A pós-verdade, processo e dignidade humana, por Fábio de Oliveira Ribeiro

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Aqui mesmo no GGN já teci alguns comentários acerca da judicialização da política e do campo jornalístico (leia aqui, aqui e aqui).

Hoje falarei de algo relacionado ao tema, mas com um enfoque diferente. 

O Direito não opera por si mesmo. Ele necessita de um suporte para se transformar de abstração em fenômeno histórico. Este suporte é o processo.

Em apertada síntese, o processo é um conjunto de atos legalmente definidos que devem ser praticados pelos litigantes até que o juiz competente possa proferir uma decisão válida que se tornará imutável depois que não caiba recurso. A decisão, chamada de sentença na primeira instância e de acórdão nos tribunais, faz Lei entre as partes.

O processo revela a verdade que regulará a disputa das partes. Antes da prolação da sentença existem apenas versões: a versão do autor e a versão do réu. Cada parte tem o direito de sustentar sua versão com argumentos, documentos, depoimentos e perícias. Mas uma vez que a apresente em juízo não pode modificá-la. Ao julgar o litígio o Juiz é livre para escolher uma das versões, mas ele deve apontar os fundamentos racionais e probatórios que motivaram sua decisão.

No processo não existe espaço para pós-verdade, pois as fraudes, simulações, tergiversações e malícias estão sujeitas ao contraditório. E elas podem ser objeto de decisão. Se for demonstrada a má fé processual acarreta prejuízo para quem a praticou.

A diferença entre o jornalismo e o processo é evidente. A atividade jornalística é livre prescinde de regras formais para a produção e divulgação das versões da realidade que são divulgadas. As fraudes, simulações, tergiversações e malícias divulgadas intencionalmente pelos jornalistas por razões políticas ou econômicas só produzem consequencias jurídicas se o prejudicado recorrer ao Judiciário. Quando isto ocorre, a disputa terá que se submeter ao processo.

A verdade proclamada no processo não é produzida com a mesma liberdade que a notícia. Apesar de ser livre de regras, o campo jornalístico pode acabar enredado nas teias do processo em que a verdade (a sentença que faz Lei entre as partes) substituirá a pós-verdade divulgada pelo jornalista.

O problema é o abismo temporal que existe entre ambas. A notícia (versão jornalística da realidade) sempre produz efeitos no tempo presente. O processo, por sua própria natureza formal, pode demorar vários anos e até décadas para produzir resultados nas vidas dos litigantes. É evidente, portanto, que a reparação obtida através do processo nunca será capaz de sanar os efeitos da pós-verdade produz continuadamente na vida e na imagem da vítima de notícias fraudulentas, simuladas, maliciosas ou inventadas.

Em seu depoimento na Justiça, Lula reclamou que está sendo massacrado pela imprensa. Isto é evidente, pois ele tem sido muito mais atacado pelos jornalistas do que seus adversários políticos. Também é verdade que o ex-presidente tem recorrido ao processo para responsabilizar as empresas de comunicação. Todavia, enquanto Lula se vê obrigado a esperar resultados demorados, as empresas de comunicação seguem renovando diariamente seus ataques contra a pessoa dele.

A vida é transitaria e a condição humana é frágil. Os seres humanos sofrem tanto em razão das doenças biológicas quanto em virtude de perseguições políticas, religiosas, ideológicas, raciais, etc… A existência das empresas é duradoura. Elas continuam ativas indefinidamente enquanto tiverem lucro. Algumas delas são centenárias (caso do Estadão, por exemplo).

A vida humana não pode ser interrompida, pois isto é crime. As empresas podem falir sem que isto resulte necessariamente na prisão ou na morte dos seus donos. A julgar pelo que está ocorrendo com Lula (e em homenagem à valorização da dignidade humana prescrita na CF/88) será necessário inventar um mecanismo jurídico que permita à vítima interromper a existência jurídica das empresas de comunicação que produzem pós-verdades em série para causar dano continuado.  

 

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1.  
    Mas há uma parceria

     

    Mas há uma parceria informal entre a mídia oligopolista e o judiciário. Assim, não há uma solução para o Caso Lula no campo do judiciário brasileiro.

    Há muita acusação contra Lula também vinda do MPF e do juiz Moro. O Brasil não possui instituições para resolver o Caso Lula, só resta apelar para as jurisdições internacionais (ONU, OEA, etc…).

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