CREDO
Eu acredito no amor
de porta de banheiro de muro pichado de acento de ônibus
de alto de prédios de orelhão quebrado
No amor que singra as pontes do Recife ao meio dia
que corre pra cruzar a rua
driblando buzina no meio da vida
no amor que xinga e colhe uma flor
corresponde um aceno
acredita em destino e acaso
ama e odeia ao mesmo tempo
Eu acredito no amor de Eurídice e Orfeu
no amor que desce ao inferno e volta de mãos vazias
no amor de Medéia, de julieta e no meu
que não ultrapassa o clichê de um sonho de padaria
Eu acredito no amor de uma criança
por seu cachorro e seu boneco
sem fazer distinção de afeto, porque em ambos lhes cabe vida
no amor pelo feio, pelo disforme, pelo que é ignorado
no amor que zela e machuca com veneno e cuidado
Eu acredito no amor de Nena por sua bodega
no de Deja por seu Jardim no de Seu Castelo por sapos
no de Dona Chocha pelas roupas e no de Angela por seus gatos
acredito no amor que corre as ruas da minha infância
no amor que dá bom dia
que ajuda uma velha a segurar sacolas
ou no amor que empresta seu ombro como guia
pra atravessar o delírios das horas mortas
acredito no amor da minha mãe por mim e
mais ainda pelo vício de cigarro com coca-cola
no amor que acontece nos becos, as escuras, sobretudo
e todo amor que nasce proibido e permanece clandestino
a espreita pra quem sabe se tornar público
no amor de duas vulvas
no amor entre dois falos
no amor que se embaraça
e serena pra findar grisalho
no amor que não tem número
que geme, rosna e grita
vulnerável, enciumada
infiel e homicida
de posse e possessão
amor que supera as distâncias
da convivência
que muda de calçada nas brigas
e se mostra mais amor em complacência
e não sucumbe aos apelos da liberdade ou de uma prisão
amor de banco de praça
que desalinha
mas depois entrelaça
amor que se despede
se desespera
se despedaça
amor que não cabe num ínfimo segundo em que a morte o assalta
Luna Vitrolira
O AMOR
É feito bala perdida
que acerta um desavisado
ao cruzar a rua
Ao dobrar a esquina
Às vezes vem num soco
Às vezes num grito
O amor às vezes é isso
Uma panela de água fervendo
no rosto de alguém querido
às vezes esmola
às vezes migalha
que se devolve com um tiro
ou acaba em facada
o amor tem medo da vida
uma hora eleva
na outra arrasta
desconfia da sorte
tem medo da falta
O amor corresponde à entrega
com uma rasteira e às vezes mata
De tirania
De asfixia
de ciúme
De raiva
Como alguém que se alimenta
e de repente engasga
Luna Vitrolira
Há Dias
Há dias em que necessito silêncio
e não quero me mexer
e não quero falar
e não quero abrir os olhos
nem sair de dentro de mim
Há dias em que sou paz e guerra
tumulto condensado em meu tumulo
alguém que tenta ler o futuro no lodo das horas
procurando sonhos dentro de um balde
Há dias tenho sono
vivo exausta da ignorância alheia
E sinto saudade do pé de manga da minha rua
onde eu empinava pedras e não pensava na morte
Luna Vitrolira é poeta, declamadora, atriz e performer integrante na nova geração de escritores que compõem a cena artística de Pernambuco. Com seus espetáculos poético-musicais de récita performática, Não Os Queríamos Sagrados e Sala de Estar, Luna tem participado de importantes eventos literários como a Balada Literária/ SP; Festipoa Literária/RS; CLISERTÃO/ PE; Festival Internacional de Poesia do Recife/PE; Jornada Literária Portal do Sertão/PE; Bienal do Livro de Pernambuco/PE e outros. Seu primeiro livro intitulado Passional tem lançamento previsto para o segundo semestre desse ano de 2016.
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