O que espera o futuro governo, por Yoshiaki Nakano

Do Valor

O que espera o futuro governo
 
Por Yoshiaki Nakano
 
Em economia, qualquer previsão sobre o futuro, tem grande chance de estar errada. Sempre haverá fatos imprevistos e imprevisíveis, que podem mudar o rumo dos acontecimentos. Mas também há fatores determinantes, persistentes e conhecidos que tendem a condicionar o futuro comportamento da economia. Quais são estes fatores?
 
A economia brasileira está estagnada e tudo indica que, na melhor das hipóteses, esse quadro deverá persistir neste segundo semestre. Mas pela indicação do que acontece na indústria de transformação, particularmente na indústria automobilística, e dada a crise energética, é provável que tenhamos um cenário pior de itensificação na queda já ocorrida em maio.
 
Na economia podem existir múltiplos equilíbrios. A economia brasileira encontra-se num equilíbrio ruim, infelizmente estável, com tendência à estagnação, em que fatores contraditórios atuam nessa direção. Levar para um novo equilíbrio bom requer muito mais de políticas conjunturais de curto prazo.

Assim, em 2015, o (novo) governo herdará uma economia com os seguintes fatores persistentes em atuação: 1- uma economia com tendência à estagnação ou em recessão; 2- baixa taxa de investimento e em queda; 3- taxa de juros em nível recorde mundial; 4- taxa de inflação elevada, no limite superior da meta; 5- déficit em transações correntes crescente; e 6- resultado fiscal que não inspira confiança, certamente, com superávit primário pífio.

Esse quadro é altamente contraditório pois recessão não combina nem com taxa de juros elevada, muito menos com inflação alta e déficit em transações correntes elevado. Combina sim com déficit público e dívida pública crescentes. Essas contradições já dão plena amostra de que o ajuste necessário para recolocar a economia brasileira numa trajetória de crescimento requererá ajustes não triviais e até dramáticos, pois alguns dos problemas reais, por trás deste quadro contraditório, transformaram-se numa tendência estrutural. A desindustrialização da economia brasileira, e sua causa, tem passado desapercebida ou negada pela maioria dos formadores de opinião: a apreciação da taxa de câmbio, como se dito regime de câmbio flexível não gerasse apreciação persistente, até que uma crise cambial faça a correção.

Para o setor hegemônico na formação da opinião pública, o setor financeiro, com juros elevados de 11%, será altamente lucrativo, pois concentrará suas atividades na tesouraria, e ficará satisfeito com lucros recordes, mais ainda porque é a apreciação da taxa de câmbio que segurará a inflação. O Banco Central voltará a ser novamente aplaudido pelo heroico combate à inflação! A pressão por uma depreciação da taxa de câmbio, que vinha do exterior, está sendo afastada pelo Banco Central e com real apreciado, a inflação deverá ficar sob controle. Se houver mudança no cenário eleitoral e as forças políticas do período FHC voltarem a governar o país, certamente teremos uma nova dose de elevação da taxa de juros, mais uma rodada de apreciação cambial e, certamente, também de certo aperto fiscal. O quadro contraditório se aprofundará numa crise e a economia brasileira continuará num equilíbrio ruim.

Como tirar a economia brasileira deste equilíbrio ruim? Sem reformas institucionais e novo pacto entre governo e setor privado, a tendência é de estagnação. O novo pacto tem que passar por uma novo tipo de ação do Estado, com menos discricionaridade, mais previsibilidade, com maiores definições estratégicas de longo prazo e por uma profunda reforma e reinvenção do Estado brasileiro, para que aumente dramaticamente a sua eficiência. Assim, poderá abrir espaço para que a taxa de investimento tenha uma significativa ampliação. Isto significa que é preciso uma verdadeira reforma orçamentária, mudando para valer a estrutura de gastos, reduzindo gastos correntes, particularmente as transferências, de forma a desobstruir o futuro e sinalizar maior investimento público, sobretudo em infraestrutura. A mudança na estrutura de gastos tem que ser acompanhada de reformas na gestão pública, de forma que as demandas básicas da população em eduçação, saúde, mobilidade urbana e segurança, sejam minimamente atendidas.

