A excrescência histórica e política do vice-presidente no Brasil, verdadeiro ovo da serpente
por Francisco Celso Calmon
Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.
Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais. (CF)
O Vice-presidente do Brasil é o segundo cargo mais elevado na esfera do Executivo brasileiro. Tem a função de substituir o Presidente no caso de viagem ao exterior ou impedimentos e sucedê-lo em caso de renúncia, morte ou destituição do cargo por processo de impeachment.
Mas nem sempre foi assim. As Constituições republicanas anteriores a de 1988 previam funções para o vice-presidente.
A Constituição de 1891 previa que o Vice-Presidente da República ocuparia também a presidência do Senado; as de 1934 e de 1937, (produtos da chamada revolução de 1930, Constituinte de 34, e do golpe de Getúlio, inaugurando a ditadura do Estado Novo) não previam o cargo de Vice-Presidente. A de 1946 repetiu a de 1891, com o vice na presidência do Senado; A Constituição de 1967, a da ditadura militar, previa o Vice-Presidente da República também na função de Presidente do Congresso Nacional.
Num átimo de atenção percebe-se a excrescência: um membro do Executivo dirigindo o poder Legislativo. Foi a hipertrofia do Executivo em detrimento do Parlamento.
Na Constituição Cidadã, 1988, o Vice-Presidente fica unicamente como Poder Executivo, como auxiliar do presidente, que pode ser muito ou nada, e sem qualquer função no Poder Legislativo, salvo definida em lei complementar – e aí mora outro perigo.
Com um pé no Executivo e outro no Legislativo, o vice-presidente da República foi outrora muito poderoso, para fortalecer ou desgastar o governo federal, a história registra a segunda opção.
Na a ausência de funções pré-definidas, o vice fica ocioso ou vai cumprir missões dadas pelo presidente; em ambas as hipóteses podem surgir desconfortos entre eles. Lembremos que o vice não pode ser demitido. À guisa de chiste, não há possibilidade de um divórcio amigável, e complica, pois os bens eleitorais (votos) são do presidente e não dá para ser dividido.
A ausência do presidente do território nacional não justifica mais a sua substituição, doença que não impeça o exercício de suas faculdades mentais, em princípio, também não, doença prolongada, provavelmente que sim, sua inabilitação momentânea idem, já por isso, valeria perguntar, vice só para essas eventualidades?
Impedido por crime comum praticado durante o mandado ou por improbidade administrativa, ou por morte, ou por incapacidade física ou mental permanente, cabe atualmente ao vice assumir, porém, não seria mais adequado, respeitando o princípio da soberania popular, realizar novas eleições num prazo de 60 dias?
E no vácuo ficaria o presidente do STF ou do STE no comando da nação.
A chapa de presidente e vice é una. O vice não é eleito separadamente, como já fora no passado. O que isso significa? Significa que há uma identidade única, uma chapa com um só pensamento, com um só propósito, com um único programa e compromisso.
Não é admissível nem em teoria e nem na prática da gestão, que o suplente do titular possa, em quaisquer casos de substituição, fazê-la diferente do titular.
A gestão da presidência não é como jogar futebol! O vice tem que atuar no mesmo sentido do presidente, com as características bem semelhantes, pois está lá e foi eleito para, em caso de vacância, dar prosseguimento ao contrato firmado politicamente com o eleitorado.
Contudo, se o vice pensa diferente, tem passado político antagônico ao do presidente, qual o significado para a população que elege o presidente baseado em sua trajetória, suas ideias, ideais e compromissos?
Por que insistir no que, em regra, deu errado, ou seja, um vice oposto ao titular? Sujeito sempre às vivandeiras do golpismo e à traição?
Por que negar os ensinamentos da história? O passado mostra que o vice é o ovo da serpente!
Se fizer uma pesquisa junto aos eleitores para a escolha do vice do Lula, certamente o Alckmin não será escolhido.
