Demissão de professor no RJ: Justiça lava as mãos

O professor Breno Mendes, integrante dos quadros do magistério municipal do Rio de Janeiro, foi demitido em 04 de maio, por meio de ato administrativo da Prefeitura carioca.

A Prefeitura explorou princípios normativos do Estatuto do Funcionalismo Público Municipal, editado em 1979 (ainda em meio à ditadura civil-militar), que prescrevem determinados comportamentos aos servidores. Particularmente, mobilizou normas que vedam críticas públicas, feitas por servidores, à Administração, sob o imperativo da disciplina.

O professor Mendes, assim como inúmeros docentes, tecia questionamentos às escolhas de gastos públicos na educação e às iniciativas pedagógicas adotadas pela Prefeitura. Não raro, como uma miríade de tantos outros servidores, professores, no calor dos debates, inseria palavrões em suas críticas, realizadas em um fórum virtual de discussão, no Facebook, restrito aos docentes. A “violação” do código de ética foi o mote argumentativo para a decisão da Prefeitura em demitir a Mendes.

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Saiba mais: https://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/educacao-e-direito-a-opiniao-ameaca-de-demissao-de-professor-no-rio-de-janeiro

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Tendo participado das greves da rede municipal de ensino, em 2013 e 2014, Mendes revelou um candente ativismo digital e nas ruas, buscando estimular a dilatação da participação dos colegas. Difícil, pois, deixar de assinalar que a questão central que enreda a sua demissão tenha sido as críticas direcionadas à gestão educacional da Prefeitura, assim como o saliente ativismo do professor.

Imediatamente após a sua demissão, não foi pequena a repercussão nas redes sociais e nos (web)jornais. Também não foram poucas as manifestações de apoio público, como a carta de repúdio veiculada pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (RJ).

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Saiba mais:

Nota da AGB-RJ: https://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/agb-rj-posiciona-se-contra-demissao-de-professor-no-rj

Matéria do UOL: http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/05/05/professor-demitido-por-criticar-educacao-do-rio-diz-que-foi-censurado.htm

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Com recurso judicial impetrado pelo departamento jurídico do Sindicato dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), o professor Breno Mendes alcançou, em 07 de maio, uma decisão liminar favorável, suspendendo a demissão. A juíza, sra. Neuza Regina Leite, argumentou, em sua decisão, que “a questão da legalidade do processo administrativo instaurado está pendente (…) de análise judicial”.

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Saiba mais: http://blogs.odia.ig.com.br/coluna-do-servidor/2015/05/10/liminar-readmite-professor-apos-criticar-escolas-prefeitura-vai-recorrer/

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Contudo, em 14 de maio, a magistrada pronunciou-se desfavoravelmente à causa de Mendes, que pretendia reverter o ato da Prefeitura. Foi alegada a condição funcional do professor em exercício de estágio probatório, competindo, assim, segundo a decisão judicial, apenas à “Administração” decidir “se o servidor está apto a adquirir a estabilidade no cargo público para o qual foi nomeado”, revogando o pronunciamento anterior da Justiça.  

Sobre o esdrúxulo caso, cumpre fazer algumas indagações:

1. O Estatuto do Funcionalismo Público Municipal foi editado em plena ditadura, sem amparo constitucional, pois a Carta Maior foi violada em 1964. Aprovado por um prefeito não eleito – Marcos Tamoio (Arena) –, nomeado por um governador eleito indiretamente, Chagas Freitas (MDB). Por conseguinte, o Estatuto é um subproduto do sombrio tempo de exceção, em que as garantias constitucionais do cidadão e da coletividade não eram respeitadas.

Um corpo normativo como esse, expressão dos resquícios autoritários que folgadamente se mantém na sociedade e no Estado brasileiro, possui legitimidade? Pode ser considerado legal, mas, formulado em um tempo em que a soberania popular manifestada por meio do voto era desconsiderada, pode guardar alguma legitimidade para ações como a que ora põe em prática a Prefeitura carioca? Nesse sentido, o “fantasma” da nefasta ditadura não estaria a circundar o caso do professor Mendes?

2. Sem deixar de considerar o antigo preceito liberal e constitucional da separação dos poderes do Estado, não cabe ao Judiciário fiscalizar as ações do Poder Executivo? À Administração se pode reservar margem ampla de discricionariedade para fazer o que bem entende? Considerando o perfil autoritário do prefeito Eduardo Paes (PMDB), não se trata de demasiado poder concentrado nas mãos do alcaide carioca, que possui o Poder Legislativo praticamente todo sob a sua esfera de influência e poder? Um cenário político municipal em que a teoria política poderia, sem muita dificuldade, chamar de tirania.

3. Ao professorado carioca e brasileiro, sujeito a múltiplas ações educacionais nocivas e amesquinhadoras de qualquer projeto de nação – ações tomadas pelo empresariado do setor e por diferentes governantes de turno –, qual o recado dado por ações administrativas e decisões judiciais como as que acentuamos? Que se calem, vejam os equívocos e danos à educação pública e privada, mas não questionem?

Retirar o direito à cidadania e à liberdade de expressão dos professores é o significado maior da arbitrária ação contra o professor Mendes. Promover comportamentos passivos e alienados entre os professores e, por extensão, entre o alunado: símbolo e intenção latentes na medida adotada pela Prefeitura carioca. Uma educação para a passividade e a subserviência, eis o projeto educacional que se insinua na arbitrária demissão do professor carioca.

Que se preocupem e fiquem bastante alertas a sociedade e o professorado brasileiro: o nome de Eduardo Paes (PMDB) já tem sido ventilado, desinibidamente, como potencial candidato à Presidência da República. Pobre Pátria (Des)Educadora.

Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC e da SME-Rio.

Também publicado no Diário Liberdade.

Redação

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