A esquerda ingênua e equivocada, por Eduardo Ramos

É preciso termos ciência de que esse ÓDIO, cruel e permanente, é uma realidade que não vai mudar em poucos anos, façamos o que fizermos.

A esquerda ingênua e equivocada

por Eduardo Ramos

(sobre o artigo “Lula e o PT precisam de uma leitura crítica e pessimista das nossas elites”, no GGN, por Daniel Gorte-Dalmoro)

Enquanto lia o artigo citado, do Daniel, fui me identificando imediatamente a cada palavra. Deu vontade de colocar “acréscimos”, não que o artigo dele precise, mas por minha necessidade de desabafar o quase desespero que esse processo crônico de ingenuidade e equívocos diversos e profundos me provocam.

Um desses acréscimos, insight que me veio “de cara” – e vesti a carapuça!… – foi: “Não é só Lula e o PT… nós, militantes da esquerda, petistas ou não, os simpatizantes, os progressistas, quantos de nós não nos iludimos com a democracia de verniz, de fachada existente no Brasil no início desse processo perverso que nos trouxe o golpe, Temer e depois Bolsonaro???”

Explico: Bem no início de tudo, ainda entre o final de 2014 – aquela eleição que rachou o país, lembremo-nos… o ódio foi plantado ali! – e os primeiros meses de 2015, o Nassif escreveu uns dois artigos alertando para o que lhe parecia “um movimento em direção ao impeachment de Dilma”, e que era necessário que o governo, o PT, as forças democráticas da sociedade, enfim, atentassem para isso.

Confesso que não lembro se comentando os artigos do Nassif ou em textos para o Face, escrevi que achava o pensamento “prematuro e inviável”, entre outras coisas porque “apesar de falhas, nossas instituições são sérias, elas “têm limites” e não ousarão ultrapassá-los…” (cegueira tinha que ter limite…).

Hoje, lembrando de cada semana de todo o horror quando a Lava Jato veio com tudo e os procuradores se tornaram heróis da pureza e da ética, e Moro, a própria encarnação da justiça e do bem, tornando-se aos poucos uma espécie de imperador do país – era o único brasileiro que praticamente podia fazer qualquer coisa que quisesse, militares, mídia, seus pares e superiores no Judiciário e o próprio STF, se curvavam a todas as suas estrepolias.

Qual a sensação que nos acompanhava dia e noite, inclusive nos blogs progressistas? Eu lembro! Era algo do tipo: “Podemos manter a calma, porque o STF, como guardião final da Constituição vai brecar essa insanidade criminosa!”

E enquanto afundávamos na areia movediça, o país em si, – ironicamente a maior parte celebrava todo o horror numa distopia doentia… – mantínhamos essa esperança, mergulhados no pântano até a cintura, depois até o peito, depois já engolindo os detritos, e, por fim, submersos, quando veio aquela sessão degradante, torpe, que mostrou ao mundo os intestinos de nossos política mais baixa e canalha.

Finalmente caiu a ficha e descobrimos como Romero Jucá estava certo em sua famosa declaração: “Com o Supremo, com tudo!…”

Claro que para ser justo, reconheço que não podíamos ter feito mesmo muita coisa, a não ser que nos prestássemos ao papel de ir às ruas em revolta para o que inevitavelmente ocorreria: PMs de governadores tucanos e assemelhados, dando tiros de borracha, distribuindo pancada, prendendo milhares de nós, provavelmente alguns mortos, que hoje seriam nossos mártires. Teria valido a pena? Teria impedido alguma coisa? Livros no futuro provavelmente analisarão a nossa passividade, além do fato óbvio de sermos minoria, estarmos oprimidos e confusos e os fatos novos de cada dia chegavam tão selvagens e inacreditáveis, que eram como socos no queixo de cada democrata desse país.

Por fim, toco no assunto que ainda me incomoda, e tem a ver com o que o Daniel escreveu diretamente: quando é que os partidos, os intelectuais, os militantes e os simpatizantes da esquerda vão apreender de modo claro e definitivo que nossas oligarquias, nossa direita, não só é implacável, como perversa, cruel, absolutamente indiferente aos sofrimentos do povo, e capaz de qualquer ato baixo, criminoso e covarde para tomar o poder de volta, quando esse poder não estiver em mãos totalmente manipuláveis?

