Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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O gato Rambo e o amigo eletrônico (IV), por Izaías Almada

"É verdade que os extraterrestres são mais inteligentes e têm uma civilização muito mais adiantada que a nossa?", perguntou Marcelo.

Nyankichi Rojiupa

O gato Rambo e o amigo eletrônico (IV)

Conto de Izaías Almada

          Finalmente, o pai de Marcelo viajou. Foram todos ao aeroporto de Guarulhos para as despedidas. Entre familiares, amigos e colegas da empresa lá estavam mais de trinta pessoas a contar anedotas, fazer fofocas e desejar feliz viagem. Ao abraçar o pai, Marcelo sentiu uma desconhecida tristeza, uma saudade antecipada, mas só foi chorar quando chegou de volta à casa da granja. A verdade é que gostava muito do pai e iria sentir a sua falta nos próximos três meses. Mac Thor entendeu a tristeza do amigo e não disse nada. Naquela noite foram todos dormir mais cedo.

          No dia seguinte, um sábado por sinal, dia sem aulas, Mac Thor sugeriu que alugassem no vídeo clube o filme “Encontros Imediatos do 3º Grau”, ao qual Marcelo já assistira uma dezena de vezes. Tanto insistiu que o amigo não teve alternativa senão satisfazer-lhe a vontade. Afinal, não custava nada agradar a  quem, dali alguns dias, estaria lhe fazendo um tremendo favor. Combinaram ver o filme ao fim da tarde, quando estariam sozinhos em casa.

          Na hora aprazada, aproveitando a ausência da mãe e da irmã que tinham se comprometido com uma festa de casamento na vizinhança, Marcelo e Mac Thor – abastecidos de pipoca e suco de abacaxi com limão – sentaram-se a ver o filme.

          Lá pelas tantas, o amigo eletrônico perguntou ao dono da casa se acreditava naquele tipo de histórias. O pequeno pensou, pensou e afinal respondeu que não, pois era tudo inventado por quem tinha escrito a história, assim como ele – Mac Thor – tinha sido criado pela sua imaginação.

          “Engano seu…”, falou Mac Thor. E após uma pausa, continuou: “… acredite ou não, posso lhe garantir que o homem não está sozinho no Universo. A história desse filme está muito próxima da verdade. Aquela parte dos pilotos desaparecidos durante a Segunda Guerra Mundial era real, e só não fora divulgada com destaque na imprensa da época para não assustar as pessoas”.

          “E por que as pessoas ficariam assustadas com essas histórias?”

          “O desconhecido assusta, atemoriza. São sentimentos naturais do ser humano. A primeira reação diante daquilo que não se conhece é de incredulidade, de temor. A partir do momento que nos disponibilizamos para conhecer e entender aquilo que se mantém fora do nosso conhecimento, a sensação de medo, de impotência às vezes, vai desaparecendo. Veja o seu próprio caso: por não conhecer o país onde irá viver, você ficou assustado, com dúvidas e medos, que desaparecerão logo que você venha a conhecer melhor a nova realidade. Assim também acontece com o homem em relação a outras formas de vida que ainda não conhece…”

          “É verdade que os extraterrestres são mais inteligentes e têm uma civilização muito mais adiantada que a nossa?”, perguntou Marcelo.

          “Eu diria que estão em outra dimensão, em outro grau de conhecimento e civilização. Não se trata de ser mais ou menos inteligente. Existem há mais tempo, portanto conhecem o universo e suas relações e transformações há mais tempo também. É natural que já tenham superado muitos dos problemas que o homem ainda luta por superar, como a fome e as grandes doenças, por exemplo. Não será fácil o encontro mais abrangente de seres de outros universos com o homem. Pequenas tentativas têm sido feitas em vários níveis. O homem, no entanto, é desconfiado por natureza e reage mal – como já disse – ao desconhecido”.

          “E eles também foram criados por Deus?”

          “Deus é um deles, com certeza. E Cristo, há quase dois mil anos atrás, já foi uma das inúmeras tentativas de contatos do terceiro grau…”

          “Minha avó diz que Cristo veio ao mundo para tentar que os homens vivessem em paz, sem guerras e sem fome, mas que os homens não souberam entender isso”.

          “É verdade. A sua avó tem toda a razão. Não só não entenderam como ainda crucificaram o pobre do Cristo. Enquanto os homens insistirem em ser gananciosos, guerreiros, injustos, egoístas, trapaceiros, vai ser muito difícil o contacto com outras civilizações e com outras culturas. E isso é uma pena…”

          Mac Thor interrompeu a frase e olhou para Marcelo que já mostrava os olhos cheios de sono.

          “Quer saber uma coisa?”, perguntou o amigo eletrônico.

          Marcelo fez que sim com a cabeça.

          “Não tenha assim tanta certeza de que eu sou apenas fruto da sua imaginação.”

          Marcelo sorriu e achou mesmo que já estava na hora de dormir.

          Muitos assuntos tinham os dois amigos para conversar, de natureza a mais variada. Naquela noite, a mãe e a irmã de Marcelo voltaram tarde da festa de casamento e encontraram o pequeno já adormecido na cadeira de leituras do pai, com um boneco de pelúcia ao colo e a televisão ligada, mas sem imagens. O sofá, de encosto reclinável, foi ajeitado pela mãe para que Marcelo dormisse ali mesmo. Um sono bom, profundo, relaxante.

          A história do medo diante do desconhecido não foi esquecida por Marcelo. De fato, era sempre assim que as pessoas reagiam. Mas isso não alterava em nada os planos que tinha para Mac Thor, ainda mais agora que o pai já tinha viajado para os Estados Unidos.

          Mac Thor partiria dali uma semana, passaria duas semanas em New Haven e arredores e traria um relatório o mais completo possível de tudo que pudesse significar um conhecimento da região e das pessoas que lá moravam. Dito e feito. Lembrou-se da frase de Mac Thor na noite anterior. Não estaria indo longe demais nessas suas brincadeiras?

          Na casa da granja os dias passavam com lentidão. Era essa, pelo menos, a impressão que Marcelo tinha, não só causada pelas saudades sentidas com a ausência do pai, mas também pela ansiedade com que esperava a volta de Mac Thor.

            (CONTINUA)

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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