Judiciário precisa melhorar gestão interna

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

Entre 2007 e 2011, o orçamento do Poder Judiciário no Estado de São Paulo cresceu 24%, índice maior do que a inflação no período, que foi de 20%, segundo o IPCA. Entre 2003 e 2011, o crescimento é de 85%. As informações, fornecidas à reportagem pela Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento, revelam também que, em 2010, o orçamento inicial do judiciário era de R$ 5,176 bilhões, mas, devido a uma suplementação, o valor, em 2011, foi superior a R$ 5,721 bilhões.

Apesar do aumento orçamentário, São Paulo hoje é o Estado que menos investe no Poder Judiciário, disse, em entrevista ao Brasilianas.org, Marcos da Costa, vice-presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), que tem se posicionado contra a proposta de redução do número de instâncias recursais defendida pelo ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, na PEC dos Recursos.

“Cerca de 90% do orçamento está comprometido com folha de salário. Os 10% restantes serve para pagar conta de água e luz”, explica. Investimentos na capacitação dos servidores e em tecnologia, assim, acabam sendo colocados em segundo plano.

“O problema do Poder Judiciário é de gestão e orçamento, ao contrário do que sugere a proposta do ministro Peluso”, segundo Costa. A PEC defende que as decisões judiciais sejam executadas no máximo na segunda instância, não havendo mais a possibilidade dos recursos processuais se estenderem para até a quarta instância. Com isso, o volume de processos empilhados nos tribunais diminuiria. Mas para Costa, além de desestimular o cidadão a recorrer à Justiça, a proposta não melhora aspectos da gestão do Judiciário.

Para Costa, o problema do judiciário deve passar pela discussão das competências e estruturas das cortes e também da gestão, ou seja, a gestão dos processos dos cartórios. “A gestão dos cartórios é feita por juízes, que deveriam receber qualificação na área de administração”. Confira os principais trechos da entrevista.

Brasilianas.org – O Poder Judiciário brasileiro carece de investimentos?

Marcos da Costa – A Lei de Responsabilidade Fiscal coloca que o investimento do Estado no Poder Judiciário deve ser de 6%. Na primeira gestão de Alckmin, a participação do judiciário dentro do orçamento do Estado chegou a 5,6%. No governo Serra, a participação caiu para 4%. Houve uma redução muito forte de investimento do poder público no Judiciário. Mas isso não ocorre no Brasil inteiro. São Paulo hoje é o Estado que menos investe no Poder Judiciário. Itens importantes, como a criação de um cadastro de mais de 4.700 menores e adolescentes para efeito de adoção está destinado apenas 10 reais para o exercício em 2011. 

 Ainda este ano, deveriam ser instaladas 270 câmaras recursais digitais. Estava previsto, para o orçamento de 2011, nessa rubrica orçamentária, a quantia de 10 reais para instalação das câmaras digitais. Sem falar do treinamento pelo qual os servidores públicos dos tribunais deveriam passar, para capacitá-los para assuntos administrativos e gerenciais. A gestão dos cartórios é feita por juízes, que deveriam receber qualificação na área de administração.

A proposta do ministro Cezar Peluso leva em consideração tais problemas?

A PEC do Peluso não resolve o problema do judiciário. O problema do judiciário não está no número de recurso, mas sim na estrutura. No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, vivemos uma situação de absoluta precariedade em termos estruturais. Não vai ser alterando a via do cidadão ao recurso que vamos solucionar esse problema. Há efeitos que a PEC procura dar ao processo que vai trazer uma sensação de agilidade, mas ao custo de uma grande insegurança jurídica.

A proposta não seria uma tentativa positiva de descentralização do judiciário, ou seja, de dar mais autonomia aos tribunais regionais?

A PEC não faz isso. Ela não trata de competências do Supremo, nem dos tribunais locais. Ela só trata dos efeitos de uma decisão passiva de recursos. Esse argumento me parece equivocado por conta disso, ele não fortalece a posição dos tribunais estaduais. A tentativa da proposta é desestimular o cidadão a recorrer na Justiça.  É imprescindível continuar no processo de reforma. Mas o que não se pode é, para a reforma do judiciário, pretender constranger o cidadão de exercer um direito legítimo. O problema do judiciário deve passar pela discussão das competências e estruturas das cortes e também da gestão das cortes, ou seja, a gestão dos processos, a gestão dos cartórios.

Então seria mais um problema de gestão, isto é, de se definir mecanismos de diminuição da burocracia e fixação de metas?

