Como explicar a um leigo que Lula é inocente

Os processos de Lula na Lava Jato sofreram reviravoltas e foram todos enterrados. Lula não deve nada à Justiça

O político Lula sorri e usa um óculos vermelho com as lentes em formato de estrela
Foto: Ricardo Stuckert

Faltando 13 dias para as eleições gerais de 2022, a campanha de Lula (PT) faz um esforço pelo voto útil na intenção de encerrar a disputa presidencial já no primeiro turno, em 2 de outubro. Lula precisa angariar votos da terceira via, que provavelmente será desidratada às vésperas do pleito.

Para além do voto útil, o CEO do instituto Quaest Pesquisas, Felipe Nunes, acredita que Lula pode estar sendo beneficiado pelo chamado “voto envergonhado”. Mas o que seria isso e o que tem a ver com a “inocência” de Lula?

Provocada pelas redes sociais, a Quaest conduziu um experimento que identificou que há eleitores tendendo a votar em Lula, mas que não expressam isso publicamente porque não sabem como responder aos críticos que resgatam a Lava Jato para questionar seu voto.

Nunes afirmou que o questionamento recebido por esses lulistas “envergonhados” é simples: como alguém pode votar em um candidato que foi preso? Se fosse um bumerangue, essa pergunta poderia voltar de outra forma: como explicar que Lula é inocente para um leigo em matérias penais?

Os processos de Lula

Os processos de Lula na Lava Jato sofreram reviravoltas na Justiça e foram todos enterrados. Uma parte voltou à estaca zero e não prosperou, depois que o Supremo Tribunal Federal reconheceu incompetência territorial da Vara Federal de Curitiba para julgar os casos. Outra parte foi anulada ou arquivada por falta de provas. O caso triplex, em especial, rendeu a Sergio Moro, em outro julgamento no STF, o título de juiz parcial – isto é, suspeito para julgar Lula. Todas as decisões do ex-juiz estavam contaminadas por seu viés antipático a Lula. Além de Curitiba, ex-presidente também foi absolvido por falta de provas em processos que tramitaram em São Paulo e Brasília. Foram mais de duas dúzias de vitórias e Lula não deve mais nada à Justiça.

Para entender o que diz a lei

Artigo publicado no Conjur por três juristas ajuda nessa missão de explicar a um leigo o que aconteceu com os processos de Lula. De forma simples, é preciso compreender e admitir, de uma vez por todas, que no Brasil, assim como em diversas partes do mundo, todas as pessoas são inocentes até que um juiz competente e isento analise eventuais acusações, pondere provas e decida por sua culpa.”

E Sergio Moro, frise-se, foi julgado pelo STF como suspeito (ou seja, parcial) no caso triplex. E para quem não lembra, a condenação do caso do sítio de Atibaia teve muito de “copia e cola” da sentença do triplex.

O GGN reproduz o artigo dos juristas abaixo:

Por Por Pierpaolo Cruz Bottini, Marco Aurélio de Carvalho e Sérgio Renault

Afinal, Lula é inocente?

No Conjur

“É um crime ludibriar a opinião pública, utilizá-la para uma tarefa de morte, pervertendo-a até fazê-la delirar” (Emile Zola, Eu acuso)

Circulam na internet mensagens, filmes e entrevistas que discutem a situação jurídica de Lula. Alguns afirmam que o ex-presidente não pode ser considerado inocente porque o Poder Judiciário apenas anulou seus processos, mas não julgou o mérito das acusações contra ele.

Há inúmeros processos em que ele foi efetivamente absolvido, logo, não há dúvidas sobre sua inocência nesses casos. Outros foram anulados sem julgamento de mérito. Qual seu status nesses casos específicos? A leitura da Constituição e dos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é parte pode esclarecer a questão.

