do Observatório de Geopolítica
Bestializados somos nós
por Felipe Bueno
“Todo sistema de dominação, para sobreviver, terá de desenvolver uma base qualquer de legitimidade, ainda que seja a apatia dos cidadãos.”
Conheci as palavras de José Murilo de Carvalho não por vias acadêmicas, ainda que pelas mãos de um grande professor, o jornalista José Márcio Mendonça, também filho das Minas Gerais, que nos deixou faz um sentido tempo.
Era a virada não apenas da década, mas do século. Meu universo intelectual estava em formação – espero que siga assim até hoje. Explorava, por um lado, os caminhos da literatura: Machado, Graciliano, Pessoa, Camus, Saramago; por outro, conversava com Os Pensadores, em itálico e caixa alta mesmo, porque era mais barato ter acesso aos grandes filósofos pela famosa coleção da Editora Abril.
O ambiente acadêmico me apresentava, na História, os nomes brasileiros clássicos – Sérgio Buarque, Caio Prado e Gilberto Freyre. No Jornalismo, a então efervescente Escola de Frankfurt.
Assim como hoje, era difícil comprar livros: no meu caso, antigamente, porque o dinheiro era escasso; atualmente porque boa parte da sociedade se esqueceu de que eles existem, e as livrarias e bibliotecas definham.
Um dia, pois, do Zé Márcio veio a indicação – e a palavra do velho era lei. Logo depois estava em minhas mãos Os Bestializados, primeira edição de 1987, volume que carrego comigo até hoje, amarelado e sempre receptivo a rabiscos e anotações que foram se repetindo com o passar dos anos.
O professor José Murilo me ajudou a abrir os olhos para vários aspectos da História e da realidade do Brasil. E não seria um texto de dois, cinco ou dez mil caracteres suficiente para resumir suas linhas de pesquisa, descobertas e conclusões.
Mas ouso rascunhar um parágrafo: somos uma população cuja maioria nunca se deu conta de que faz parte de uma sociedade. Por ignorância ou comodismo, se realizou preocupada apenas com sua própria vida, permitindo a poucos espertos que se tornassem seus representantes e dirigentes. Ajudou a construir castas, civis e militares. Depois, aprendeu a crítica fácil, mas raramente entendeu as palavras que saíam da própria boca. Buscou o verniz, mas não havia a estrutura para envernizar.
A República que não foi, esse é o subtítulo de seu livro clássico. Talvez nunca seja, é o mais provável.
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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