Ditão Virgílio, por Laura Ferraz

O contador de estórias do Saci e seus amigos, escritor, poeta, mestre de cultura popular caipira

Arquivo pessoal

Ditão Virgílio, famoso contador de estórias do Saci e seus amigos, escritor, poeta, mestre de cultura popular caipira, inventor do “Cordel Caipira”, ícone e referência em São Luiz do Paraitinga (SP) e região. Ditão Virgílio faleceu dia 26.

por Laura Ferraz, de São Luiz do Paraitinga (SP)

Tinha o Ditão Virgílio, famoso contador de estórias do Saci e seus amigos, escritor, poeta, mestre de cultura popular caipira, inventor do “Cordel Caipira”, ícone e referência em São Luiz do Paraitinga e região. Muito conhecido, admirado e respeitado. E tinha o Ditão, nosso grande amigo, inesquecível e inigualável. Nunca vi tanto amor genuíno.

Ele adorava dizer que nosso encontro foi mágico, e foi mesmo! Um casal jovem topa um convite pra subir a serra e participar de um evento cultural na cidadezinha vizinha a Ubatuba, com 3 caixas de cerveja e nenhuma ideia de que isso mudaria nossa vida pra sempre. Vendemos apenas uma, sim UMA, garrafa de Madona e adivinha pra quem? Pois é. E ali nasceu uma amizade grande, bonita e intensa como ele. Primeiro conhecemos o Ditão, só depois o Virgílio.

Quase todo fim de semana a gente subia a serra de Kombi e ficava no sítio dele, uma acolhida calorosa dele e da Help. Começava com a degustação dos hidroméis que ele fazia no fogão a lenha, com todo cuidado e respeito que tinha com as abelhas. Falava sobre elas, a natureza, o saci, o eucalipto e tantas coisas mais. Fazia a melhor galinha caipira com quiabo que já comi, e a quirerinha que tanto gostava. Às vezes me levava no galinheiro pra escolher um ovo caipira pra comer junto ou pegava peixe pra gente fritar e se deliciar. Anoite a gente ia pra cidade beber cerveja em algum lugar e voltava só de madrugada. Nem sempre eu aguentava acompanhar o ritmo da molecada e brincava “Quantos anos você tem Ditão?” e ele debochava “Por fora não sei, não lembro, por dentro acho que 16 !”. De manhã acordava com o cheiro da lenha queimando e ele me dava café e um gole de hidromel geladinho pra curar a ressaca. Levava a gente no alto da montanha pra ver o mar de morros e sempre falava do quanto amava essa terra que era seu berço, lar, grande amor, São Luiz do Paraitinga.

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Decidimos vir morar aqui em 2017, em grande parte por causa dele. Se duvidasse ele colocava a gente pra morar junto com eles! Uns meses depois da mudança, encontrei ele no quatro cantos e ele disse que eu tava bonita e colocou a mão na minha testa pra ver se tava febril, depois ficou olhando pra minha barriga. Eu já sabia, mas quase ninguém sabia, quer dizer, ele sabia! O netinho João tava no forninho, em junho ou julho daquele ano ele fez em parceria a música do São João “Lá vem o João, de mastro e bandeira, descendo a ladeira das nuvens do cééééu…”, e tirava onda comigo dizendo que eu grávida era o balão! Depois que João nasceu o “mêsversário” de 1 mês dele foi no sítio do Ditão, pertinho do fogão a lenha pra aquecer o recém nascido no frio luizense. Uma vez chegou às 8h no nosso sítio, buzinando e comemorando o prêmio do júri popular que havia ganhado. Começamos cedo a beber uma Madona que Ditão adorava e sempre dizia que era tão boa e amarguinha…sempre nos apoiou, incentivou, divulgou e celebrou! Onde a gente estivesse ele tava junto e vice-versa. Inclusive no dia que Lula ganhou o segundo turno a primeira pessoa que abracei bem forte na praça foi ele! A alegria era tanta, todo mundo vibrando, gritando, pulando, chorando! A democracia venceu, o amor venceu o ódio.

Vivemos momentos intensos e doces, como ele era. Meu amigo saci, rebelde, contraventor, tinha uma voz que não era só dele, era dos caipiras que foram e ainda são muitas vezes estigmatizados e silenciados quando “ousam” entrar e falar em espaços onde não são bem-vindos. Ele se fez ouvir, levou sua cultura, seu passado e futuro pra tanta gente. Tem pessoas que vivem cada dia como se fosse o último e todo dia era Carnaval, festa, alegria para o Ditão. Muitas vezes incompreendido e julgado, porque sua genialidade vinha justamente da imperfeição humana que, como todos nós, ele carregava e não fazia questão de esconder. Era o que era, quer queiram ou não, um “Bicho do Mato” indomável como ele dizia. Ditão tinha orgulho da sua história e mesmo nos momentos mais vulneráveis, carregava um sorriso e brilho no olhar. Era o que era e era de propósito! Nunca será esquecido, te amamos verdadeiramente querido amigo. Obrigada, obrigada, obrigada.

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