Punitivismo no STF resultou em pena de morte, por Marcelo Auler

Depois de ver negado naquela corte vários pedidos pleiteando a prisão domiciliar, Meurer, 77 anos, portador de algumas comorbidades, portanto, potencial candidato a infartos, derrame cerebral entre outras doenças, morreu na manhã de domingo (12/07), de Covid-19.

Punitivismo no STF resultou em pena de morte

por Marcelo Auler

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Os advogados advertiram que negar a prisão domiciliar seria negar o direito à vida.

Não há como dourar a pílula. No caso do ex-deputado Nelson Meurer (PP-PR), que oficialmente tinha a cumprir uma pena de 13 anos e 9 meses de cadeia, o que o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou fazendo foi condená-lo à pena de morte. Apesar de ela inexistir na legislação brasileira.

Depois de ver negado naquela corte vários pedidos pleiteando a prisão domiciliar, Meurer, 77 anos, portador de algumas comorbidades, portanto, potencial candidato a infartos, derrame cerebral entre outras doenças, morreu na manhã de domingo (12/07), de Covid-19.

Desde terça-feira (07/07) ele estava internado na Policlínica São Vicente de Paula, em Francisco Beltrão (PR), cidade onde morava e também cumpria sua pena. A doença, contraída dentro da Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, foi diagnosticada na quinta-feira (09/07). Nos primeiros dias no hospital chegou a reagir positivamente, mas no final de semana o quadro piorou e ele foi entubado.

Tratou-se de uma morte anunciada. Em 16 de março, em um dos vários pedidos de prisão domiciliar protocolados no STF, seus advogados – Michel Saliba Oliveira, Ricardo Lima Pinheiro de Souza e Helen Salvaro Beal – deixaram claro o risco que ele corria e a possível sentença de morte que estaria recebendo (como mostra a ilustração acima) e alertaram:

“A bem da verdade, negar ao ora requerente a concessão do direito da prisão domiciliar não é só negar-lhe o direito a saúde, mas o direito à vida“.

Decisão de Fachin: informações superadas

O punitivismo de Fachi acabou provocando a pena de morte de Meurer (Fotos: Rosinei Coutinho/ACO-STF e Zeca Ribeiro/Agência Câmara)

Apesar de todo o risco de vida do preso idoso e com comorbidades, o relator do caso, ministro Edson Fachin – ele próprio, com 62 anos, no grupo de risco da Covid-19 – optou por manter-se fiel ao punitivismo que abraçou desde que assumiu a relatoria dos processos da Operação Lava Jato. Dizem que relegando seu passado.

Respaldou-se em informações da Vara de Execuções Penais da comarca de Francisco Beltrão (PR) que depois mostraram-se superadas. Davam conta que a penitenciária aonde estava Meurer ainda não registrara casos de infectados e tinha capacidade ociosa, o que permitia isolar os presos.

Isto, porém, foi ultrapassado. Como registrou a defesa do ex-deputado, através do advogado Michel Saliba, “houve omissão de casos de coronavírus no presídio. Agentes prisionais tiveram a infecção e Meurer tinha contato com esses agentes. Presos também tiveram a doença. O que ocorreu foi a crônica de uma morte anunciada”, concluiu.

Na decisão, Fachin apegou-se a informações ultrapassadas. Presídio ficou superlotado.

O pedido a Fachin foi reiterado em abril, após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitir a Recomendação 62, em março deste ano. Pelas normas indicadas aos presídios na pandemia, Meurer deveria ser beneficiado. Além da idade avançada, era portador de comorbidades. Ainda assim, o ministro decidiu, com base nas informações recebidas, recusar o benefício. No seu despacho monocrático (veja ilustração), expôs:

” (…) nada obstante o requerente esteja enquadrado em grupo considerado de maior vulnerabilidade em caso de contágio, constata-se que o Juízo da Vara de Execuções Penais de Francisco Beltrão informou a adoção de providências alinhadas à Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, como a suspensão de visitas a sentenciados que se encontram na Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, a qual ‘não se encontra com ocupação superior à capacidade’ (fl. 4.525), destacando, ainda, a existência de ‘equipe de saúde lotada no estabelecimento’ (fl. 4.525). (…) tendo o magistrado asseverado que ‘[A]té o presente momento inexistem casos confirmados de pessoas infectadas com coronavírus (COVID-19) no âmbito desta Comarca de Francisco Beltrão/PR’ (fl. 4.525). Adicionalmente, informou o Juízo a concessão de progressão de regime antecipada a 65 (sessenta e cinco) detentos da aludida unidade prisional, viabilizando o melhor controle do ambiente no qual o requerente se encontra recluso em relação aos riscos de disseminação do coronavírus“.

O que parece que Fachin desconhecia é que a redução do número de presos foi momentânea. Após a antecipação da saída de 65 presos, a penitenciária recebeu outros 79 detentos vindos do município de Palmas (PR). Como citado no Agravo que a defesa de Meurer interpôs em 7 de abril, o próprio juiz da Vara das Execuções Penais de Francisco Beltrão, Paulo Roberto Gonçalves Camargo Filho, alertou para o risco da superlotação. O Agravo reproduz o juiz:

A unidade funciona dentro do limite de sua capacidade e receber os 79 presos da Unidade de Gestão de Palmas tornaria a situação evidentemente mais complexa. Logo. somente a permissão para a remoção desses detentos para a PEFB é assinalar positivo para transpor o número excedente de apenados na unidade. não sendo a melhor prática a ser feita se a finalidade é diminuir aglomeração e riscos à saúde prisional. A superlotação causaria tratamento degradante aos presos contrariando as regras de MandeI, de quem o Brasil é signatário, tornando-se um ambiente de risco à segurança dos detentos, com influente a disseminação de doenças, tudo que não se busca nesse momento“. (grifos do original).

Mesmo com todas essas advertências, Fachin mostrou-se insensível aos apelos e manteve a decisão de deixar o ex-deputado no presídio com todos os riscos, em nome do cumprimento da pena. Um novo Agravo interposto pelos defensores foi levado ao julgamento virtual, aquele em que o debate se dá pela rede. Foi quando o ministro Gilmar Mendes abriu a divergência acatando a tese de que o preso corria riscos.

Destaque-se que não há dúvidas sobre a seriedade da condição de saúde do recorrente, com elevado risco de ocorrência de infartos, derrame cerebral, arritmia cardíaca e situações semelhantes, inclusive com sugestão de investigação para outras situações e comorbidades. Embora não haja necessidade de internação hospitalar, parece ser claro que a manutenção do recorrente no ambiente prisional aumenta significativamente os riscos a sua vida e a sua saúde“.

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Redação

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