Universidades debatem ampliar cotas para docentes de acordo com a proporção de negros na população

Carla Castanho
Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN
[email protected]

Atualmente, por lei, universidades deveriam reservar 20% de vagas para docentes negros. Na prática, a representatividade não passa de 5%

Professor negro veste camisa social azul e está sentado no alto de uma sala de aula vazia, com o quadro verde de fundo
Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

A decisão inédita da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo de ampliar a presença de professores negros para 37% do corpo docente, coloca em pauta as ações afirmativas em andamento nas instituições de ensino superior do País, sejam elas públicas ou privadas.

Apesar de a ampliação ser um avanço necessário, ainda há muito o que se discutir sobre a efetividade da política de cotas, uma vez que a lei em vigor estabelece 20% das vagas para professores negros – mas, na prática, as instituições não cumprem a norma ao pé da letra.

Para entender a problemática, a reportagem do GGN conversou com professores e acadêmicos em cargo de gestão, todos negros, que vivenciam o cenário de pouca representatividade nas universidades.

O entrave se encontra na forma como o percentual ofertado (20%) é, de fato, preenchido a partir de concursos. Na prática, essa meta tem sido fragmentada por departamentos, ou seja, ela não representa todo o corpo docente de uma universidade.

Para que os 20% de reserva de vagas fossem aplicado conforme a lei, seria necessário um mínimo de 3 vagas para cada departamento. Mas a realidade das universidades é outra: apenas uma ou, no máximo, duas vagas por departamento são ofertadas. O cerne da questão: como aplicar os 20% nesses casos?

Joana Angélica Guimarães, ex-vice-presidente da Andifes

Joana Angélica Guimarães, ex-vice-presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e reitora da comissão de implantação da UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia) admitiu ao GGN que, a depender do número de vagas ofertadas em concurso, “não é possível aplicar a lei” de cotas atual.

Apesar disso, ela afirma que as as universidades estão debatendo como solucionar o problema, não apenas para ampliar a meta, mas para regulamentar de forma eficaz e garantir o cumprimento dos 20%, no mínimo.

Segundo Joana, cada unidade acadêmica, dentro de sua autonomia, pode ampliar as vagas para docentes, sem a necessidade de uma lei que a defina.

Ela compartilha a experiência da UFSB, que encontrou uma maneira de cumprir a lei e garantir que a cota seja respeitada no estado da Bahia, onde negros e pardos correspondem a 75% da população.

“Aqui na UFSB, o que nós fazemos: não dividimos as nossas vagas [por departamento]. Nós temos 100 vagas, aplicamos a cota em cima delas. A gente tem discutido, inclusive, ampliar esse percentual, que é o mínimo estabelecido [em lei], assim como ampliar para estudantes – 50% é o mínimo, mas nós colocamos 75%, considerando que é uma região onde a grande maioria é de escola pública. O mesmo [75%] seria para servidores.”

– Joana Angélica Guimarães, ex-vice-presidente da Andifes e reitora na Federal do Sul da Bahia

Nos cursos de pós-graduação – mestrado e doutorado – a Federal do Sul da Bahia oferece 50% das vagas para negros.

Para ela, ampliar mais a presença de docentes negros das universidades é uma tendência

“A gente tem um percentual muito pequeno de professores negros nas universidades, em todas elas, privadas e públicas. Está mais do que na hora de trabalhar na perspectiva de ampliar o número de professores negros nas universidades”, afirmou. 

Na USP, 2% do corpo docente se declara negro

Na USP, os professores negros e a associação de docentes, reivindicam para que se implemente uma ação afirmativa, porque atualmente, apenas 2,2% do corpo docente se autodeclara negro ou negra.

Dennis de Oliveira, professor da USP

Ao GGN, o professor de Jornalismo, Informação e Sociedade pela ECA/USP, Dennis de Oliveira contou que a mobilização para ampliar as cotas para docentes negros começou recentemente, após a USP ter aberto um concurso técnico-administrativo e o Ministério Público ter suspendido por não haver previsão de cota racial. Desde então, os órgãos colegiados da universidade travam o debate.

“Um grupo de professores negros entregou ao reitor uma proposta de implementação de ações afirmativas de cotas pra aumentar a participação de negros no corpo docente da USP. O documento foi entregue no ano passado, e o debate começa a rolar hoje, no conselho universitário”.

– Dennis de Oliveira, professor da USP

A proposta apresentada pelos professores negros da USP é de ampliar as cotas para 37% em concursos com mais de 3 vagas. Como a esmagadora maioria dos concursos para docentes é de 1 vaga, nestes casos, seria aplicado o bônus de pontuação estabelecido pelo decreto estadual.

As universidades fazem uma previsão de novos professores que devem ser contratados em um determinado período, de acordo com aposentadorias previstas, por exemplo. Neste caso, as cotas são aplicadas nessa previsão. E a medida em que os concursos são realizados, se observaria até que ponto a cota foi preenchida.

“Se chegasse em um certo momento que a cota não foi preenchida, então os próximos concursos seriam exclusivamente para professores negros, até chegar àquele percentual.”

