Breve história de um juiz que tratava o Judiciário como poder político

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Baltasar Garzón foi condenado em 2012 por abuso de poder. Na ânsia de fisgar poderosos em um esquema que envolvia empresas, gestores e políticos, o juiz celebridade autorizou grampos telefônicos em presos, atingindo a comunicação com advogados

 

Jornal GGN – Para a opinião pública, Baltasar Garzón era um herói. A figura mais conhecida e polêmica do mundo jurídico espanhol. Sua fama extrapolou os limites geográficos quando decidiu levar aos tribunais casos de repercussão internacional, como a condenação do ditador chileno Augusto Pinochet e de repressores da ditadura militar argentina. Na Espanha, tentou aplicar corretivo a um esquema de corrupção envolvendo empresas contratadas pelo poder público, gestores e políticos do Partido Popular (PP). Em palestras, disparava, para a fúria de outros magistrados: “O Poder Judiciário é um poder político. Caso contrário, não serve para a sociedade. É preciso ter ideologia.”

Movido pela “ideologia”, Garzón ganhou os holofotes da mídia no final anos 2000. Mas a trajetória de ascensão ganhou freios em fevereiro de 2012. Naquele mês, ele foi condenado pela Supremo Corte da Espanha por abuso de poder. A pena? Afastamento dos tribunais por 11 anos. O motivo? Emprego de grampos telefônicos não previstos em lei no caso Gürtel. Foi praticamente o sepultamento da carreira de juiz, pois Garzón, à época com 56 anos, teria apenas mais três de toga pela frente quando a sentença fosse cumprida. Isso se não saísse derrotado de outras ações que pediam até mesmo sua prisão.

A bala de prata do juiz celebridade foi o caso Gürtel, uma investigação do Ministério Público sobre uma rede de corrupção que se espalhava por cidades como Madri e Valência, principalmente, administradas pelo PP – o mesmo partido que governava a Espanha na época da condenação de Gárzon.

Foi Gárzon quem aceitou a denúncia do Ministério Público e instaurou o inquérito, em 2009. Em pouco tempo, ao menos três dezenas de suspeitos, entre empresários e funcionários públicos, foram detidos preventivamente por envolvimento em fraude fiscal, suborno, tráfico de influência, entre outros crimes. Mais de 90% deles deixou o cárcere após depoimentos.

Quando a trama chegou oficialmente a políticos, o juiz enviou os autos para cortes superiores, que aceitaram o pedido de sigilo, mas aí já era tarde: o filme do PP já estava queimando.

As lideranças do partido não ficaram caladas: denunciaram às autoridades o vazamento semanal de informações sobre o caso Gürtel, a maioria em posse do juiz herói. Ainda durante a fase de instrução dos inquéritos, a pressão da opinião publica derrubou prefeitos e funcionários de vários escalões dos governos. Empresários eram afastados das chefias das companhias investigadas. Políticos eram desfiliados.

Em um dos vazamentos, a imprensa local noticiou que só o ex-tesoureiro do PP, o então senador Luis Bárcenas, teria recebido 1,3 milhões de euros em vantagens indevidas por intermediar contratos entre grandes empresas e governos. O Diário de Notícias da Espanha descreveu, em abril de 2010, que Bárcenas era apenas um dentre vários políticos que formavam uma “rede de favores, extorsão e comissões ilegais que funcionou durante mais de uma década à sombra do PP”. 

Na ânsia de fisgar poderosos, Gárzon ordenou o uso de grampos telefônicos em presos, para produzir provas, ou ao menos garantir que nada passasse batido pelos investigadores. A interceptação atingiu a comunicação com os advogados. A legislação espanhola permite que sejam feitos grampos apenas em casos de terrorismo. O juiz acabou sendo afastado do caso Gürtel – que, aliás, segue sem desfecho na Justiça.

Sete magistrados da Suprema Corte entenderam que Garzón teve uma atuação digna de um ditador ao “restringir arbitrariamente” o direito de defesa dos acusados do caso Gürtel. Para o órgçao, esse tipo de grampo telefônico “só se encontra nos regimes totalitários em que tudo é considerado válido para obter a informação que interessa, ou que se supõe interessar ao Estado, prescindindo das garantias mínimas para os cidadãos”. 

O juiz foi suspenso em 2010, e de quebra passou a responder a outro processo: Gárzon foi acusado de afrontar a lei da anistia aprovada pelo Parlamento espanhol em 1977, dois anos após o fim da ditadura, com o objetivo de investigar casos de mais de cem mil desaparecidos do franquismo e da guerra civil espanhola. Foi absolvido, afinal.

Em agosto de 2013, em entrevista ao jornal O Globo, Gárzon disse que teve um “componente político” no julgamento que interrompeu seus mais de 20 anos de carreira de juiz. Ele disse que, apesar disso, não se deixou abater. “Tenho trabalhado dentro e fora da Espanha como advogado, e boa parte desses trabalhos são gratuitos.”

À época, o escritório de Gárzon estudava se deveria entrar ou não em outro caso de repercussão internacional: a defesa do ex-consultor da Agência Nacional de Segurança (ANS) Edward Snowden, acusado de espionagem por Washington. Ele acabou desistindo do caso, e seguiu com seus projetos pessoais, negando que tenha pretensões políticas do tipo eleitoral. Sem abrir mão de encabeçar movimentos politizados junto à sociedade.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Espanhol em geral tem sangue
    Espanhol em geral tem sangue quente, são “homens”, ao contrário dos governantes bunda mole daqui, q deixam os juizinhos midiáticos deitar e rolar.

  2. clap clap

    Esse tal juiz Garzón deve ser mesmo um criminoso da pior espécie e merecia a cadeia pelo sofrimento que impôs às suas “vítimas”. Já as vítimas destas últimas, não vem ao caso. E a moral da história é que a Espanha é um país muito sério no trato de seus criminosos do colarinho branco, por supuesto.

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