. Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo lhe deu e às necessidades actuais da evangelização” (n. 32).
 
O Papa pede o abandono de um critério pastoral muito cómodo e muito usado: “fez-se sempre assim”. Convida todos, sem contemplações, a serem ousados e criativos na tarefa de repensar os objectivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades. Vai mais longe: ”Uma identificação dos fins, sem uma condigna busca comunitária dos meios para os alcançar, está condenada a traduzir-se em mera fantasia” (n.33).
 
2. Recorre ao Vaticano II para afirmar a hierarquia das verdades da doutrina católica, dado que nem todas têm o mesmo vínculo com o fundamento da fé cristã. Isto é tão válido para os dogmas de fé, como para o conjunto dos ensinamentos da Igreja, incluindo a doutrina moral (n.36). Invoca S. Tomás de Aquino para dizer que na mensagem moral da Igreja há uma hierarquia nas virtudes e acções que dela procedem. A misericórdia é a maior de todas as virtudes.
 
Esta falta de hierarquia na pregação e na catequese gera distorções muito graves. É o que acontece quando se fala mais da lei do que da graça, mais da Igreja do que de Jesus Cristo, mais do Papa do que da palavra de Deus (n.37-38). A defesa de uma doutrina monolítica não respeita a riqueza inesgotável do Evangelho. Impõe-se um constante discernimento para não atravancar o caminho com mensagens e costumes que já não são um serviço na transmissão do Evangelho: não tenhamos medo de os rever! Realça, na linha de Tomás de Aquino, que os preceitos dados por Cristo e pelos apóstolos ao povo de Deus são pouquíssimos, para não tornar pesada a vida aos fiéis nem transformar a nossa religião numa servidão. A misericórdia de Deus quis que ela fosse livre. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos. (n. 43-47)
 
3. É para chegar a todos, sem excepção, que a Igreja assume este dinamismo missionário. Mas, a quem deverá privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: não tanto os amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo os pobres e os doentes, aqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, aqueles que não têm como retribuir (Lc 14, 14). Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é o sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar, sem rodeios, que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Nunca os deixemos sozinhos! (n. 48)
 
Prefiro uma Igreja ferida e enlameada por ter saído pelos caminhos, a uma Igreja doente de tão fechada sobre si mesma, acomodada e agarrada às suas próprias seguranças. Mais do que o temor de falhar, devemos ter medo de continuar encerrados nas estruturas que nos dão uma falsa protecção, nas normas que nos tornam juízes implacáveis, em hábitos que nos deixem tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta. Jesus repete-nos, sem cessar: Dai-lhes vós mesmos de comer (Mc 6, 37). (49)
 
Este resumo da primeira parte da Exortação E.G. mostra que o método deste Papa não é o de repetir, mas de inovar e provocar inovações.
Luis Nassif

7 Comentários

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  1. O papa Francisco está

    O papa Francisco está repercurtindo o que as bases das sociedades pelo mundo querem.

    Antecipa a reclamação do sofrimento da classe média que começa a se apresentar.

    Antes as artes como verbalização e universalização dos quereres

    Agora o papa e sua figura universal a fazer a verbalização e divulgação.

  2. Consulta ao rebanho.

    Acabo de sair da santa missa dominical, desta vez numa comunidade católica de Boiçucanga, aonde o pároco local, exortou a todos os católicos da comunidade a reunir-se em tôrno do clero local, e em todas as dioceses, para responder ao Papa Francisco, qual o pensamento dos católicos, a respeito deste tema que domina as discussões em todas as classes sociais: Os novos relacionamentos afetivos e conjugais entre as pessoas do mesmo sexo, e suas implicações e contradições, diante do pensamento ultrapassado da igreja católica, que jamais admitiu sequer discutir o assunto, tamanha a hipocrisia dominante, herdada dos antigos dirigentes da Cúria Romana, e dos seguidores locais.

    O Papa Francisco, escancarou o conservadorismo, e aceita discutir o assunto, de acôrdo com o pensamento e as necessidades do rebanho, ao qual qceitou apascentar, e certamente dará um passo importante e não escandaloso, na aceitação de certas mudanças vitais para o crescimento da igreja católica, e da fé cristã.

