Reforma tributária: isenções e renúncias fiscais do governo somam R$ 525 bilhões

Seminário aponta as diversas disparidades que devem ser corrigidas nas próximas fases da reforma tributária, entre elas as isenções fiscais.

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com o Instituto Justiça Fiscal e sindicatos, promoveu nesta quinta-feira (28) o seminário Reforma tributária para um Brasil socialmente justo, que contou com a participação de Marcio Pochmann, professor da Unicamp e presidente do IBGE, e Paulo Nogueira Batista, economista, ex-vice presidente dos BRICS e ex-diretor do FMI, para falar para quais caminhos a reforma deveria seguir para reduzir a desigualdade e corrigir injustiças históricas reproduzidas no País há décadas.

Diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior afirmou que o grande debate em torno da reforma tributária é a de como se constitui o fundo público, comumente chamado de impostos, e como ele será dividido na construção de um País mais justo e solidário.

“É muito comum ouvir, das diversas categorias, que precisamos reduzir imposto. É razoável imaginar isso, porque ninguém quer pagar imposto”, observa o diretor.

Porém, o que o brasileiro médio não consegue entender é que, ao pedir mais investimentos na saúde e educação e a redução da carga tributária, a principal forma de financiar estas áreas vem justamente da arrecadação de impostos.

O mesmo acontece com os sindicatos, cuja contribuição está sendo discutida pelo governo. Os trabalhadores, segundo Fausto, não conseguem entender que a taxa serve como uma fonte de financiamento.

As demandas sociais que a reforma tributária deve ser capaz de custear. Crédito: Reprodução/ Dieese

Desmonte do discurso liberal

Contrariando a tese liberal, de que o aumento da base tributária seria solidária, já que quanto maior o número de contribuintes, menor seria o valor do imposto, o diretor técnico do Dieese mostrou uma série de números que reafirmam a necessidade de se repensar os modelos vigentes.

“Em um país em que 2/3 ganham até dois salários mínimos, estamos dizendo que vamos ampliar a base tributária dos que ganham menos. E a gente não faz este debate, porque dá a impressão de que é uma coisa justa, vamos dividir mais, quando na verdade é o contrário. Vamos ver que os mais ricos são os que menos pagam impostos”, comenta o especialista.

Fausto Jr. observa que, no País, quem mais paga imposto de renda é a base sindical, composta pelos trabalhadores assalariados e a classe média. Ainda que a alíquota seja progressiva, o que o diretor considera justo, a faixa dos mais ricos paga a mesma proporção dos que ganham muito menos.

“Estamos falando que uma pessoa que ganha mais que 320 salários mínimos [R$ 422.400] paga a mesma alíquota de imposto de renda de quem ganha sete salários mínimos [R$ 9.240], ou seja, a base média de um metalúrgico, de um bancário, de um petroleiro e etc. Esse é um enfrentamento que vamos ter de fazer agora na segunda fase da reforma tributária.”

Fausto Augusto Jr., diretor técnico da Dieese
Alíquotas do imposto de renda. Crédito: Reprodução/ Dieese

O dilema dos PJs

Um dos pontos mais criticados ao longo do seminário foi o sistema tributário atual que incentiva o processo de desformalização dos trabalhadores, também conhecido como pejotização, excluindo-os futuramente do sistema previdenciário.

“A questão tributária induz para um lado não daquele que a gente gostaria que fosse. Estamos passando por um processo acelerado de desformalização da mão de obra com incentivo tributário, porque de um lado você tem um MEI, que é um incentivo tributário para deixar de ser assalariado, e de outro lado você tem uma pejotização por um não pagamento de imposto de renda de lucros e dividendos. Parte da classe trabalhadora que ganha um pouco mais, provavelmente por volta de R$ 8 mil, R$ 9 mil, R$ 12 mil, R$ 15 mil prefere ser PJ [pessoa jurídica] para pagar menos imposto. Só que ao ser PJ, ele desfinancia a previdência”, continua Fausto jr.

Marilane Teixeira, economista, doutora e pesquisadora do CESIT/IE-Unicamp, ressalta que um terço da população economicamente ativa não contribui com a previdência, que são justamente os trabalhadores PJ e MEI, que geralmente têm trabalhos precários e, devido à demanda variável, não conseguem arcar com a contribuição mensal do INSS.

“A contribuição do MEI é ridícula e dará direito a um salário mínimo de aposentadoria. São formas disfarçadas de assalariamento, muitas vezes são trabalhos precários”, alerta a pesquisadora.

A reforma tributária deveria antecipar ainda um cenário emblemático causado pelas mudanças climáticas, tendo em vista que mais de 15 milhões de trabalhadores, especialmente das áreas da agricultura, turismo e construção civil serão impactados. Mas, até o momento, não se tem notícias de debates em relação à seguridade social dessas categorias.

Isenções fiscais

O diretor técnico do Dieese ressalta ainda que o maior problema tributário e seus emaranhados não são os 20 tipos de impostos cobrados dos brasileiros, mas a quantidade de regimes especiais, exceções, incentivos e deturpações da legislação tributária.

Um exemplo apontado por Fausto Jr. é o Imposto Territorial Rural (ITR), cujo montante arrecadado é 30 vezes menor que o desembolsado por moradores de áreas urbanas, porém se refere a áreas territoriais muito maiores e, em muitos casos, improdutivas.

“O Estado abre mão de arrecadar meio trilhão [de reais] por vontade própria. Talvez faça sentido. Agora, para incentivar o quê?”, questiona o técnico.

Crédito: Reprodução/ Dieese

Fausto Jr. criticou ainda a defesa até dos sindicatos trabalhistas, que se unem aos patronais na defesa da desoneração da folha de pagamento, sob a justificativa de que uma carga tributária menor geraria mais empregos. “Mas o que a gente viu na prática foi a perda líquida de postos de trabalho. Não se fez um debate de política de contrapartida. Os empregadores até viraram o discurso, dizendo que se acabar o incentivo, vai acabar o emprego.”

Origem das disparidades

Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann comentou que a luta popular por mudanças no sistema tributário pode alterar a posição do País no mundo, criando possibilidades de produção interna e viabilizar a ampliação do nível do emprego e no nível de renda.

Ele também comentou que o Brasil fez uma reforma tributária na década de 1990, da qual pouco se fala, mas que permitiu a criação de disparidades sociais e injustiças tributárias.

A reforma seguiu um pensamento comum divulgado nos anos 1980, inspirado na proposta de Ronald Reagan de que a redução de impostos dos mais ricos seria reinvestida no Brasil e geraria emprego e crescimento econômico.

“Mas o que de fato ocorreu é que esta redução da tributação e ampliação da renda disponível não foi para investimento e consumo. Na verdade, foi direcionada para o rentismo, para o sistema financeiro. Então veja, na verdade, a maldade que tem no Brasil. A injustiça não é só tributária, porque na realidade a redução, o alívio da tributação permitiu que os ricos passassem a financiar o Estado, não como anteriormente faziam pagando impostos, mas agora através da aquisição de títulos públicos, extremamente muito bem remunerados”, finaliza o presidente do IBGE.

LEIA TAMBÉM:

Camila Bezerra

Jornalista

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador