Dilma e LGBTTs: Algo há de muito estranho

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No dia 21 de maio mais uma vez ouvi um comentarista (Salomão Schvartzman, via Rádio Band News FM Rio) repisar a personalidade forte, autodeterminada da Presidenta Dilma Rousseff.

Schvartzman, como tantos outros, mencionou que Dilma não se deixa influenciar pela mídia; que ela, a Presidenta ex-revolucionária, “não faz jogo de cena; emociona-se de verdade quando lida com questões relacionadas a direitos humanos em todos os níveis”. Disse ainda – e também aqui não foi o primeiro – que ela sempre lê muito profunda e antecipadamente sobre os assuntos com os quais terá de tratar em suas reuniões com os seus ministros.

– Será?

Bem, se Dilma é mesmo assim, em todos os assuntos, há algo de muito estranho em seu comportamento no que toca os Direitos Humanos dos LGBTTs.

Se é verdade que Dilma não se deixa pautar pela mídia, por que será que ela se deixa pautar pelos parlamentares da Bancada Evengélica que compõem a base de sustentação parlamentar de seu governo?

 – Em diversas vezes assistimos a Presidenta, que declarou que governaria para todos os brasileiros, se curvar ante as exigências da FPE pela negativa da promoção dos direitos de LGBTTs.

Se é verdade que Dilma sempre se prepara antes de qualquer reunião ministerial; que examina muito bem todos os assuntos antes de tomar uma decisão, como é que se explica o modo açodado com que declarou à imprensa, numa entrevista enquanto caminhava, que decidira vetar os filmes educativos destinados ao combate do bullying homofóbico nas escolas SEM MESMO ASSISTÍ-LOS? Vídeos que, recorde-se, havia recebido a chancela de organismos educacionais da ONU, além de especialistas em educação, que em nenhum momento foram por ela ouvidos ANTES de tomar sua precipitada decisão.

Se é verdade que Dilma “se emociona de verdade [às lágrimas] quando lida com questões de direitos humanos em todos os níveis”, como disse Schvartzman, há algo de muito mal resolvido por parte da Presidenta em relação aos LGBTTs.

Ou ela não reconhece a agenda LGBTT como agenda política legal (juridicamente possível e importante)  ou não reconhece os próprios sujeitos LGBTTs como capazes de serem portadores de direitos (ilegítimos). 

– A questão é de agenda ou de titularidade!

E, afinal, qual é mesmo a agenda político-jurídica dos LGBTTs brasileiros? O que será que desejam essas pessoas?

– Pelo que temos visto, a reivindicação desse segmento da população é uma só: IGUALDADE DE DIREITOS.

E como buscam materializar essa igualdade?

 Basicamente em dois grandes eixos:

* O direito a ter acesso aos mesmos direitos usufruidos por qualquer pessoa heterossexual, entre eles o acesso ao casamento civil em igualdade de condições (O que se chama nos meios jurídicos isonomia jurídica; igualdade perante a lei).

* O direito a NÃO SER DISCRIMINADO, a lei punindo ações de preconceito e discriminação.

– Aqui trata-se de reivindicar simplesmente o cumprimento, a efetivação daquilo que está expresso na Constituição.

Desde 1988 ela proibe toda e qualquer forma de preconceito, seja por qual motivo for. E diz que a lei (complementar, portanto) fixará as penalidades para quem infringir esta determinação constitucional.

A Lei já fixou penalidade para as práticas de racismo, de discriminação religiosa.

As mulheres já conseguiram lei que busca lhes proteger da cultura machista.

Os idosos e as crianças já conseguiram leis que buscam lhes proteger contra a cultura de violência e desrespeito.

Gays, lésbicas, travestis e transexuais, não!

A escola é o espaço de práticas violentas e discriminatórias por excelência. No entanto, Dilma vetou o material paradidático do Programa Escola Sem Homofobia exatamente no mês em que internacionalmente se intensificam ações e sensibilizações contra essa forma de violência praticada contra crianças e adolescentes.