E não são só eles, os poderosos, juízes, procuradores, mídia, militares, etc. etc… Parte imensa de nossas classes médias pensa e sente igual!

Lembremos de como Carolina Lebbos e Gabriela Hardt trataram Lula, negando a ele o direito de enterrar o irmão – o cúmulo da crueldade e de indignidade de um juiz no exercício de suas funções. Carolina Lebbos tentou jogar Lula em uma prisão comum em São Paulo. Ora, isso é quase uma “tentativa de homicídio”, de tão frio, covarde e perverso. Essas coisas TODAS eram celebradas por nossas elites e classes médias como um “gol” do time que se torce em final de campeonato.

É preciso termos ciência de que esse ÓDIO, cruel e permanente, é uma realidade que não vai mudar em poucos anos, façamos o que fizermos.

Entendo que Lula tem que ter um discurso pacificador, mas nos bastidores, URGE que PT e demais partidos de esquerda aprofundem suas reflexões, seus debates, para encontrarem minimamente que seja, antídotos para esse ódio e a virulência de nossa direita raivosa – hoje, representada mais radicalmente ainda por esse novo fenômeno sócio-político, o bolsonarismo.

Não conseguiria, nem vou tentar “apontar soluções”, ao contrário, humildemente confesso ter mais perguntas do que respostas, apenas estou tentando olhar uma parte das doenças psíquicas e sociais que acometem o Brasil desse tempo tenebroso, para pensar, refletir, debater, e a partir daí tentar encontrar antídotos, caminhos de luta saudáveis e EFICIENTES em relação a essa direita que vai seguir em seus ataques.

Se a ingenuidade crônica prosseguir, como a do inacreditável “republicanismo” que colocou um Janot no poder – deram a corda de presente aos enforcadores… – então, em 2025, ou 26, sabe Deus, teremos um outro golpe.

Nossa esperança é que se unam todos os democratas, para descobrirem o modus operandi para um “nunca mais!”.

Eduardo Ramos, Youtuber, promove os canais “Minuto político” – https://www.youtube.com/channel/UCGFL0mgF5sbI-KCuMCwubFA

