Twitter dá aula ao CNJ contra a censura ao juiz Valois

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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A própria gigante digital entrou com recurso no CNJ contra o bloqueio das redes do juiz, com uma aula de liberdade de expressão

Foto: Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

O Twitter enviou uma manifestação ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) pedindo a reconsideração do bloqueio das contas do juiz Luis Carlos Valois da rede social, alegando que tal medida poderá ser caracterizada como “censura”.

O pedido partiu da própria gigante digital, junto ao processo do CNJ contra o juiz da Vara de Execuções Penais de Manaus, de perfil progressista, que teve suas contas bloqueadas após fazer postagens sobre a situação dos bolsonaristas presos, após os atos golpistas do dia 8.

As manifestações de Valois eram, geralmente, críticas com humor, sem registrar ofensas e ataques aos mesmos. “Como eu sempre defendi direitos humanos, incluindo o direito dos presos, digo que preso tem direito de cumprir a pena próximo aos seus familiares. Então os golpistas de Manaus porventura presos em BSB têm vaga aqui no Complexo Penitenciário do AM”, dizia uma delas.

Na segunda, Valois anunciava que o CNJ, por determinação do ministro corregedor Luis Felipe Salomão, havia determinado o bloqueio de todas as suas contas no Facebook, Instagram e Twitter.

Curiosamente, sequer a plataforma digital, que tem um política de banir e suspender contas que violem regras, como por exemplo ofensas, comentários criminosos e Fake News, encontrou razões para bloquear o juiz.

A aula do Twitter de liberdade e contra a censura do CNJ

Diante disso, o Twitter protocolou no processo um pedido de reconsideração diretamente ao ministro Salomão:

“A despeito do integral cumprimento da r. decisão, o TWITTER BRASIL respeitosamente entende que o bloqueio integral da conta @LuisCValois poderia violar dispositivos constitucionais e a própria legislação infraconstitucional relativa à matéria, considerando a possibilidade de caracterização de censura de conteúdo lícito existente nas centenas de Tweets postados pelo Reclamado, e também de censura prévia de conteúdo futuro lícito, não necessariamente vinculado ao procedimento disciplinar em curso.”

A big tech acrescentou que determinadas postagens, se caracterizadas ilegais, poderiam ser banidas, mas não enxergava razão para o bloqueio integral da conta do magistrado.

“A suspensão integral da conta @LuisCValois não apenas atinge aquele conteúdo tido por ilícito, como também outros que podem ser considerados lícitos e que, portanto, são protegidos pela liberdade de manifestação e de informação.”

Ainda que destacando não se tratar de uma defesa do Twitter a Valois, a gigante digital o fez, argumentando as garantias constitucionais que o juiz tem direito:

“Cabe observar que, no que diz respeito ao bloqueio integral de contas de usuários da Internet, além da garantia constitucional da vedação à censura (os artigos 5º, inciso IV, e 220, caput), a legislação infraconstitucional, qual seja, a Lei nº 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”), prevê expressamente em seu artigo 19 – o qual, nota-se, foi por diversas vezes mencionado na r. decisão – que o bloqueio de conteúdo na internet deve se limitar àquele tido por ilícito mediante a indicação da URL específica do conteúdo reputado infringente.”

Caso contrário, insistiu a empresa, a medida de Salomão poderá ser caracterizada como censura.

“Ao vedar expressa e peremptoriamente toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, o artigo 220, § 2º, proíbe a autoridade de controlar e impedir a veiculação da informação por quaisquer meios de comunicação, quando o fator de justificação eleito pelo censor para a implementação da medida consistir na orientação política, na ideologia e no padrão de arte por ele adotados.”

O Twitter também usou como referência as palavras do ministro de Celso de Mello, na ADPF 130, de 2009: “A censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público” e “o poder cautelar geral é, hoje, o novo nome da censura!”, disse o ministro na ocasião.

“Diante desse cenário, a despeito da fundamentação da r. decisão, o TWITTER BRASIL respeitosamente entende que eventuais publicações ilegais devem ser objeto de análise específica e remoção estrita. É por esse motivo que, no respeitoso entendimento do TWITTER BRASIL, a r. decisão deve ser reconsiderada.”

Na decisão do CNJ, Salmoão não especificou quais publicações o magistrado teria cometido ilegalidades pela sua função de magistrado. Citou, de maneira geral, “suspeita” de “atividade de cunho político-partidária em suas redes sociais”.

Curiosamente, ao final do pedido, a empresa também solicitou que o corregedor do CNJ especifique qual conteúdo de Valois foi irregular para a remoção.

Leia a íntegra do recurso do Twitter:

Pedido-de-Reconsideracao-@LuisCValois

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. No meu caso, os advogados do Twitter fizeram o inverso. Eles defenderam de maneira eloquente o direito da empresa de suspender definitivamente minha conta porque eu zombei da fralda geriatrica atomica do general Heleno. Ninguem, nem mesmo a ABJD ou o referido juiz censurado pelo CNJ, defendeu minha liberdade de expressão. Eu sou “menos igual”. Portanto, meus direitos podem ser PISOTEADOS.

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