Abortar o golpe é possível, mas requer coragem, por Fábio de Oliveira Ribeiro

É possível conviver com o capitão autoritário que pretende se manter no poder à qualquer custo ignorando a soberania popular?

Abortar o golpe é possível, mas requer coragem

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Durante 4 anos o Sistema de Justiça brasileiro apaziguou Jair Bolsonaro como Neville Chamberlain tentou apaziguar Adolf Hitler. Os juristas do campo democrático, entretanto, preferiram confrontar o tirano brasileiro à moda de Winston Churchill.

A história inglesa se repete no Brasil como uma farsa recheada de ironias. Enquanto a esquerda jurídica se alinhou ao velho e combativo parlamentar inglês que percebeu imediatamente ser impossível negociar e conviver com o Führer do III Reich, a direita tradicional que predomina no MPF e no Judiciário imaginou ser possível conviver civilizadamente com o capitão genocida.

Ao imitar pessoas sem ar enquanto sabotava impunemente a compra de vacina, fazia propaganda de cloroquina, desautorizava o uso de máscara e lutava para manter as igrejas evangélicas abertas com o intuito facilitar a propagação de um vírus extremamente contagioso e letal, Bolsonaro mostrou todo seu potencial genocida. Mas as denúncias de genocídio feitas contra ele foram repelidas pelo Procurador Geral da República e arquivadas pelo STF.

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O direito de matar cidadãos de maneira aleatória faz parte da constituição real brasileira. Não aquela que foi promulgada em 1988, mas a que depende unicamente da vontade soberana do ditador. Ao proclamar “Eu sou a constituição” em 20 de abril de 2020 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/democracia-e-liberdade-acima-de-tudo-diz-bolsonaro-apos-participar-de-ato-pro-golpe.shtml, Bolsonaro elevou-se à condição de origem e receptáculo do poder político, capaz de legislar de maneira excepcional e decidir qualquer assunto em última instância de maneira excepcional.

Ele decidiu que será reeleito, pouco importando se a população dará ou não a ele a maioria dos votos. Isso explica os ataques dele à urna eletrônica e as ameaças que ele fez ao TSE. A vitória de Lula no 1o turno ameça o estado de exceção bolsonarista. Mantidas as expectativas eleitorais, é evidente que Bolsonaro perderá uma eleição que ele não queria realmente disputar.

Durante a campanha, Bolsonaro disse “Só saio [da presidência] preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso” https://www.facebook.com/watch/?v=886898518915994 . É evidente que o capitão genocida nem sequer cogita sair da presidência pacificamente se for derrotado de maneira legítima por Lula. Portanto, possibilidade de violência política em caso de derrota do bolsonarismo é real e não pode ser afastada.

Preocupado com a derrota no 2o turno, o tirano já começou a usar a PF para ameaçar os institutos de pesquisa. Desafiando tanto o STF quanto o TSE, Bolsonaro voltou a espalhar Fake News contra Lula. Os ataques dele à Justiça Eleitoral serão inevitavelmente retomados nos próximos dias. Isso nos leva novamente à questão inicial:

É possível conviver com o capitão autoritário que pretende se manter no poder à qualquer custo ignorando a soberania popular? A resposta é não.

Bolsonaro construiu sua carreira parlamentar dentro dos limites da legalidade mas ele nunca foi capaz de ficar em paz Estado de Direito. Ele está em guerra contra a democracia há décadas e nunca escondeu sua preferência bestial pela tortura (crime hediondo tipificado pela legislação) e sua predisposição a matar centenas de milhares de pessoas por razões políticas.

Ao transformar a pandemia numa arma de destruição em massa para exterminar parte da população a fim de desonerar o Orçamento da União, o tirano brasileiro deveria ter sido punido. Como isso não ocorreu ele se sente à vontade para seguir em frente como se tivesse o direito divino de comandar o país com uma pistola na cintura.

Bolsonaro está deixando claro que não aceitará a derrota eleitoral. O que o Sistema de Justiça fará se ele quiser sair morto do Palácio do Planalto?

Neville Chamberlain negociou com Hitler e não conseguiu evitar a II Guerra Mundial. A Inglaterra teria sido inevitavelmente derrotada se Winston Churchill aceitasse fazer uma paz em separado com a Alemanha após a derrota da França. O Sistema de Justiça está em paz com Jair Bolsonaro e será destroçado junto com todas as outras instituições democráticas.

O momento para resistir à ditadura com a força da Constituição Cidadã é agora. Nada mais poderá ser feito dentro da legalidade após o golpe de estado que o tirano, os filhos dele e alguns generais tramam em segredo e ameaçam executar sempre que dão entrevistas.

Não é possível concluir esse texto sem recordar o principal motivo que levou o Sistema de Justiça a apoiar o golpe de estado de 2016 e a flertar com a bestialidade autoritária. Milhares de juízes, procuradores e promotores não conseguiram aceitar a decisão de Dilma Rousseff de barrar o aumento salarial que eles desejavam. 

A democracia brasileira é obrigada a conviver com um Sistema de Justiça que odeia a soberania popular e que acredita ter o privilégio de submeter o Estado às reivindicações salariais mesquinhas. A esquerda não foi capaz de democratizar o Ministério Público e o Poder Judiciário, mas os juízes, procuradores e promotores conseguiram desdemocratizar o país. 

E agora os principais atores do golpe de 2016 devem escolher se irão ou não conviver com a ditadura bestial que começaram a legitimar para garantir salários acima do teto e aposentadorias abaixo da moralidade. Ninguém ficará surpreso se os juízes, procuradores e promotores votarem em Bolsonaro. Em algum momento futuro isso obrigará a população brasileira a escolher entre tratar o Sistema de Justiça à moda de Chamberlain ou de Churchill. 

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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