    Diante das respostas deste questionário de 38 questões colocadas pelo Papa, para as comunidades católicas de todo o mundo, o Vaticano dirá ao mundo cristão, quais as regras para que a igreja católica modernize-se e aceite os “diferentes” e faça da palavra ecumenismo, não um dógma, mas uma palavra progressista. 

    1. Eu lamento, mas quem espera a

      Eu lamento, mas quem espera a tal ” modernização” na ICAR vai dar com os burros na água. O máximo que irá ocorrer é a simplicação no processo de anulação dos casamentos. Quem espera ver gays casando na ICAR, está completamente equivocado.

      1. Não é modernização, é adequação aos novos tempos.

        Garanto-lhe que a intenção deste apóstolo de Cristo na terra, não retrocederá, embora ele ainda não tenha “vencido” a todas as resistencias e descrenças, como a sua, porem a sua(dele)formação franciscana, e conhecedora da realidade de onde veio, do “fim do mundo” ele tende a levar a ICAR, ao seu destino, a de evangelizadora e compreendedora da nova realidade mundial, no que concerne aos problemas do seu rebanho.

  3. Da Carta Maior

    O Papa Francisco e o capitalismo

    No documento que o Papa Francisco acaba de publicar sobre a pobreza e a Igreja, parece haver um vislumbre de que este Papa queira ir um passo além.

    Vicenç Navarro (*)

    Quando eu era criança, meus pais me ensinaram que uma coisa são as religiões (aconselhando eu e meus irmãos a sermos respeitosos com seus crentes, como parte do respeito devido a todo ser humano) e outra coisa são as Igrejas (da cor que sejam), que reproduzem e administram as religiões para benefício de seus aparatos ou hierarquias, o que explica sua constante identificação com as estruturas de poder às quais servem. Nem é necessário dizer que meus pais não nos exigiam respeito por ditas instituições. Ao contrário, tínhamos que julgá-las por seu servilismo a essas estruturas.
     
    Ao longo da minha vida morei e visitei muitíssimos países. E em todos eles sempre vi que as Igrejas (e muito especialmente a Católica) servem sempre às estruturas de poder, sendo a Espanha o caso mais patente. É, portanto, compreensível o anticlericalismo das classes populares na Espanha e considero um sintoma de enorme frivolidade trivializar esse anticlericalismo como um sentimento gratuito, resultado de ideologias estrangeiras que manipulam os povos. As classes populares não necessitavam nenhum estímulo externo para verem e reagirem ao que viam.
     
    Esse conservadorismo da Igreja Católica (uma das religiões mais conservadoras hoje existentes) é, em parte, compreensível, devido ao benefício econômico que lhe concede. A base material de sua ideologia – como diriam os materialistas históricos – são as vantagens materiais que derivam de seu servilismo ao poder.
    Mas esse mesmo servilismo é o que explica sua postura anticientífica, pois se sente ameaçada pelo conhecimento científico. Não é por casualidade que só em 1992 (sim, 1992) a Igreja Católica se desculpou por haver perseguido, no século XVII, a Galileu, que teve a ousadia de indicar que, contra o que dizia a Igreja, era a Terra que dava voltas em torno do Sol e não o contrário. Em 2008, o Vaticano inclusive pensou em fazer um monumento para ele, mas decidiu atrasá-lo, porque era ainda demasiado cedo. Na Igreja Católica, as coisas de palácio vão um pouquinho devagar.
     
    O que está acontecendo no Vaticano?
     
    É interessante, claro, que no jornal do Vaticano, um historiador alemão, Georg Sans, escrevesse, em 2009, um artigo louvando Karl Marx por sua introdução do conceito de alienação originado pelo capitalismo. Georg Sans dizia que “temos que nos perguntar se Marx não levava razão em sua descrição do capitalismo como gerador de alienação…” (citado em “Is the Pope Getting the Catholics Ready for an Economic Revolution? (Maybe He Read Marx)”, de Lynn Parramore). E as declarações do novo Papa, criticando o capitalismo, estão criando um grande alvoroço.
     
    Agora, é necessário que se entenda que a Igreja Católica e, mais concretamente o Vaticano, sempre tiveram atitudes críticas aos excessos do capitalismo. Das encíclicas de Leão XIII (1878-1903) até João Paulo II, as críticas do excesso do capitalismo foram constantes e, em geral, mais acentuadas quando outras ideologias contrárias à Igreja (ainda que não contrárias à religião) como o marxismo adquiriam grande atração nos movimentos operários e intelectuais do mundo ocidental.
     
