Alencar Mesquita, o falsário, professor da FGV e consultor do Estadão

Mesquita era bom imitador. Passou-se por economistas reconhecidos, recomendando o seu nome para entrevistas

A morte de Wilson Fittipaldi Jr me traz lembranças de tempos bem antigas.

Estava no começo, no Jornal da Tarde, quando o grande Alberto Helena Jr montou um talk show na TV Record, tendo como âncora o velho Wilson Fittipaldi, o Barão, pai dos dois corredores de Fórmula 1. Como Barão só dominava o automobilismo, foi contratado um repórter para ajudá-lo em outros temas. O meu era a economia.

Creio que foi minha primeira participação em programas de TV, além de algumas incursões na TV Cultura.

Um dia, o produtor do programa me pergunta se seria interessante trazer o chefe da assessoria econômica do Ministro João Paulo dos Reis Velloso. Era o que havia de mais avançado na época. Topei na hora.

À noite, apareceu no programa o senhor Alencar Mesquita, suposto chefe da assessoria econômica de Velloso. Foi uma entrevista curiosa. Ele não respondeu a nenhuma pergunta sobre economia. Sempre se safava com o mesmo argumento:

  • Tenho uma visão política da economia.

E não apresentava a tal visão política.

Terminado o programa, convidou-me para jantar. E pagou o jantar. Depois, me pediu carona até o hotel em que estava hospedado. Alegou que tinha um Ford Landau (o mais caro automóvel da época), mas estava na oficina. Também não entendi. Se a base dele era Brasilia, porque teria um Landau em São Paulo?

Deixei-o em uma birosca no Largo Paisandu, que certamente não estava à altura do chefe da assessoria econômica de Velloso.

No dia seguinte, de manhã, mandei uma pauta para a sucursal de Brasil pedindo informações sobre ele. Na assessoria de Velloso, ninguém tinha a mínima ideia sobre quem era Alencar Mesquita.

Nos dias seguintes, ele passou a me ligar diariamente, com informações das mais estapafúrdias. E pedindo para publicar artigos. Nada conseguiu.

Certo dia, vou à Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, para uma conversa com Alkimar Moura, e encontro Alencar Mesquita, bem vestido, saindo de uma classe.

  • Ué, o que você está fazendo aqui?

E ele:

  • Estou dando aula.

Não acreditei. Na conversa com Alkimar perguntei o que estava acontecendo. E ele me contou que os alunos estavam em pé de greve para tirá-lo da escola, por não dominar nenhum tema econômico. Depois, meu amigo Clóvis Bueno de Azevedo, na época cursando a FGV, confirmou as reclamações.

No domingo seguinte, outra surpresa: Alencar Mesquita participando do programa “Crítica e Autocrítica”, que a Gazeta Mercantil tinha na TV Bandeirantes. E como entrevistado.

Naquele momento, tive certeza de que o mundo enlouquecera.

Por aqueles dias, uma repórter de Economia do Estadão passou bufando pelo salão do JT. Perguntei o que tinha acontecido.

O editor de Economia do Estadão, Eduardo Martins – que, na verdade, era especializado em literatura – havia pautado uma entrevista com Alencar Mesquita. Saiu a entrevista e o jornal recebeu uma enxurrada de reclamações, em relação aos erros de conceito de informação. Alencar alegou que o erro tinha sido da repórter. E, agora, ela era incumbida de nova entrevista, para corrigir os erros.

Falei para ela alertar Eduardo Martins que Alencar era um falsário. Contei o que sabia dele. Meia hora depois ela passa por mim, desanimada:

  • O Eduardo Martins disse que basta o jornal encontrar um bom economista liberal para os esquerdistas começarem a queimá-lo.

Dias depois, vem a notícia de que a policia havia prendido Alencar Mesquita como estelionatário. Solidário com o ex-consultor, Eduardo Martins abriu uma página do jornal para que ele pudesse se defender.

No dia em que saiu a entrevista, na reunião de pauta do JT o secretário Laerte Fernandes veio festejar:

  • Nassif, livrei você de uma boa. O Alencar Mesquita declarou que era alvo de uma conspiração das multinacionais, do Pão de Açúcar e sua, e consegui tirar seu nome da entrevista.
  • Mas, Laerte, seria a minha consagração!

Nos dias seguintes, descobrimos a estratégia de Alencar Mesquita. Era bom imitador. Então ligava para pessoas, fazendo-se passar por algum economista conhecido, recomendando o seu nome. No caso da FGV, imitou Adroaldo Moura da Silva no telefonema para Oliveira Lima, diretor do Departamento de Economia.

Fez o mesmo com a Gazeta Mercantil. Só não colou com a Cooperativa Agrícola de Cotia, dirigida por japoneses cautelosos.

Ele ligou para lá, fazendo-se passar por algum Ministro japonês – não me lembro de Shigeaki Ueki ou um outro, que passara pela Agricultura. E recomendou a ele próprio como grande especialista em contabilidade.

Os japoneses, então, colocaram Alencar Mesquita em uma sala com livros de contabilidade da cooperativa. E não saiu nada.

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Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Bem, o Estadão mantém até hoje o Guzzo. Não sei se por exigência dos Mesquitas ou por gratidão do Euripedes. Mantendo o nível. Por sinal, história ótima.

  2. Bom dia, Nassif.
    Lendo seu texto sobre os erros de gestão de Abílio Diniz, não me furtei em relembrar diversos casos parecidos que presenciei em minha vida profissional, primeiro em grandes multinacionais e de 1993 a 2018 como consultor em Gestão de Projetos e Manutenção Industrial em empresas nacionais e multinacionais de grande porte também.
    A quantidade de Diretores e Gerentes despreparados cometendo erros gravíssimos para se manter no “PODER” em cargos nas empresas é impressionante e só quem conhece a nossa Gestão Industrial entenderia as histórias de indicadores manipulados, promoções equivocadas, demissões mais equivocadas ainda, decisões sem nenhum sentido e diversas aberrações…
    Com isso nossa indústria é improdutiva, com índice de eficiência global – OEE 85% e o GOVERNO ainda subvenciona a folha de pagamento desses incompetentes e irresponsáveis…
    Só uma historinha: Estava implantando um Projeto de Gestão em uma empresa grande de Manaus e o dono me chamou e disse que teria que demitir algumas pessoas para reduzir as despesas. Ponderei com ele que seria um erro no meio do projeto ele demitir pessoas que estavam se empenhando e que poderia contaminar os outros mas, ele foi irredutível e demitiu uns 20 funcionários de diversas áreas.
    Na semana seguinte apareceu na fábrica com um carro BMW que eu nunca tinha visto em nenhum lugar e que em Manaus nem tinha mecânico especializado para as revisões. TOP de linha e uma fortuna. Chamou todos os gerentes para conhecer sua “JÓIA” e acabada a sessão de puxa-saquismo eu o convidei para uma reunião e lhe disse em alto e bom som que ele estava cometendo um SUICÍDIO EMPRESARIAL porque o valor daquele carro era mais de duas vezes a redução de custo que ele queria com as demissões e que os funcionários não eram idiotas e ele teria que enfrentar um período de boicote e aumento das perdas…NÃO DEU OUTRA. Manos de 06 meses ele teve que vender a empresa porque não teve como mantê-la…eu não estava mais desenvolvendo o projeto porque me recusei a ser cúmplice de tamanha ignorância empresarial.
    Um abraço,

    Marcio Cotrim

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