A Justiça de Transição é a ponte segura pra a construção de uma democracia sustentável
por Francisco Celso Calmon, Ivete Caribé da Rocha, José Luiz Baeta e Thais Helena Lippel
Muitos quadros políticos desconhecem o conceito de justiça de transição, a sua importância e alcance estratégico transformador, compreendendo-a como um subitem dos Direitos Humanos, um reducionismo conveniente ao institucional.
Não haverá democracia plena e sólida sem a aplicação da Justiça de Transição (JT).
A JT é um processo no qual as violações de todos os direitos, especialmente os DHs, pelo Estado, sofrem reparações judiciais, reformas no sistema político, jurídico e social, para impedir a repetição do arbítrio e da impunidade.
Como processo, a JT tem basicamente três eixos. O 1º é o de trazer à superfície a memória daquilo que foi abafado, deformado e mentido. Contraditar a narrativa degenerada durante o arbítrio com a memória verdadeira, baseada em provas documentais e testemunhais.
Com isso passa-se ao 2º eixo, que é o estabelecimento da verdade incontestável, pois fruto de um rigoroso trabalho de pesquisas alicerçadas sobre provas, e ampla divulgação à sociedade.
O 3º eixo é o da justiça, que se abre em duas linhas: a primeira é a reparação moral, psíquica e material, a aqueles que foram atingidos pelos sistemas anticivilizatórios, tal qual o etnocídio dos indígenas, o genocídio dos negros, e dos afetados diretamente pelos regimes excepcionais, ou seja, os atingidos pela ditadura do Estado Novo e pela Ditadura Militar, e, também, pelas práticas protofascistas do governo bolsonarista; a segunda linha da justiça é a responsabilização do Estado e a criminalização dos seus agentes, autores das políticas terroristas e dos crimes de lesa-humanidade e lesa-pátria.
Como produto dessas três fases ter-se-á as recomendações de reformas no sistema, para limpar o lixo dos regimes passados e tornar sólida a construção da democracia.
Cabendo ao Estado a implementação dessas reformas, sob acompanhamento e cobrança da sociedade civil organizada.
Com base nessa compreensão, a Justiça de Transição é um instrumento estratégico para transformar o sistema e alicerçar a construção da democracia popular.
É um equívoco compreendê-la somente pelos seus três eixos, excluindo a totalidade do processo e seu corolário, que são as reformas políticas, para que nunca mais ocorra um regime excepcional de autoritarismo, como a ditadura militar que vivemos e combatemos, e seu filhote retardado, o nazifascismo bolsonarista.
A JT não é um subitem dos direitos humanos, ela é a ponte segura para a construção de uma democracia sólida, sem o risco de recorrências às medidas antidemocráticas e ferramentas totalitárias.
Como no Brasil não teve uma ruptura com o escravagismo, não houve reparação ao etnocídio e genocídios dos indígenas e negros, por isso, a JT deve abranger todos os períodos traumáticos de nossa história, os quais estão interligados como fenômenos dialéticos.
Conceber a JT ao esquemático dos três eixos, é reduzi-la a um instrumental tático, e aí se concentra o cerne da nossa proposta à plataforma de programa de governo do PT de uma COMISSÃO ESTATAL PERMANTE DE JUSTIÇA E REPARAÇÃO, que tem o objetivo de ser um instrumento estratégico para edificação da democracia em sua radicalidade.
https://www.programajuntospelobrasil.com.br/eixo-3/comunicacao-com-democracia-e-pluralidade/criar-comissao-estatal-permanente-de-memoria-e-reparacao/ , entretanto, ao que se saiba não foi ainda analisada no governo de transição.
Aliás, admitimos que o nome da proposta ficou reduzido, devemos acrescentar o termo reforma, para caracterizar o cume, ficando assim: COMISSÃO ESTATAL PERMANENTE DE MEMÓRIA, REPARAÇÃO E REFORMA.
Lançamos o Manifesto Pela Justiça de Transição, anexo, com várias entidades signatárias e o protocolamos na UNESCO.
Estamos publicando este texto e o divulgando amplamente, na expectativa do novo governo vir a abordar essa questão, candente para todos nós que enfrentamos a ditadura militar, bem como para as gerações de filhos e netos, que sofreram os seus efeitos.
De forma análoga para os indígenas e negros, carentes de memória e reparação pelo Estado brasileiro.
Reside na unidade dos historicamente atingidos pelo Estado, a força para lutar pela constituição da COMISSÃO ESTATAL PERMANENTE DE MEMÓRIA, REPARAÇÃO E REFORMA.
Uma vez criada, a sua continuidade independerá de governo. Porém, agora necessitamos do governo Lula/Alkmin para encaminhar o projeto para o Congresso nacional.
A composição sugerida da CEPMR é de no mínimo 8 (oito) membros, com mandato de cinco anos, renováveis. Representante do Executivo (Ministério dos Direitos Humanos), do Legislativo (Comissão de DH da Câmara), do MPF (idem), da Defensoria Pública Federal (idem), e da sociedade civil (movimentos dos indígenas, dos negros, dos anistiados, e dos filhos e netos dos ex-prisioneiros das ditaduras).
Francisco Celso Calmon da RBMVJ; Ivete Caribé da Rocha da Casa Latino Americana – Casla, do comitê m/v/j do Paraná e do Serviço d paz e justiça -Serpaj Brasil; José Luiz Baeta do Comitê m/v/j de Santos; Thais Helena Lippel do Coletivo Catarinense M/v/j.
Anexo ; https://jornalggn.com.br/direitos-humanos/entidades-lancam-manifesto-pela-justica-de-transicao/
Brasil, 13 de novembro de 2022
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.