A reforma na política macroeconômica deve iniciar pelo Banco Central, que pode ganhar independência operacional, na execução da política monetária, se as decisões de política cambial forem devolvidas ao executivo e, se a taxa de juros for desindexada. O Banco Central pode ter autonomia para fixar a taxa básica de juros, taxa no mercado de moeda, e portanto, instrumento de política monetária. Não faz sentido o Banco Central fixar a taxa Selic, que é taxa de juros de título público, um investimento, portanto do mercado de poupança e de longo prazo. Desatado esse verdadeiro nó górdio, abre-se um imenso espaço para aperfeiçoamento da política macroeconômica.

O Banco Central passará a operar com nível muito menor de taxa de juros, pois a sua taxa básica de política monetária não tem que remunerar um investimento. Acabamos com esta “jaboticaba” e voltamos à normalidade de juros, como instrumento de administração da sobra de caixa dos bancos e das empresas, com muito maior eficácia. O executivo passará a formular uma política cambial para garantir a competitividade da indústria nacional, podendo dar ao Banco Central um mandato para administrar as reservas cambiais e executar a política cambial definida pelo executivo e voltada ao interesse nacional, eliminando o atual conflito de interesses. Para dar consistência e coerência às politicas monetária e cambial, a reforma orçamentária e novo pacto político têm que permitir austeridade fiscal, quando necessária, de forma que a economia transite para um novo equilíbrio estável com crescimento.

Yoshiaki Nakano com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).

 

Redação

10 Comentários

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    1. Mané PIG o quê

      A não ser que Procuradoria, STF, The Economist e Financial Times façam parte! Haja teoria burrospiratória! Quanto ao Nakano, é o único economista admirado pelo Nassif com o qual concordo. Mesmo depois de Nassif elogiar Gabrielli!

  1. Esse japa sempre foi muito

    Esse japa sempre foi muito psdb pro meu gosto, e como tal, psdb, sempre mostranto o copo meio vazio, em vez da Cantareira totalmete NÃO cheia.

    1. Discordo um pouco…

      O Nakano ta falando algo que até o Beluzzo defende: reforma fiscal, reforma monetária para se pagar menos juros, e ainda reajustar o câmbio a valores reais… ele ainda fala de investimentos em produção e critica o psdb e sua ‘proposta’ para o país abertamente neste artigo. Ou seja, ele fala claramente a Dilma ou Campos.

  2. críticas injustas

    Mais uma vez o professor Nakano sendo criticado por quem nem sabe em que mundo está, em termos de economia.

    O que ele propõe está não tem nada a ver com Psdb. Pelo contrário, queda de juros, administração cambial, promoção de maior eficiência dos serviços públicos são justamente o que o Psdb não quer. Baseados na ortodoxia como são, juros e câmbio são dados pelo mercado, “naturais”, então não podem ser administrados; apenas ajustados conforme as idas e vindas da política do Norte.

    O que Nakano e outros economistas lúcidos propõe são a adoção de uma estratégia nacional que promova o desenvolvimento do país, unindo Estado, empresários e trabalhadores. Em adição a isso, uma política macroeconômica que promova uma real estabilidade para o nosso país, que sofre com crises cambiais recorrentes, juros exorbitantes que oneram a dívida pública em prol de rentistas, baixa taxa de investimento e renda per capita estagnada.

  3. Indústria e pesquisa

    Então nossa indústria não cresce somente por que o cámbio é desfavorável? Ou por quê nossa indústria não investe em melhoria da qualidade e novos produtos? A indústria farmacêutica, no caso dos fitoterápicos, quando temos a maior biodiversidade do planeta, produz o que e vende o que? Sem falar da química, da automobilistica, etc. 

  4.  
    Engraçado. Não mudam a

     

    Engraçado. Não mudam a cantilena.

    Rodam, rodopia, mexe e remexe. E, lá estão eles repetindo a mesma receita. Os mesmos ingredientes, tempo, e maneira de preparar o cozidão. Pouco importando aos tais chefes especialistas, se pretendemos degustar um suculento eisbein, joelho de porco com chucrute no restaurante ao lado da casa do playboy mineiro “Não vai ter Copa.”

    Ou, se na verdade, o que se pretende mesmo é dinamitar o encouraçado Brasil, levando todos ao fundo do mar.

    Se tais eflúvios almejados por suas excelências trevosas, cumprirem trajetória similar ao do desastrado movimento, “ a Copa não vai dá certo.” Eles estão é lascados. Mais uma vez, se postarão envergonhados, tendo que aplaudir a patuleia.

    Orlando

  5. A esquerda que, sem saber, se aliou à mídia.

     Se eu tivesse de escolher cinco economistas que fazem um diagnóstico correto dos problemas estruturais e conjunturais que afligem a economia brasileira, certamente o Nakano estaria entre eles. Desmerecê-lo, como fazem muitos comentaristas, não por suas idéias, mas  simplesmente porque no passado ele serviu a um governo estadual tucano é demais. Aliás, no texto, o Nakano nos alerta para o que será da economia, se as forças políticas do governo FHC voltarem ao poder.  A verdade é que parece que parte da esquerda, talvez em reação ao comportamento canalha da mídia, foi acometida por uma doença caracterizada por um postura acrítica e defensiva contra qualquer objeção ao governo Dilma, tornando-a incapaz de separar, no acervo de críticas ao governo, o joio do trigo. O pior é que, ao criticar um economista como o Nakano, acaba dando força justamente às teses majoritariamente defendidas pela mídia e pelo PSDB.  Noutro dia,  não me lembro em qual Blog, vi, para meu espanto, alguém que já havia me chamado a atenção pelos bons comentários, defendendo o deficit em conta corrente crescente no governo Dilma com o argumento de que historicamente o Brasil sempre teve deficits em conta corrente.Realmente, sempre teve deficits em conta corrente. E também crises cambiais.

    Abaixo, transcrevo minhas idéias sobre a economia brasileira, já expostas em comentário a um post do Nassif sobre economia.

    O legado do câmbio.

    qua, 28/05/2014 – 17:50

    Ao contrário de muitos bons comentaristas aqui do Blog, concordo totalmente com o Nassif.

    Em rápidas linhas vou tentar me posicionar sobre o tema. Muita coisa vai ficar de fora, porque o assunto é por demais complexo. Mas é um início para uma boa discussão.

    Vamos começar pelo nível ideal de câmbio real.

    Ao contrário do que muitos pensam, não se trata de uma questão metafísica. O nível ideal de cambio deve ser estabelecido ou buscado levando-se em consideração:

    1 – Produtividade dos diversos setores da economia brasileira e das economias com as quais temos negócios.

    2 – Qual o meu objetivo de longo prazo para o País. Aqui temos opções para todos os gostos. Pode ser um patamar de câmbio que viabilize apenas o agronegócio. Que equilibre a minha conta corrente. Que permita a  sobrevivência da indústria tal como ela existe hoje? Que viabilize a expansão da indústria, criando novos setores no qual o país ainda não atua e/ou recuperando cadeias industriais perdidas.

    Colocando em termos singelos, eu, particularmente, desejo uma economia que possibilite um razoável bem-estar para todos os que aqui vivem. Ora, num país de 200 milhões de habitantes, não será possível atingir esse objetivo se eu não tiver uma economia diversificada, com um setor industrial forte, tudo amparado por educação, ciência e tecnologia. O Brasil, com uma renda per capita de doze mil dólares, dada as características concretas de sua economia está impossibilitado de instituir um “welfare state”, nos moldes do que foi feito na Europa.

    A pergunta que se coloca: Com os instrumentos de política econômica de que disponho, é possível estabelecer ou gravitar em torno de um patamar de câmbio real compatível com a consecução dos meus objetivos?