Além da proposta de reserva de vagas – cotas – o professor revela que há também uma outra em andamento nos órgãos colegiados da USP, que caminha para instituir pontuação ou bônus para os professores que se autodeclaram negros ou indígenas. 

Para Dennis, que é um professor negro e estudioso do assunto, falta identidade no ambiente acadêmico e pessoas para trocar esse tipo de informação.

“É aquilo que o professor Carlos Hasenbalg disse certa vez: quando você é uma pessoa negra em um espaço branco, você se sente estrangeiro na sua própria terra. Porque, de forma direta ou indireta, se aponta que aquele não é seu lugar. Você se sente incomodado, pouco acolhido, ainda que as pessoas brancas sejam simpáticas à causa. Mas a vivência é diferente”.

A USP deve discutir e votar a nova proposta de ação afirmativa nesta segunda-feira (22), em reunião do Conselho Universitário.

Falta “vontade política”, diz professor negro da Unifesp

Da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o professor José Carlos Gomes, do Departamento de Ciências Sociais, também avaliou que o problema de fracionamento de vagas persiste, mesmo após interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, para que os 20% sejam cumpridos.

José Carlos Gomes, professor da Unifesp

“Esta tem sido uma estratégia para não se aplicar a lei. É preciso que a lei 2990/14 exija, no mínimo, 3 vagas por departamento para se fazer o cálculo dos 20% previsto na lei. Uma maneira de não se aplicar a lei é essa: fracionar por departamento o total de vagas”.

– José Carlos Gomes, professor da Unifesp

Em janeiro, a Unifesp abriu concurso público para ofertar 36 vagas a professores do magistério superior. Destas, 7 são para docentes negros, e outras 7 destinadas a pessoas com deficiência.

Em entrevista ao GGN, Jorge Carlos citou o estudo O confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro, de 2007, onde Jose Jorge de Carvalho analisou instituições de ensino superior do País e concluiu que o percentual de docentes negros era inferior a 1%.

Para o docente da Unifesp, o cenário parece não ter mudado muito. No departamento em que leciona, apenas dois professores se autodeclaram negros, avanço é mínimo se comparado ao estudo de 2007.  

Para ele, falta vontade política nas instituições para a implementação da lei de cotas.

“Não há vontade política no segmento branco dominante nas instituições. O segmento branco majoritário não se sensibiliza, não tem autocrítica disso que é gravíssimo, que é o confinamento racial nas instituições de ensino superior e institutos federais. É urgente que se faça”. 

– José Carlos Gomes, professor da Unifesp

Meta da PUC reflete proporção de negros em SP

A iniciativa da PUC-SP, de ampliar as cotas para docentes negros para 37%, foi aprovada em abril de 2023, com a duração de 6 anos e com reavaliação bianual. 

A professora e pró-reitora de Cultura e Relações Comunitárias da PUC, Mônica de Melo, disse ao GGN que um País que perpassou 3 séculos de escravização, e teve a abolição adotada sem qualquer tipo de política pública que garantisse educação, trabalho, terra ou moradia aos negros escravizados, tem a necessidade de reconhecimento e reparação histórica.

“A PUC é uma universidade eminentemente branca, com cerca de 5% de docente autodeclarados negros. Essa é uma política essencial, se efetivamente quisermos assumir uma ação antirracista”. 

– Mônica de Melo, pró-reitora da PUC
Mônica de Melo, pró-reitora da PUC

O percentual de 37% de negros no corpo docente estipulado pela PUC é equivalente à população negra do município de São Paulo, segundo o IBGE.

Para Mônica, a decisão da PUC é crucial para aumentar a representatividade de negros e negras.

“Teremos mais professores trazendo autores e autoras negras, discutindo questões fundamentais do saber a partir de perspectiva e do pensamento negro, e isso é fundamental dentro de uma universidade”. 

– Mônica de Melo, pró-reitora da PUC

Pelos olhos de uma aluna negra

Fabiana Menezes, aluna da PUC-SP

A estudante de ciências sociais, Fabiana Menezes (22), da PUC-SP, disse ao GGN que com a ampliação das vagas para docentes negros, ela se sentirá melhor representada.

A universitária entende que apesar de docentes brancos abordarem a temática de ações afirmativas e levantarem a bandeira, um professor negro poderia falar com mais propriedade sobre tudo o que vivenciou ao longo de sua jornada pessoal e profissional.

“É a forma mais forte de mostrar o que a gente pode fazer. A gente é aluno bolsista negro, que está lá com o objetivo de contribuir para a sociedade. Queremos mostrar que estamos aqui, resistindo, e vamos conseguir”.

– Fabiana Menezes, aluna da PUC

Fabiana acredita que após 10 anos da lei de cotas sancionada pela ex-presidente da República, Dilma Rousseff, a sociedade esteja finalmente caminhando, com seus solavancos e resistência, para promover a participação de mais negros e negras nos espaços, e, enfim, se tornar mais igualitária. 

Leia mais em GGN:

Carla Castanho

Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador