As revoltas árabes, por Rami Khouri

Da Folha

ENTREVISTA DA 2ª RAMI KHOURI

Revolta árabe relativiza força de grupos islâmicos

PARA PROFESSOR DA UNIVERSIDADE AMERICANA DE BEIRUTE, ISLÃ É SÓ COADJUVANTE EM MOVIMENTO DE JOVENS DESEMPREGADOS

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

As revoltas populares nos países árabes, iniciadas com protestos de jovens e desempregados, mostram que há na região outras forças além dos grupos de orientação islâmica -fantasma invocado com frequência para manter regimes ditatoriais. “Esses grupos [político-religiosos] estão cientes de que o movimento não foi liderado por eles. A maioria dos que protestam não o faz em nome do islã”, afirma Rami Khouri, americano de origem palestina que é um dos mais respeitados analistas do Oriente Médio.

Para ele, os manifestantes que estão nas ruas de Tunísia, Egito e outros países somam insatisfações múltiplas, do custo de vida à repressão política, mas não têm um programa político. “Quando houver eleições livres é que teremos a chance de ver quais são as preferências das pessoas”, diz Khouri, que alerta ser cedo para prever se o movimento levará à instalação de sistemas democráticos. Ele falou à Folha por telefone, de sua casa em Beirute, onde dirige o Instituto de Política Pública e Assuntos Internacionais da Universidade Americana.

Folha – Diz-se que, sobretudo na Tunísia e no Egito, os protestos são organizados por jovens, com pouca participação de outros grupos. O sr. tem a mesma avaliação?
Rami Khouri – Há alguns grupos organizados, como sindicatos, mas começou com jovens desempregados e outros setores aderiram.

OsprOs protestos refletem as insatisfações da maioria da população com esses regimes?

Sim. Há muitas insatisfações, e é isso que faz esse movimento crescer, mesmo quando ele brota espontaneamente.
Elas incluem o custo de vida, a falta de empregos, os salários baixos, o abuso de poder, o enriquecimento dos que estão no poder e de suas famílias, a corrupção, a falta de liberdade, de dignidade, de direitos humanos.
Há queixas diferentes que, juntas, ganham força. E isso motiva as pessoas a se rebelarem.

O sr. incluiria os protestos no Iêmen nesse quadro?
Em geral, sim. São países diferentes, claro, mas no Iêmen há pobreza, desemprego, e o regime de Ali Abdullah Saleh dura mais de 30 anos. As pessoas estão cansadas. Há uma série de insatisfações comuns à região.

O sr. tem alguma previsão sobre o que ocorrerá no Egito?
É difícil prever. Mas o que está claro é que, uma vez que há milhares de pessoas nas ruas desafiando a polícia, isso significa que elas não temem mais o aparato de segurança do regime.
No entanto, elas não têm necessariamente um programa político a implementar.

Isso é um desafio quando se pensa em como esses movimentos podem levar a uma democratização real, não?
Não sabemos como essa força será canalizada e transformada em um novo sistema de governo. Esperamos que seja democrático e transparente.
O que acontecerá depende também das Forças Armadas, dos serviços de segurança, de atores estrangeiros, da vontade das pessoas, de se os atuais regimes decidirão ou não fazer tudo para se manter. Não está claro se no Egito e no Iêmen haverá mudança.

A participação de grupos e partidos de orientação islamista, como a Irmandade Muçulmana egípcia, foi lateral no início dos protestos. Como analisa isso?
Esses grupos estão satisfeitos pelo fato de que o regime tenha sido derrubado na Tunísia, mas também cientes de que não lideraram o movimento que levou a isso.
Isso indica que há outras forças na sociedade que podem fazer o que os islâmicos não foram capazes de fazer.
Em algum nível, esses movimentos desacreditaram as forças político-religiosas, ou pelo menos reduziram seu tamanho presumido. A maioria das pessoas que protesta não o faz em nome do islã.

A ideia de que os grupos islâmicos são muito fortes pode ser relativizada?
É possível que sim, no sentido de que não foram impulsionadores das mudanças. Os islamistas fazem outras coisas que lhes dão credibilidade, como fornecer serviços básicos, desafiar Israel, reforçar o sentido de dignidade e identidade da população.
Mas, quando se tratou de derrubar o governo, como na Tunísia, não estavam na liderança. Isso cria outra força na sociedade, o que é positivo.

Forças de esquerda estão presentes nestes países?
Há movimentos esquerdistas, mas não muito fortes. Quando houver eleições livres, haverá um amplo espectro na disputa, forças tribais, islâmicas, nacionalistas árabes, progressistas, esquerdistas, capitalistas. E teremos chance de ver qual é a preferência das pessoas.

No Egito, o partido de Hosni Mubarak [Nacional Democrático], que oficialmente venceu eleições legislativas em 2010, tem uma base real?
Tem uma base muito limitada, pessoas beneficiadas com empregos e privilégios pelo fato de estarem no partido. Mas acho que é uma base muito estreita, como a de todos os regimes autocráticos. Se o partido deixa o poder, a base tende a desaparecer.

O [o ex-diretor da AIEA] Mohamed El Baradei, que voltou ao Egito na quinta, tem algum papel a desempenhar?
Ele deverá encontrar um papel, poderia até se tornar o presidente. Algumas pessoas gostam dele porque é um homem inteligente e decente, mas outras acham que ele ficou muito tempo longe e consideram a volta oportunista. Há avaliações discrepantes.

Os EUA arquivaram o projeto de “espalhar a democracia” no Oriente Médio quando o Hamas venceu as eleições de 2006. O que esperar dos governos ocidentais agora?
Eles foram apanhados de surpresa e sua atitude até agora foi discreta, dizendo que os governos não deveriam recorrer à violência e que as pessoas tinham o direito de se manifestar.
A maioria dos governos ocidentais deu uma prova de bancarrota moral e política sempre que se tratou de lidar com os direitos dos cidadãos árabes comuns.
Ou apoiavam os regimes ditatoriais ou apoiavam os democratas da boca para fora. A maioria teme a democratização da região.

Quais razões?
Teme-se que grupos islamistas se tornem populares, que os árabes livres sejam críticos dos EUA, que Estados árabes democráticos sejam mais duros com Israel ou negociem mais seriamente.

O sr. mencionou os sindicatos, que nos últimos anos organizaram algumas greves. Eles tiveram papel especial?
Há sindicatos bem organizados tanto no Egito quanto na Tunísia e alguns pediam mudanças há algum tempo.

O sr. vê relação entre o que ocorre nesses países e a eleição no Líbano de um premiê apoiado pelo xiita Hizbollah?
Não. Na Tunísia e no Egito há uma revolta popular. No Líbano há um jogo de poder, com atores locais e internacionais. 

Luis Nassif

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