Sim, a gestão interna. E porque nós somos formados em Direito, em ciências jurídicas, não fomos moldados para sermos administradores. Temos, portanto, limitação na capacidade de gestão dos nossos cartórios, escritórios. Precisamos discutir a questão da gestão do judiciário. E, ligada à gestão, a questão do investimento que o poder público faz para o judiciário, que é um pedaço do próprio poder público.

O Brasil é o único país que adota o modelo com quatro instâncias recursais. Precisamos de um novo modelo jurídico?

O Brasil adotou um modelo que é considerado por todos os operadores do Direito de nível bastante elevado, em termos de qualidade. Alguns países fazem controle concentrado em questões de constitucionalidade em uma corte constitucional; então, eu só posso discutir uma questão de constitucionalidade no Supremo, pois o controle é concentrado. Nós adotamos um instrumento misto: algumas questões podem ser discutidas diretamente no Supremo, por meio das ações diretas de inconstitucionalidades, e outras questões em outras instituições, que tem legitimidade, como a própria OAB, a Procuradoria-Geral da República, governadores etc.

Em paralelo, também adotamos o sistema de controle difuso, porque eu posso, no processo de primeira instância, trazer uma questão constitucional para o juiz decidir. Esse modelo é considerado extremamente resolvido; então, não é o modelo que me parece incorreto. Nós fizemos, desde a Constituição de 1988, primeiro uma reforma administrativa dramática, muito grande. Você pega o novo Código Civil, estatutos que não existiam, como o da criança e o do idoso, além do consumidor. Houve uma alteração legislativa profunda, procurando dar mais direitos ao cidadão, de um lado.

Do outro lado, você teve o Estado se fazendo presente, de uma forma mais efetiva, em localidades onde a Justiça não chegava. Passamos a ter o Estado fornecendo assistência jurídica ao cidadão carente, trazendo uma parcela importante da população para dentro do poder judiciário, o que fez com que o número dos feitos literalmente explodisse. O número de feitos aumentou muito hoje, comparado com o que era há 20 anos. E ao fazer isso de forma absolutamente correta, esse próprio Estado não fez com que o judiciário se estruturasse de forma a dar conta dessa demanda.

E isso é o que levou à situação em que nos encontramos hoje. O código de processo já passou por muitas alterações, e a própria Constituição passou por muitas modificações. E essas alterações sempre foram no sentido de diminuir os recursos e fazer com que os juízes do próprio tribunal regional passassem a ter poder de decidir de forma monocrática e individual. Sempre no sentido de estreitar a via recursal.

Mas há alguma experiência sendo testada, no sentido de acabar com a demora nos julgamentos?

O Tribunal de Justiça de São Paulo adotou em março uma resolução histórica e que teve impacto no que diz respeito ao tempo de demora dos processos no tribunal. Os processos estavam demorando 10 anos. A resolução determina a redistribuição dos processos daqueles desembargadores que estavam com um volume muito grande, determinando que, a partir de agora, se promovesse, de forma pública, estatísticas e o controle da produção de cada desembargador, para evitar que haja acúmulo entre desembargadores que estão com a pauta rigorosamente em dia.

O setor público é responsável pela maior parte dos processos. Só na área da saúde pública, por exemplo, há um crescimento do processo de judicialização. O problema do judiciário tem origem em outros setores da sociedade, o que não é tão simples de administrar na ponta, certo?

Sim. O Estado de São Paulo, por exemplo, tem hoje 18 milhões de processos tramitando. Desse total, nove milhões, exatamente 50%, são do Estado cobrando do cidadão os tributos. Portanto, metade dos processos que tramitam são do poder público, utilizando instrumentos do poder judiciário e concorrendo com essa pouca capacidade de oferecer serviços. É o próprio Estado concorrendo com o cidadão comum nessa capacidade do poder judiciário oferecer serviço. Então, eu [Estado], que sou o provedor do judiciário, sou, ao mesmo tempo, “consumidor” do judiciário, concorrendo com os outros “consumidores”, que são a sociedade como um todo.

Esse é o grande gargalo do judiciário hoje, no que diz respeito ao volume de processos judiciais – a participação do Estado, como litigante*, dentro do judiciário. Segundo dados da Justiça do Trabalho, 17, dos 20 maiores litigantes da Justiça do Trabalho era do poder público, entre União e Estados. E os três outros eram bancos privados, porém os processos não eram resultantes da relação do banco privado com os funcionários – mas sim processos que foram incorporados quando ainda eram bancos públicos, antes das privatizações.

* diz-se de ou cada uma das partes em um processo litigioso (Houaiss)

Foto: STJ

Luis Nassif

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