O artigo 5º da Constituição — aquele que trata dos direitos e garantias fundamentais — dispõe no inciso LVII que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. No mesmo sentido, o Pacto de San Jose da Costa Rica prevê em seu artigo 8º, 2, que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. Todos inspirados na Declaração Universal dos Direitos Humanos que dispõe em seu artigo 11, I, que “todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Em palavras simples, todas as pessoas são inocentes até que um juiz competente e isento analise eventuais acusações, pondere provas e decida por sua culpa. Não há situação intermediária, relativa ou qualquer gradualismo: antes da decisão final do processo existe apenas inocência[1].

Não parece ser uma questão complexa, difícil ou sofisticada. Se uma pessoa não é acusada, se for acusada e não houver julgamento, ou se o julgamento for considerado nulo por não seguir as regras legais, ela é inocente.

Há quem insista que a inocência de Lula é uma quimera, uma vez que o ex-presidente já foi julgado e condenado e preso. Mais uma vez, com o costumeiro respeito: o processo que acarretou sua prisão foi declarado nulo e levado a cabo por um juiz reconhecidamente parcial. Como bem apontou o ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto no HC 164493/PR, onde se discutia a questão “o paciente (Lula) foi submetido, não a um julgamento justo, segundo os cânones do devido processo legal, mas a um verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos, sem a necessidade de maiores elucubrações jurídicas”[2].

Afirmar que Lula não é inocente deixaria Kafka constrangido. Não pelo absurdo, mas pela vergonha do autor tcheco em perceber a limitação de sua criatividade, que jamais alcançaria imaginar um contexto tão surrealista.

Imagine o leitor ver-se processado perante um juiz com o qual tem inimizade. Sofre conduções coercitivas, buscas e apreensões e fica preso por mais de um ano pelas acusações. Ao final do martírio, a Corte Suprema do país reconhece que o processo foi nulo, porque tramitou em lugar errado, e que o magistrado era incompetente e parcial, e desde o início buscou a condenação sem cuidar das provas e dos ritos legais.

Há algum alívio ao injustiçado leitor? Não. Mesmo depois de tudo, insistem que não existe inocência porque o mérito do seu caso não foi analisado.

Faustin Helie dizia que “é mais fácil formular uma acusação que destruí-la, como é mais fácil abrir uma ferida que curá-la”. No caso, em vez de suturar a ferida, decorrente de um processo nulo, uma parcela da sociedade celebra sua existência. Homenageia o uso político do processo penal, a violência institucional, sem se dar conta que carrega perigosos estandartes e canta arriscados hinos, cujos frutos podem colocar a perder tantos anos de lutas para conquistar e manter a legalidade e o Estado de Direito.

[1] Como bem afirmam Mauricio Zanoide de Moraes, Presunção de inocência no processo penal brasileiro, Lumen Juris, São Paulo, p. 454 e ss. E Aury Lopes Jr, Direito processual penal, SaraivaJur: São Paulo, 2018, p. 107.

[2] Sem grifos no original

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Redação

3 Comentários

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  1. Caro Nassif, também não me conformo com as diversas interpretações que dão, cada um a seu modo e interesse, sobre as condenações do Presidente Lula. Um dos argumentos, você sabe e o canalha do Moro usa para se justificar é que o ex presidente foi condenado nas 3 instâncias. Nassif, acho que precisa ser esclarecido ao povo em geral que provas, inclusive em questão penal só são feitas e discutidas até a 2a instância e, não podemos esquecer quem compunha a turma que julgou o presidente no TRF 4, em Porto Alegre. Todos aqueles desembargadores pela conhecida amizade com o Moro, também eram suspeitos. Assim, a partir dos acórdãos proferidos por eles, eivadíssimos de suspeição, é que as decisões do Moro foram mantidas no STJ e STF. Nassif, peço aos meus colegas citados por você, neste artigo, se manifestem sobre o que pra exponho.

  2. Importante essa explicação, embora todos já tenham convicção da inocência de Lula. A “convicção” contrária é tipicamente dallangnoliana.

  3. Artigasso maravilholindasso! Ah, não espero menos dos queridassos da GGN! Laicado e sherado imediatamente! Obrigada, pessoal! Voces são quidimais!

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