Eliezer Baptista e o Avança Brasil

A morte de Eliezer Baptista priva o país de um de seus últimos construtores de nação. Criador da Vale do Rio Doce, do porto de Tubarão, do projeto Carajás, ex-Ministro de Jango, homem que revolucionou a logística marítima mundial, Eliezer pensava permanentemente no país.

Ao longo dos próximos dias irei publicando artigos relatando minhas conversas e experiências aprendidas com ele.

Eliezer e o Avança Brasil

Ainda no governo Covas, fechou-se o acordo de federalização da dívida paulista. A contrapartida seria São Paulo entregar à União os restos da Fepasa (Ferrovias Paulistas S/A), para serem integrados à Rede Ferroviária Federal.

Houve coletiva para a imprensa. Antes do evento, sentei ao lado do engenheiro Pavão, da Fepasa, que comentou que a integração poderia permitir o sonho de Eliezer Baptista, de integrar a malha ferroviária federal.

A ideia surgiu no final do governo Collor quando este, já baleado, nomeou uma equipe de notáveis. Eliezer aproveitou a brecha e montou um plano de desenvolvimento notável, não apenas pela capacidade de juntar técnicos de diversas áreas, trabalhando colaborativamente, mas pelo que ele gostava de mencionar, a visão holística – isto é, trabalhar cada caso levando em conta os diversos ângulos da questão.

Publiquei uma coluna na Folha, mencionando o trabalho. No dia seguinte, me liga Luiz Carlos Mendonça, presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) pedindo mais informações sobre o trabalho.

Descobrimos que o trabalho permanecera dormindo nas gavetas do Palácio, depois da posse de Itamar Franco.

Mendonça foi atrás e, com base nele, foi lançado o Programa Avança Brasil, que parecia se constituir na melhor contribuição conceitual à inovação da gestão pública. O modelo foi estendido para o Plano Plurianual, ajudando a organizar o orçamento e a tentar criar a figura do gerente de projeto, articulando as ações entre os diversos ministérios.

Mas os resultados concretos foram decepcionantes. Na prática não funcionou o sistema de gerente de projetos e praticamente não houve investimento externo.  O próprio Eliezer me relatou os principais erros cometidos.

Pai da Vale do Rio Doce, do porto de Tubarão, de Carajás-, homem que revolucionou o transporte transoceânico mundial, Eliezer sempre se caracterizou por uma notável visão estratégica aplicada à realidade.

Em seus trabalhos originais, que serviram de base para o Avança Brasil, Eliezer privilegiava a integração do país, em eixos de infra-estrutura, mas sob a ótica econômica. Era suficientemente pragmático para focar nos recursos já disponíveis, naquilo que o país já dispunha, e tratar de atrair rapidamente investimentos para acelerar o trabalho.

Em sua opinião, no Avança Brasil, privilegiou-se uma visão geo-econômica, com erros de avaliação que comprometeram o trabalho. Na verdade, o gerente do programa, José Paulo Silveira, sempre foi um tocador excepcional. Mas faltou o formulador. E a notável auto-suficiência de Fernando Henrique Cardoso acabou fazendo ouvidos moucos para os alertas que recebeu.

O primeiro erro, segundo Eliezer, foi trocar a visão federativa pela visão regionalizada –pensar regiões em vez de estados— e a visão econômica pela visão interdisciplinar –tentando focar simultaneamente aspectos econômicos, sociais, tecnológicos. No papel, a idéia era ganhar sinergia, e aqui mesmo se louvou essa intenção. Na linha de frente, no entanto, criou-se um imbróglio monumental que tornou impossível a gestão do projeto.

Segundo avaliação do Ministério do Planejamento, os gerentes de projeto eram incumbidos de articular a ação entre ministérios. Mas os projetos foram montados com cabeça de engenheiro, não de administrador. Os gerentes acabaram figuras estranhas dentro da máquina, sem nenhum poder de articulação.

Outro erro, segundo Eliezer, foi amarrar os investimentos privados à perspectiva de novos investimentos públicos, e não ao que já existia. A idéia era a de que um novo investimento público viabilizaria um conjunto de novos investimentos privados —conceito, aliás, que no papel parecia ótimo, tanto que defendi várias vezes na coluna.

Na prática, segundo ele, trocou-se um pássaro na mão por uma revoada de pássaros voando. Não se levaram em conta restrições orçamentárias nem a estratégia adequada de atração de investidores internacionais. Com a crise do orçamento não houve novos investimentos públicos, abortando a estratégia.

Finalmente, na integração da infra-estrutura latino-americana, segundo Eliezer, o programa acabou esbarrando em uma visão de Fernando Henrique Cardoso alienada da realidade do continente e na pouca visão política internacional.

No começo a idéia era envolver o BNDES e a CAF –o banco de desenvolvimento do bloco andino, considerado muito eficiente. Permitiu-se a entrada do BID, onde a influência norte-americana é mais forte. Depois, juntaram-se os países e solicitaram-se dois projetos de cada um, sem atentar para as diferenças entre eles. Há países sem condições sequer de apresentar um projeto. Mais uma vez deixou-se de lado o aspecto econômico para se concentrar em um jogo diplomático sem resultados práticos.

Com o tempo, Eliezer e outros construtores do Brasil – como Dias Leite – perceberam a total falta de interesse de Fernando Henrique em projetos estruturantes, na própria construção da nacionalidade.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Os legados do engenheiro Eliezer

    Prezado Nassif,

    Sobre os legados de Eliezer Batista, acho oportuno uma conversa ou entrevista com três ex-embaixadores:

    1) Sobre o legado da/na Vale e para a logística brasileira: embaixador e tradutor Jório Dauster (ex-presidente da CVRD, também teve papel no governo Collor, quando foi nomeado como negociador-chefe da dívida externa)

    2) Sobre o legado na SAE e do projeto Avança Brasil: embaixador Ronaldo Mota Sardenberg (ex-secretário da SAE no governo Fernando Henrique)

    3) Sobre o legado do pensar estratégico e da inserção internacional do Brasil: embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

    O adensamento das relações de Eliezer Batista com o Japão também acredito serem dignas de notas. Talvez, nesse sentido, uma conversa com o economista Paulo Yokota (http://www.asiacomentada.com.br/2012/08/eliezer-batista-construiu-a-ponte-para-o-oriente/) pode ser útil.

    Abraços,

     

     

     

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