    Eu acredito firmemente que sim. Obviamente, a implementação de medidas de política econômica não se dão no vazio. O momento em que, e a intensidade com que serão aplicadas não podem ignorar a conjuntura política e econômica. Assim, qualquer medida teria de contar com o suporte, como o Nassif falou, de um pacto entre diversos atores políticos, ainda mais que, cada vez mais há no país maior resistência a uma desvalorização do câmbio, até mesmo por parte da suposta indústria brasileira. Noutro dia, por exemplo, comprei um produto de um “fabricante” brasileiro, empresa tradicional sediada em Santa Catarina. Pois bem, o tal produto, na verdade era importado da China.

    Há , ainda, o fato de que o câmbio valorizado, para a população em geral, funciona como uma espécie de droga. No começo percebe-se somente o prazer que ela causa; os malefícios, por sua vez, aparecem gradativamente. Essa combinação, benefício à vista, malefício em suaves prestações, faz da valorização do câmbio um erro de política econômica insidioso. Ainda mais porque com a desvalorização acontece exatamente o contrário. Ou seja, o remédio é amargo.

    Dito isso, abaixo, faço algumas considerações e elenco algumas medidas para levar o câmbio ao nível desejado.

    1 – Câmbio não é fim, é meio. É um meio de realizar um projeto de país. O dogma pode estar no projeto de país, não nos meios para atingi-lo. No câmbio, a palavra chave é pragmatismo. Pragmatismo, tendo lá na frente o meu projeto. Desse ponto de vista, nada de extremos em política cambial. O melhor regime é o de flutuação suja. Me dá flexibilidade tática sem desviar o olhar de meus objetivos estratégicos.

    2 – Controle da entrada de capitais. Isso vale para capitais especulativos e, num segundo momento, para o investimento direto. Para esse último, a prioridade é produzir coisas que, como diz o Delfin, possam ser embrulhadas (e exportadas). A calibragem desses controles, que podem ser das mais diversas naturezas, se fará no sentido de manter o câmbio real no patamar desejado.

    3 – No combate à inflação induzida pela desvalorização cambial, dar preferência, na política monetária, as velhas e sempre esquecidas medidas macroprudenciais. (Compulsório dos bancos junto ao BC, IOF sobre crédito, medidas administrativas, etc). Aumento da Selic seria a “ultima ratio”. O combate à inflação obviamente é de suma importância. A desvalorização bem sucedida muda apenas os preços relativos. Aumentam commodities, bens importados e bens que utilizam insumos importados.

    4 – Infelizmente um preço fundamental da economia, o trabalho, terá de ficar mais barato em dólar. Ou seja, no curto e médio prazo os assalariados ficaremos mais pobres. Deve-se adotar uma política de salário mínimo que faça do trabalhador sócio do aumento da produtividade, mas sem ultrapassá-la. Para os salários, em geral, deixar a regulação por conta do mercado. Mas, no caso de escassez de mão de obra e crescimento dos salários em geral acima da produtividade física do trabalho, facilitar a vinda de trabalhadores estrangeiros. Antes de criticarem esse tópico, lembrem-se que não estamos falando de uma economia autárquica. Poderíamos até tentar esse caminho, mas aí é outra discussão, completamente diferente.

    5 – Tributar investimentos de curto prazo. Não é possível que numa economia que há 20 anos tem inflação anual em torno de 5%, continuemos tendo aplicações com os juros reais maiores do mundo e com liquidez diária. Acho até que essa característica da economia brasileira reduz ainda mais a eficácia da já pouca eficácia do aumento da Selic.

    6 – Aprofundar a desindexação da economia.

    7 – No devido tempo, instituir ou aumentar tributos sobre a exportação de commodities agrícolas e minerais, áreas em que o país é altamente competitivo. Essa medida serve, entre outras coisas, para calibrar o câmbio.

    8 – Política fiscal responsável e coerente com a política monetária.

    Nós próprios poderemos colher, a médio prazo, os dividendos de uma política cambial acertada. Mas, no fundo, no fundo, o que está em jogo aqui é qual legado em termos de país deixaremos para as futuras gerações. Estamos dispostos a tomar o remédio amargo em solidariedade aos que nos sucederão?

    Saudações, Felisberto.

     

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