Cabe indagá-lo o que ele acha dessas declarações da presidenta do Partido dos Trabalhadores: “Não tem necessidade de carta ao povo brasileiro, as pessoas já conhecem o Lula. Não precisamos mais de um Palocci”, “A única coisa que não vamos fazer é quebrar contratos, como o Bolsonaro fez com os precatórios. O resto nós vamos fazer. E não tem mimimi do mercado. Um país que não tem dívida externa, que tem este mercado consumidor não pode ter o povo com fome e sem renda”. E deixou cristalino, “O PT quer mostrar, desde já, que vai revogar o teto de gastos, a política de preços da Petrobras e a reforma trabalhista, e diz, o partido “não estar preocupado com o que pensam os donos do dinheiro”, e é categórica: vamos “deter a privatização selvagem e rever os contratos lesivos ao país”.
Portanto, como já falei em outros artigos, a eleição deste ano será de posicionamento ideológico, diferente das anteriores de saliente arranjo político. São as veredas internacionais que apontam o ressurgimento da luta ideológica. Que a autêntica esquerda brasileira não se acanhe, mostre a sua competência discursiva e formativa.
A mensagem da presidenta do PT não é apenas uma resposta às críticas que a Globo e aliadas têm feito quanto a suposta dubiedade do programa e das declarações do Lula, o recado é mais abrangente.
Outra área que o programa de Lula e partidos coligados tem que apresentar é o da segurança. É complexa, tensa, e quem mais sofre com a insegurança da cidadania são os pobres, negros, mulheres, LGBTQI+, indígenas, os opositores em manifestações de rua, e o passado do Alckmin nessa seara é comprometedor.
Direitos humanos são salvaguardas constitucionais, a Carta Magna do Brasil é depositária e guardiã deles.
Todos sabemos da importância de governar São Paulo, contudo, o Brasil é bem maior, e o Congresso é nessa próxima travessia mais importante. Todos os cuidados com os novos tipos de aloprados.
Já tivemos a República dos bacharéis, a dos militares, a dos tecnocratas, a Administração Pública nos seus altos escalões deve estar na condução de políticos. Por mais brilhante que seja um técnico, seja economista, jurista, médico, engenheiro, não saberá gerir a pasta politicamente. Técnico é auxiliar do gestor político!
Levar o eleitor a pensar que está escolhendo uma chapa com um só significado, quando o vice não tem identidade com o presidente, é enganar o eleitor, em última análise, um estelionato eleitoral.
Lula e Dilma foram mal assessorados em diversas e fundantes áreas, fiquemos como exemplo apenas na escolha dos tribunais superiores do Judiciário, ou seja: compusemos um Poder de traíras ao garantismo constitucional e à soberania popular e nacional.
Foi perdida a maior oportunidade histórica de uma Justiça (judiciário e PGR) serva da letra da Carta Maior da nação; o terceiro Poder da República, pelas escolhas dos governos Lula e Dilma, foi composto pelo pior, jurídica e politicamente. E o genocida do Planalto ainda o deteriorou mais.
Não ocorrerá outra oportunidade semelhante em décadas. E de quem, no plural, é a responsabilidade? Nem lições profundas foram tiradas, apenas as superficiais, do tipo de que o processo de escolha e aconselhamento foram precários, há causas maiores.
Muitos estão preocupados de que estão mudando assessores, mas da mesma escola, da mesma natureza ideológica, do mesmo arrivismo e oportunismo político, junto ao Lula.
O governo do estadista Luiz Inácio Lula da Silva será o último, não haverá outra oportunidade de correção de erros e otimização dos acertos, dele e do PT, que, à exceção do PC da China, é o maior partido de trabalhadores do mundo – é muita reponsabilidade para com a História.
O mais racional, lógico e respeito à soberania popular, é o de manter o vice sem função pré-definida nesta próxima legislatura, e marcharmos para a extinção dessa excrecência e verdadeiro ovo da serpente.
O PT e os partidos coligados ao escolherem o vice devem definir se ele terá alguma função, além da constitucional, e, se sim, qual será, para a maior transparência e compromisso público com o eleitorado.
Nenhuma família sem teto/Nenhum trabalhador sem emprego/Nenhum brasileiro sem comida.
Francisco Celso Calmon, coordenador do canal pororoca e ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça
Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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Excelente Artigo!! Parabéns!!