O dia-seguinte do golpe: não chamem o ladrão (nem a polícia) [O Brasil em tempos de cólera e golpe]

Cinco da tarde do dia seguinte ao golpe de Estado no país – que por ora não é uma ditadura, dizem, afinal, não cancelou partidos e direitos políticos e afirmam que em 2018 teremos eleições para presidente. Em casa, não consigo ler, escrever e o pensamento gira em falso; decido dar um rolê por Sampa, sentir o clima da cidade, tratar de algumas pendências e, talvez, encontrar uma amiga. Não tenho ânimo para encarar um protesto, decido evitar a Paulista e sigo sentido Sé. Próximo da minha casa há um batalhão da polícia militar. Muitas muitas muitas viaturas e motos – estacionadas nas calçadas, apesar do grande fluxo de estudantes, afinal, a lei não vale para todos – e muitos muitos muitos policiais (é mais de uma quadra passando por um corredor polonês de militares esperando a hora de irem para a caçada). Por todo o aparato, a impressão que se tem é que há uma rebelião geral no Carandiru, e não apenas no Pavilhão 9. Estamos em 2016, não há mais Carandiru – mas os 111 mortos continuam! -, e hoje a rebelião atende pelo nome de democracia: algumas pessoas que vão para a rua achando que a constituição federal é algo respeitado (não aprenderam quando justiceiro Moro mostrou que está acima da lei e todos fora do judiciário estão vulneráveis aos seus arbítrios, até mesmo ex-presidente da república). Os militares parecem descontraídos, afinal, ganham um extra para um serviço sem qualquer risco à sua integridade física, com liberdade para bater em filhinhos de papai que invejam e ressentem, e ainda serão aplaudidos por apresentadores de tevê fascistas e políticos corruptos – só não podem matar, porque estamos no centro da cidade. Nos bairros do Bixiga e da Santa Cecília a vida parece normal – apenas um trânsito mais caótico que o habitual, não sei se fruto do protesto a começar dali uma hora ou dos policiais a postos para evitar o questionamento da ordem pública mesmo ao custo de causar grande desordem pública. O centro novo está hiper policiado, volto a lembrar do Carandiru: os sobreviventes do massacre de 1992 hoje estão aliados aos algozes e indicam ministros e secretários de Estado – bom fosse porque nosso sistema prisional recupera, contudo, isso significa antes o quanto nosso (narco?) Estado está corrompido. Minha amiga não me responde, vou sozinho assistir a Por + Vir, da Cia de Danças de Diadema, na Olido – não estou no clima, mas o espetáculo é bom e tento abstrair que estamos na ante-sala de nova ditadura, sabe-se lá se de dois anos, duas décadas ou quanto (será que a polícia brasileira vai ser como a mexicana, e entregar estudantes para o massacre?). Ao chegar em casa, ligo o computador, dou uma olhada nas notícias: vejo que Alckmin, o Milosevic Bandeirante, proibiu protestos na Paulista, domingo, quando há um grande ato marcado, e que Temer, o Golpista, para ajudar o ex-chefe de seu ministro da justiça (ex-advogado do “Partido”), autorizou o exército a coibir manifestações contra a sua democracia. Mas não é golpe, é só uma questão de manter a ordem e o progresso – e cada um obediente e submisso no papel ditado pelo chefe. Há também uma mensagem da minha amiga: estava no centro de São Paulo, o centro hiper-policiado desta quinta, com centenas de militares de prontidão, indo ao meu encontro, quando teve o celular furtado. Ladrões, nas histórias da carochinha, têm medo da polícia. No Brasil de 2016, minha amiga, pessoa razoável, ao invés de pedir ajuda a um dos muitos PMs que estavam na rua, achou mais seguro voltar para casa.

01 de setembro de 2016.

Redação

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