Negacionismo climático e o socialismo, por Erick Kayser

Não será possível frear ou reverter a marcha ruma a aniquilação ambiental da vida humana na Terra sem que ocorram soluções coletivas

Negacionismo climático e o socialismo

por Erick Kayser

Recentemente, um dos filhos políticos profissionais do ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou que as mudanças climáticas enfrentadas pelo planeta são farsas, engendradas como parte de um plano “diabólico” para tomar controle das pessoas e implementar o socialismo no mundo. Ele afirmou, textualmente, que “a tal ‘mudança climática’ – antes alardeada como aquecimento global – é apenas o pano de fundo para que pessoas autoritárias como Lula se apossem de sua liberdade, obrigando você e sua família a viver como ele quer”, escreveu o parlamentar, lançando mão de teorias da conspiração.

Esta não foi a primeira vez que o negacionismo climático é defendido toscamente pelo parlamentar filho-do-Bolsonaro – figura esta que não será aqui nominada, não apenas pela sua desprezível estatura moral, mas por sua irrelevância política que, ao fim ao cabo, se resume a ser um filho de político eleito apenas pelo sobrenome – e nem esta analogia entre defesa do meio ambiente e socialismo é original. Esta é uma tese defendida internacionalmente por muitos setores da extrema-direita, como entre apoiadores de Donald Trump, nos EUA, ou pela Frente Nacional, na França, que acusam o ambientalismo de ser um cavalo de Troia do “liberalismo globalista” e de políticas socializantes. Em termos táticos, a defesa conservadora do “modo de vida” das pessoas, ameaçadas pelo ambientalismo, possui seu apelo junto a setores sociais que dão apoio ao extremismo de direita. Para trabalhadores cujo sustento advêm da exploração de combustíveis fósseis, a “transição verde” pode ser entendida como uma ameaça a sua sobrevivência. É para estes setores que o discurso negacionista busca atingir, tentando ampliar a resistência social as medidas que busquem mitigar a destruição ambiental do planeta.

São muitos os erros básicos de análise praticados pela direita em sua cruzada negacionista. Muitos destes erros derivam-se da forma como o negacionismo climático frequentemente ignora ou rejeita dados científicos. Eles negam as evidências empíricas, incluindo registros de temperatura, dados de satélite e observações de campo que mostram o aumento das temperaturas globais, a diminuição do gelo do Ártico, o aumento do nível do mar e outras mudanças climáticas observadas nas últimas décadas. Negam a ciência porque os dados contradizem as suas crenças do negacionismo climático. Colocando em outros termos, o anticientificismo que embala o discurso negacionista climático não se dá apenas por ignorância, mas por uma opção política que busca, por um lado instrumentalizar os medos populares frente as mudanças necessárias e, por outro lado, atendem interesses econômicos vinculados a setores poluidores que desejam impedir qualquer transformação social que afete os seus lucros.

Contudo, tem um outro aspecto que merece a nossa atenção no discurso negacionista que ilustra o nosso artigo. Quando o filho-do-Bolsonaro (ou algum outro político neofascista) acusa a luta ambiental de ser uma política que levaria ao socialismo, implicitamente eles reconhecem que a superação dos nossos problemas demandam ações coletivas. Por certo que soluções coletivas e socialismo não são exatamente a mesma coisa, mas, como até um relógio parado acerta o horário uma vez no dia, é correto associar a impossibilidade da superação da crise ambiental mantendo o sistema capitalista. Logicamente não nos termos colocados pela direita, que usam esta afirmação como um “espantalho anticomunista”, mas pela contatação, um tanto evidente, que um sistema econômico baseado na busca do lucro como um fim em si, amparado na exploração permanente de recursos naturais para além de sua capacidade de renovação, não terá condições de reverter este processo destrutivo.

Não será possível frear ou reverter a marcha ruma a aniquilação ambiental da vida humana na Terra sem que ocorram soluções coletivas que possam coordenar uma mudança paradigmática no sistema socioeconômico. O socialismo pressupões soluções coletivas, o que traz consigo a importância da educação e do envolvimento da comunidade na tomada de decisões. Em uma sociedade socialista, as pessoas seriam incentivadas a participar ativamente das definições políticas e econômicas, incluindo aquelas relacionadas à crise climática. Isso poderia ajudar a garantir que as decisões tomadas fossem baseadas em evidências científicas e num entendimento coletivo democrático das necessidades do planeta.

A transição para alguma forma de socialismo permitiria colocar o planejamento econômico como um caminho de superação da destruidora anarquia dos mercados autorregulados, colocando a sustentabilidade ambiental como uma prioridade. Tendo a superação do paradigma do lucro, a cooperação e a solidariedade ganhariam a cena. Isso significa que, em uma sociedade socialista, as decisões econômicas seriam deliberadas com base nas necessidades das pessoas e do planeta, e não apenas para a produção e reprodução de capital. Longe de ser uma solução mágica e não estando isento de dificuldades e limites, o socialismo é a única forma de interromper a insana marcha do capital rumo a extinção da vida humana.

Erick Kayser é historiador

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

2 Comentários

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  1. Ótimo texto, sei que não é uma atitude correta mas ando muito desanimado com soluções coletivas. As pessoas olham apenas para seus umbigos e privilégios. Nem os líderes mundiais com excessão de Francisco propõem atitudes radicais necessárias para mudar a vida e acolher o não humano, a natureza e os animais.

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