e “Brasil em debate” https://www.youtube.com/channel/UC8SBPGtr9ELObpNQPhERVJw

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

3 Comentários

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  1. É preciso reconhecer, com todas as letras, que a democracia que se pratica aqui no ocidente – com o auxílio luxuoso desse tal ‘republicanismo’ – é, pura e simplesmente, uma falácia. A democracia burguesa européia – e digo burguesa não por saudosismo marxista, mas por ter sua origem na Revolução Francesa – ou a democracia oligárquica americana são tudo, menos ‘democracia’. Ao pé da letra, governo do povo. Com os embelezamentos retóricos de nossa viralatice, do povo, pelo povo, e para o povo. Jesus Cristo, quando foi que isso aconteceu? Onde? Na França? Napoleão colocou as coisas em seu devido lugar, talvez atirando no que viu, e acertando no que não viu. Nos EUA? James Madison também colocou as coisas em seu devido lugar. O resto é o resto, ou seja, História.
    Coisa pública? O que é – no sentido de propriedade – do público, do povo, nesse mundo? Praças e parques de livre acesso? O que era público na Grécia, no auge de sua chamada democracia? Questões civis, administrativas, que hoje seriam o direito a morar numa rua asfaltada, ou de ser servido por um sistema de transporte decente. As decisões de Estado, ou cidade-estado, as questões políticas e econômicas eram privativas da elite dirigente. Não existe coisa pública: tudo é privado. Tudo que de fato tem relevo ou valor, de qualquer natureza, é privado, tudo que de fato tem influência sobre o estado e seus habitantes, é controlado por interesses privados.
    Evidentemente que, se você alcança um determinado patamar de bem-estar social, de educação e saúde, a democracia nos moldes das sociais-democracias européias funciona. Os requisitos básicos da cidadania podem ser atendidos, as demandas se tornam específicas e pontuais, e seu atendimento não gera maiores consequências. Por que não poderíamos alcançar semelhante estado de evolução democrática? O que nos impede?
    É simples: o bem-estar social e a prosperidade européia, macaqueados em parte pelos americanos, com seu bem-estar social (mas nem tanto assim) e sua prosperidade (para uns poucos), não foram alcançados por administrações éticas, pela moralidade cristã, pela vontade desinteressada de levar paz e democracia aos quatro cantos do mundo; foi alcançado por meio de invasão, pilhagem, conquista, massacres, genocídios. Séculos de História foram preenchidos por toda sorte de violência. Em estágios anteriores, em seus próprios territórios, e depois, na terra dos outros. E esses outros somos nós – entramos como pingentes nesse trem da História, e de lá continuamos despencando, até hoje. E enquanto eles estavam ocupados com essas edificantes atividades, nenhum deles se autodenominava ‘democracia’. Depois, à medida que sua burguesia crescia em poder e influência, descobriram essas verdades imutáveis e universais, a fraternidade, igualdade, liberdade, e as enfiaram goela abaixo dos outros. E, uma vez que as engolimos, descobrimos que elas tinham sabor diferente, para nós. E, quando os Estados Unidos começaram a emular seus pares europeus, não é significativo que, ainda que ostentando a condição de Democracia, tenham adotado os mesmos métodos?
    Ah, nós, os nativos e os transplantados para cá, na América do Sul, e os nossos iguais da Ásia, da África. Fomos colonizados, fomos explorados, nossos recursos naturais exauridos. Quem os auxiliou, nessa tarefa? Hoje atendem pelo nome de “Elite”. Os bezerros mais taludos. São hoje, os principais porta-vozes da Democracia, da Liberdade, dos valores universais, e sempre prontos a estigmatizar quem se atreva a questionar essas coisas altamente discutíveis, como comunistas, anticristos, etc., etc., etc. E, eventualmente, encarcerar em Curitiba, bastando para isso apenas cavalgar rente à cerca, para recolher migalhas. Que ousadia desse pau-de-arara.
    Nada contra a democracia; a questão que se põe, ao menos para mim, é: ela já existiu, em algum lugar? É possível implementá-la, hoje, aqui no antigamente chamado Terceiro Mundo – subdesenvolvidos, depois em desenvolvimento, hoje emergentes, amanhã?… – nesses moldes tradicionais, que igualam aritmeticamente o bilionário e o faxineiro, mas onde o bilionário mexe seus pauzinhos e o faxineiro apenas sua vassoura?
    Democracia, sim; mas desde que criada e desenvolvida por nós mesmos, visando as nossas necessidades e possibilidades. “Celeiros do Mundo”, disfarçados de democracias, não.

  2. Totalmente de acordo, mas imaginar que todo esse ódio foi plantado nas eleições de 2014 é talvez um erro tão grande quanto crer na altivez democrática das nossas instituições.
    O grande erro de análise das esquerdas, e que continua impávido e colosso, foi acreditar nas ilusões antropológicas acerca de nosso temperamento político como povo e elite, cito, “o Brasil é um país pacífico”, “nosso povo é alegre e acolhedor”, “nós sempre preferimos a negociação à violência política”, “nós não somos dados a radicalismos”, “a democracia está consolidada em nosso país” etc.
    Talvez a característica mais autêntica de nossa cultura política é a tendência indisfarçável de querermos imensamente acreditar que nós somos o que nunca fomos e, talvez, nunca seremos.

  3. No curto prazo, os comentários do Nassif em 2015 estavam certos e Eduardo Ramos estava enganado.

    No médio prazo, o Eduardo recobrou a razão.

    Então, eu diria que as instituições podem funcionar, porém são movidas a interesses mesquinhos de curto prazo. Quando o quadro ao longe vai ficando muito tenebroso, tratam de se resguardar e procuram executar seu verdadeiro papel, na lógica de perder os anéis para manter os dedos.

    Acho que precisamos levar isto sempre em conta, por mais seguros que estejamos em relação à nossa crítica da realidade.

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