GGN denuncia desde 2021 o uso da Abin por Bolsonaro para espionar adversários 

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Governo Bolsonaro adquiriu dezenas de sistemas para monitorar cidadãos, adversários políticos, jornalistas e manipular eleição

Foto: Divulgação

A prisão de dois servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nesta sexta-feira (20) pela Polícia Federal, por ordem do ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é o resultado de uma investigação ainda em curso, mas apurações do Jornal GGN revelam, desde 2021, aquilo que agora a Operação Última Milha leva à Justiça. 

Em uma série de reportagens, o GGN mostrou como a Abin, a partir de 2019, passou a ser utilizada pelo governo Jair Bolsonaro para espionar adversários políticos do presidente, efetuar grampos sem ordem judicial e ser a base de uma guerra cibernética eleitoral pretendida pelo grupo alocado no Palácio do Planalto para se perpetuar no poder. 

O governo Bolsonaro adquiriu dezenas de sistemas para espionar qualquer cidadão ou cidadã do país sem autorização judicial, mas as investigações policiais sobre a conduta só deslancharam após a derrota do ex-presidente nas urnas.

As reportagens denunciaram ainda a criação da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, então sob o comando de Sérgio Moro, que se converteu em um novo centro de inteligência com acesso a bases de dados estaduais para fustigar adversários. 

O esforço de apuração revelou a polêmica aquisição de um programa israelense de cibersegurança, o CySource, pelo Comando de Defesa Cibernética do Exército (ComDCiber), ao revelar as tratativas da polêmica aquisição pelo chefe do órgão, o general Heber Portella – nomeado para a Comissão de Transparência das Eleições e que disseminou inverdades sobre as urnas eletrônicas.

A aquisição do CySource tomou o noticiário após reportagem de Paulo Motoryn, do Brasil de Fato, mostrar que a firma tem como um de seus executivos o analista de sistemas Hélio Cabral Sant’Ana, ex-diretor de Tecnologia da Informação da Secretaria Geral da Presidência de Jair Bolsonaro, e tanto ele, como o atual diretor global de vendas da israelense, Luiz Katzap, eram tenentes do Exército até pouco mais de 5 anos atrás.

Além das ligações com a administração pública, que motivaram a abertura de uma investigação pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o sistema é polêmico por seus objetivos. Segundo nota da empresa, haveria capacitação do Exército para “análise de malware, fundamentos de rede, respostas a incidentes cibernéticos, red team, perícia forense digital e testes de intrusão a sistemas críticos”.

As reportagens do GGN analisam de forma detalhada que o que existe na ABIN e ComDCiber, hoje em dia, mostra, na verdade, um alcance que vai muito além da missão institucional das Forças Armadas, de defesa do território nacional contra inimigos externos. Inclui quem o comando das forças define como inimigo interno. 

Cinco servidores afastados

O ministro Alexandre Moraes determinou ainda, no despacho das prisões efetuadas pela Polícia Federal nesta sexta, o afastamento de cinco servidores da Abin, entre eles dois diretores, pelo uso indevido de sistema de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial. 

Além do uso indevido do sistema, dois desses servidores também são investigados pela PF por coerção indireta dentro da agência, para evitarem a demissão na agência. A dupla passava por um processo administrativo disciplinar. Tudo indica que da operação novas detenções ocorrerão e ações criminosas devem vir à tona. Há muitos episódios a serem investigados.  

A montagem (e divulgação) de uma lista de 574 funcionários federais antifascistas, entre eles professores e policiais, em julho de 2020, quando Moro já tinha sido substituído por André Mendonça no Ministério da Justiça, criou uma crise institucional envolvendo a Seopi, provocou a demissão de seu então diretor de inteligência, o coronel Gilson Mendes, e colocou as entidades da sociedade civil da área de proteção aos dados pessoais, de segurança pública e de direitos humanos de olho nas atividades da Secretaria. 

Menos de um ano depois, Conectas Direitos Humanos, Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz e Transparência Internacional entraram com processo no Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a suspensão da licitação vencida pela Harpia Tec, que tinha como objetivo a compra de um software para extrair informações de fontes abertas como redes sociais, grupos de comunicação e serviços de mensageria com o objetivo de prevenir ataques a sistemas de governo e também monitorar o hacktivismo.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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  1. Tenho razões para acreditar que meu telefone celular foi monitorado antes da eleição. Comuniquei esse fato ao STF através da Reclamação 53.318 contra o GSI e Carlos Nantes Bolsonaro. O relator designado para o caso foi o fanático evangélico enfiado pelo clã Bolsonaro no STF. Ele indeferiu o pedido sob o fundamento de que seria “… inadmissível o alargamento das hipóteses de admissibilidade por obra de hermenêutica ampliativa, sob pena de ser desvirtuada a vocação dada pelo constituinte a esse instituto constitucional”. Recorri dessa decisão dizendo que o próprio STF tolerou a hermenêutica da constituição colocada em prática por Bolsonaro e sua quadrilha indicando vários episódios grotescos da história constitucional recente do Brasil. Irritado com a falta de interesse do STF em assegurar e proteger meus direitos perguntei retoricamente no recurso se deveria “Comprar uma arma de fogo e meter bala em Carlos Bolsonaro e no general Heleno?” O resultado foi desanimador. Não só o recurso foi improvido por votação unânime como o STF mandou o MPF me processar criminalmente por ter feito uma ameaça de morte aos vagabundos que invadiram meu telefone e me assediaram com ligações ameaçadoras sempre que eu publicava algo contra Bolsonaro.

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