Um ano se passou. Estamos outra vez em maio. E Dilma o que fez?

– Nada! No Dia Mundial de Combate à Homofobia (17 de maio) Dilma nada fez! Não havia nenhuma atividade em sua agenda. Nenhuma palavra, mensagem, nota, nada. Tampouco sua Secretaria de Direitos Humanos se pronunciou. O Programa Escola Sem Homofobia segue parado. Os vídeos, censurados e ponto. Assim como o vídeo produzido para a campanha de conscientização sobre a transmissão do HIV entre jovens gays, durante o Carnaval.

Tanto silêncio acabou por soar muito mal. Pois trata-se de um silêncio que nada mais é do que uma das formas de discriminação. Pela invisibilização, pela negativa de reconhecimento; pela desqualificação da luta por dignidade, proteção e isonomia.

 A assessoria de Imprensa da SDH, ciente da importância da data, procurou minimizar o escândalo do silêncio ministerial (a SDH tem status de ministério). E editou um texto com o título Atividades marcam Dia Internacional de Combate à Homofobia, comemorado nesta Quinta. 

O problema é que de todas as ditas “atividades”, nenhuma foi de promoção do governo da Presidenta Dilma! Apesar de o texto reconhecer os níveis elevados da violência homofóbica.

Pelo que se conclui de suas ações nesses 16 meses de governo, embora Dilma se emocione às lágrimas quando se trata dos direitos humanos das vítimas e parentes das vítimas da ditadura de 1964; quando se trata do massacre das 13 crianças na escola de Realengo; e quando se trata de pessoas com deficiencia, Dilma não dá a mínima aos LGBTTs mortos e espancados diariamente pelo país inteiro.

Dilma não dá a mínima ao fato de sua intempestiva decisão e infeliz frase sobre a questão LGBTT (“ninguém vai fazer propaganda de opção sexual”) ter repercutido simbolicamente entre homofóbicos como um estímulo, uma legitimação pública a suas convicções e atos.

Dilma não dá a mínima para a imperiosa necessidade de ações efetivas e simbólicas no combate total à violência e discriminação aos LGBTTs, apesar de a ONU já haver se manifestado nesse sentido reiteradas vezes, tanto pela sua Alta Secretária quanto pelo seu Secretário Geral, apesar dos dados obtidos pelo seu próprio governo através do disque 100:

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) registrou em 2011 uma média de 3,4 denúncias diárias de violência praticada contra homossexuais no Brasil. A violência fruto da intolerância é um dos temas combatidos no Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia (rejeição a transexuais e travestis), celebrado nesta quinta-feira.

As 1.259 denúncias foram recebidas de forma anônima pela Secretaria por meio do telefone 100 do Disque Direitos Humanos. Elas englobam casos de violência física, sexual, psicológica e institucional, além de episódios envolvendo de discriminação relacionada à opção sexual do indivíduo. Cada caso, segundo a pasta, foi repassado para a polícia e governos locais.

Se, como visto, a agenda política dos LGBTTs não traz em si nada de ilegal ou ilegítimo, muito ao contrário, resta a hipótese de que talvez não se trate de pressão ou imposição da Bancada Evangélia o que move verdadeiramente a Presidenta Dilma Rousseff em sua ostensiva desqualificação da agenda de direitos dos LGBTTs.

Talvez o que para a Presidenta constitua “problema” seja mesmo o fato puro e simples da própria existência de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais.

É a hipótese mais consistente diante do confronto entre sua personalidade, suas atitudes em relação a outros segmentos vulnerabilizados e às tão reiteradas ações e omissões em relação à população LGBTT.

Ações e omissões profundamente nefastas a um grupo populacional que luta apenas para NÃO continuar a ser espancado, violentado, assassinado, alvo de piadas, perseguições; para ver efetivadas as tão propaladas isonomia jurídica e dignidade pessoal.

*Rita Colaço é graduada em Direito, mestre em Política Social e doutoranda em História Social.

Redação

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