Sonhando em voz alta com Luiz Tatit
por Aquiles Rique Reis
Luiz Tatit está na praça com seu quinto CD solo: Palavras e Sonhos (Dabliú). Cantor com voz delicada, um compositor cuja verve o faz ser destaque na cena musical brasileira, Tatit gravou treze de suas composições. Seis são apenas suas e sete são parcerias, em que criou versos para Emerson Leal, Dante Ozzetti, Marcelo Jeneci, Vanessa Bumagny, Zé Miguel Wisnik e Arthur Nestrovsky. Para mais ajudá-lo, Ná Ozzetti, Marcelo Jeneci e Jussara Marçal fazem participações especiais.
“Mais Útil” (Luiz Tatit) inicia-se com sanfona (Gabriel Levy) e bateria (Sérgio Reze) marcando a melodia e o compasso. Logo a sanfona passa a triscar as notas, numa levada de esperta leveza – na sequência, a harmonia está com ela. E chega o vocalise da moçambicana Lenna Bahule. Em meio ao violão (Luiz Tatit), à bateria e à sanfona, a mixagem de Jonas Tatit (ele que também é o produtor musical do disco) deixou sua voz bem no fundo, apenas o suficiente para mais senti-la do que ouvi-la, mas dando-lhe realce quando canta em uníssono e em terças com Tatit. A letra deixa claro o que Tatit sonha enquanto canta. E essa sensação se mantém em todos os versos ao longo da audição do CD.
Após uma curtíssima virada da bateria, tem início “Diva Silva Reis” (LT). Enquanto a guitarra (Webster Santos) e o baixo (Danilo Penteado) conduzem a harmonia, uma programação eletrônica (Jonas Tatit) marca o contratempo da levada. Lá está novamente a voz de Lenna Bahule. Desta feita, seus vocalises estão mais presentes. Novamente em terças, ela faz duo com Tatit. Tocando à la mariachi, trompete (Nahor Gomes), sax tenor e barítono (Gabriel Milliet, ele que é também arranjador dos sopros) incrementam o clima efusivo da música. Antes de um belo desenho vocal, expressão da inventividade que permeia o álbum, Lenna faz misérias junto com o sopros, com vocalises em contrapontos e uníssonos que fazem sua voz soar como outro instrumento. Volta a bateria, tendo a guitarra a sacudi-la. Logo o protagonista é o sax barítono. A forte pegada pop realça o canto de Tatit – aliás, poucos são tão pop quanto ele. E todos vão à frente em busca do ápice que levará ao final.
Violão de aço (Jonas Tatit), violão de náilon (Luiz Tatit), baixo e piano (Danilo Penteado) e bateria acrescentam leveza a “Feitiço da Fila” (LT), uma valsa delicada e bela.
“Das Flores e Das Dores” (Emerson Leal e LT), outra música cuja fineza salta aos olhos, tem levada em compasso seis por oito. Um intermezzo, com baixo e programação eletrônica, acende a fonte luminosa que clareia os versos de Tatit.
Tatit e Lenna Bahule (ela e Jussara Marçal também fazem vocalizes) dividem o canto em “Musa da Música” (Dante Ozzetti e LT), outra composição tão pop quanto pop são a música e a poesia de Tatit. Vigorosa, a bateria segura as pontas e faz crescer o alento pelo sonho musicado e vocalizado. Rara, a voz, de Lenna soa ainda mais delicada por seu sotaque.
A obra de Tatit é alegoria sonhada em voz alta.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
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Tatit injustamente pouco lembrado
Felicidade
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Não sei porque eu tô tão feliz
Não há motivo algum pra ter tanta felicidade
Não sei o que que foi que eu fiz
Se eu fui perdendo o senso de realidade
Um sentimento indefinido
Foi me tomando ao cair da tarde
Infelizmente era felicidade
Claro que é muito gostoso
Claro que eu não acredito
Felicidade assim sem mais nem menos é muito esquisito
Não sei porque eu tô tão feliz
Preciso refletir um pouco e sair do barato
Não posso continuar assim feliz
Como se fosse um sentimento inato
Sem ter o menor motivo
Sem uma razão de fato
Ser feliz assim é meio chato
E as coisas nem vão muito bem
Perdi o dinheiro que eu tinha guardado
E pra completar depois disso
Eu fui despedido e estou desempregado
Amor que sempre foi meu forte
Não tenho tido muita sorte
Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida
E feliz da vida!!!
Não sei porque eu tô tão feliz
Vai ver que é pra esconder no fundo uma infelicidade
Pensei que fosse por aí, fiz todas terapias que tem na cidade
A conclusão veio depressa e sem nenhuma novidade
O meu problema era felicidade
Não fiquei desesperado, não, fui até bem razoável
Felicidade quando é no começo ainda é controlável
Não sei o que foi que eu fiz
Pra merecer estar radiante de felicidade
Mais fácil ver o que não fiz
Fiz muito pouca aqui pra minha idade
Não me dediquei a nada
Tudo eu fiz pela metade, porque então tanta felicidade
E dizem que eu só penso em mim, que sou muito centrado
Que eu sou egoísta
Tem gente que põe meus defeitos em ordem alfabética
E faz uma lista
Por isso não se justifica tanto privilégio de felicidade
Independente dos deslizes dentre todos os felizes
Sou o mais feliz
Não sei porque eu tô tão feliz
E já nem sei se é necessário ter um bom motivo
A busca de uma razão me deu dor de cabeça, acabou comigo
Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser conseqüente
Mas desisti, vou ser feliz pra sempre
Peço a todos com licença, vamos liberar o pedaço
Felicidade assim desse tamanho
Só com muito espaço!