    Agora, o que é novo no Vaticano é que no documento que o Papa Francisco acaba de publicar sobre a pobreza e a Igreja, parece haver um vislumbre de que este Papa queira ir um passo além, pois sua crítica não se limita aos excessos do capitalismo, mas ao capitalismo em si. Existem partes do documento que parecem aproximar-se dessa postura. Escreve Francisco: “o mandamento Não matarás estabelece um mandato para respeitar a vida humana. Daí que este “não matar” deve aplicar-se a um sistema econômico baseado na desigualdade e na exclusão…”. Acrescenta Francisco que “tal economia mata. Daí que até que não termine o domínio absoluto dos mercados e sua especulação financeira (que Francisco indica corretamente que é intrínseca ao capitalismo…), e até que não se ataquem as raízes dessas desigualdades, não se encontrará nenhuma solução aos problemas do mundo, ou a nenhum problema”.
     
    Outro parágrafo de Francisco: “algumas pessoas (Francisco poderia ter escrito a maioria dos establishments econômicos, financeiros, políticos e midiáticos europeus e estadunidenses) continuam defendendo as teorias do “trickle-down”, que assumem que a concentração da riqueza que se produz no crescimento econômico (capitalista) e em seus mercados, inevitavelmente vai trazer maior justiça e inclusão, ao aumentar tal riqueza e melhorar a vida de todos e a coesão social. Dita opinião, que nunca foi confirmada pelos dados, expressa uma ingênua e crua fé na bondade dos que concentram o poder econômico e na eficiência sacrossanta do sistema econômico existente”. Não vi esse parágrafo citado em nenhum dos meios de comunicação de maior difusão espanhóis, que sistematicamente excluem as vozes críticas ao neoliberalismo dominante.
     
    Nem o que falar da resposta que foi previsivelmente hostil. Nos EUA, um país com uma cultura midiática dominante profundamente conservadora, já apareceram várias manchetes, escritas em tom alarmante, que “Marx está inspirando o Papa”.
    E Sarah Palin, a dirigente do Tea Party (a seita mais próxima à hierarquia católica espanhola, versão Rouco) expressou seu choque frente às declarações de Francisco. E mais de um editorial tem indicado que da mesma maneira que o Papa João Paulo II contribuiu para colapsar a União Soviética, o Papa Francisco pode ajudar a terminar com o capitalismo.
     
    Parece-me exagerada essa imagem. Mas seria um erro que as forças progressistas ignorassem as mudanças no Vaticano. Entendo e compartilho (como aparece em meus escritos em http://www.vnavarro.org) as reservas e o ceticismo sobre o novo Papa, ceticismo estimulado por casos tão ofensivos e dolorosos para os democratas como o silêncio de Francisco frente à homenagem dos caídos na Cruzada espanhola. Mas considero valioso que aconteçam mudanças na Igreja que diluam sua enorme oposição às mudanças e ao progresso. E daí sua enorme importância. Seria um grande erro não ser consciente disso, em um país no qual a Igreja sempre exerceu um papel negativo em sua defesa da ordem econômica estabelecida e contra a expansão dos direitos humanos.
     
    (*) Catedrático de Políticas Públicas. Universidad Pompeu Fabra e Professor de Public Policy. The Johns Hopkins University. Artigo publicado na revista digital SISTEMA, 6 de dezembro de 2013.

     

  4. Blá blá blá laudatório

    Quem espera alguma melhoria no mundo a partir de um papa, pode procurar a velhinha de Taubaté para trocar idéias. Francamente, haja ingenuidade! Isso é apenas PROPAGANDA. A ICAR está tendo  concorrência, precisa um discurso mais atraente, só isso. 

    1. Analu

      Não queira colher os frutos enquanto as árvores ainda são pequenas sementes.

      O mundo acaba de ver uma decisão histórica da OMC a partir de sementinhas plantadas por Lula e por todos aqueles que acreditaram nos acordos globais e não nos bilaterais.

      A partir da semente da proposta de acordo de Lula e do presidente da Turquia com o Irã, que a grande mídia tocou o pau, o mundo ocidental fechou acordo com o Irã, e hoje a própria Folha de São Paulo diz:”O acordo Lula/Irã era melhor”

      http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2013/11/1376560-o-acordo-lulaira-era-melhor.shtml

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