Reinaldo: o craque da resistência política no futebol brasileiro, por Gianluca Florenzano

Foi, no entanto, com suas palavras e seus gestos simbólicos, que o “Rei do Mineirão” conseguiu conquistar os corações e as mentes

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Reinaldo: o craque da resistência política no futebol brasileiro

por Gianluca Florenzano

Um mágico com a bola nos pés e um libertário com as palavras. Sem dúvidas, podemos descrever dessa maneira a trajetória profissional e pessoal de José Reinaldo de Lima, conhecido popularmente como Reinaldo, que no dia 11 de janeiro completará 67 anos.

Dentro de campo, nas décadas de 1970 e 1980, com sua destreza, força, ginga e gols, ele encantou os amantes do futebol, especialmente a torcida do Atlético-MG, time pelo qual levantou muitas taças ao longo de sua carreira.

Fora de campo, no entanto, com suas palavras e seus gestos simbólicos, que o “Rei do Mineirão” (como carinhosamente foi apelidado pela torcida atleticana) conseguiu conquistar os corações e as mentes dos brasileiros.

Enquanto Reinaldo brilhava dentro dos gramados, fora deles, naquela época, vigorava o reinado de terror da ditadura militar brasileira. Aproveitando-se da enorme capilaridade social que o futebol tem, os militares buscavam tornar o esporte uma verdadeira máquina de propaganda ideológica de seu regime político-social.

Em palavras mais claras, conforme a crença dos detentores do poder daquele período, o futebol constituía-se nada mais nada menos do que o ópio do povo, ou seja, um mecanismo para distrair as massas dos reais problemas do país e impedir que elas se rebelassem.

O feitiço, na verdade, se voltaria contra os feiticeiros. Se, do ponto de vista da ditadura militar, o esporte bretão (como o futebol também é conhecido) era o ópio do povo, da perspectiva dos setores do campo progressista, ele se tornaria um instrumento capaz de despertar as massas para lutar pela democracia.

Desse modo, durante a vigência do autoritarismo militar, no esporte como um todo, mas principalmente no futebol, emergia uma classe de atletas-politizados, ou seja, jogadores que estavam dispostos a não apenas batalhar pela bola dentro de campo, mas sim a lutar lado a lado com o povo por práticas de liberdade que levariam a sociedade brasileira para um caminho mais democrático e justo.

Dentre esses atletas, quem se destacava era justamente Reinaldo. O craque e ídolo do Atlético-MG foi um dos primeiros a se colocar publicamente contra a ditadura brasileira. Sua afronta aos militares quase lhe custou sua participação na Copa do Mundo da Argentina de 1978 (os argentinos, naquela época, também viviam sob um reinado de terror de um regime autoritário). Porém, isso não o intimidou. Longe disso, fez ele ir além.

Ao contrário do que acontece hoje em dia, em que uma parcela significativa das celebrações de gols são voltadas para o marketing pessoal, o Rei do Mineirão fazia um chamado social. Por meio do gesto simbólico dos punhos cerrados do Black Power, ele denunciava a repressão política e instigava a população a participar ativamente na luta contra o racismo no Brasil.

Reinaldo, dessa maneira, com seus punhos fechados e erguidos para cima, desmascarava diante de multidões o mito da “democracia racial brasileira”, discurso que declarava o país como um paraíso racial onde brancos, negros, indígenas e as “demais raças” conviviam em harmonia entre si, livres de qualquer tipo de preconceito.

Essa tese, na verdade, originou-se nos anos 30 do século XX e foi retomada e atualizada pela ditadura para fazer uma contrapropaganda das reivindicações dos movimentos negros que começavam a emergir na década de 1970.

Infelizmente, esse falso discurso ainda encontra espaço no imaginário social brasileiro. Para se ter uma ideia, foi apenas em 20 de novembro de 1995, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, que o poder público reconheceu pela primeira vez que os negros foram e ainda são vítimas de preconceito racial.

Reinaldo, por conta de problemas físicos e lesões, pendurou as chuteiras precocemente aos 31 anos em 1988. Entretanto, seu legado está presente até os dias de hoje nos estádios espalhados pelo país.

Seus gols espetaculares, com certeza, marcaram uma geração de torcedores, especialmente do Galo (como o Atlético-MG foi apelidado). Mas, sem dúvida alguma, o que ficou guardado na memória dos brasileiros foi o significado da sua comemoração de gol.

Se os pés do craque mineiro não conseguem mais chutar uma bola, ao menos não com tanta precisão como antigamente, seus punhos erguidos ainda fazem florescer a luta antirracista no Brasil.

Gianluca Florenzano (mestre em ciências sociais pela PUC-SP e jornalista).

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