Democracia, nosso valor inegociável, e sua formação cidadã, por Ives Teixeira Souza

Apenas a luta para sermos livres é capaz de criar as condições para o combate da desigualdade entre os grupos historicamente alijados

Democracia, nosso valor inegociável, e sua formação cidadã

por Ives Teixeira Souza

Liberdade, a força de Minas; nosso compromisso primeiro, que foi renovado na última sexta, 28 de abril, pela comunidade universitária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na apresentação de resultados parciais de dezenas de projetos de pesquisa, ensino e extensão dedicados ao combate à desinformação. 

“O bom da democracia é isso. Ninguém pode tudo, nem pode sempre”. Foi citando Afonso Pena, fundador e primeiro diretor da Faculdade de Direito da UFMG, que a reitora da Universidade, Sandra Goulart Almeida, saudou os participantes da mesa de encerramento da 1ª Jornada UFMG de formação cidadã em defesa da democracia, que contou com conferência da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, mineira de Montes Claros, mestre em Direito pela UFMG e ganhadora, em 2016, da Medalha de Honra da instituição.  

Entre os presentes no evento, realizado na Reitoria da Universidade, além de discentes, técnico-administrativos e professores, a desembargadora Mônica Sifuentes, presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Região e também egressa da casa, e as ex-vice-reitoras Heloisa Starling e Rocksane Norton que, assim feito a reitora Sandra, foram perseguidas pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União no âmbito do projeto Memorial de Anistia Política do Brasil.  

A Reitora Sandra Goulart Almeida ressaltou que não basta a informação e sim a formação cidadã, visto que “a democracia precisa de nós, e nós dela”. E que por ser a democracia valor inegociável para a UFMG, os pesquisadores da universidade tiveram pronta adesão ao chamado do STF, que visava articular com o saber científico soluções possíveis para a desinformação que atravessa o cotidiano da sociedade brasileira.  

Legislação não impede desinformação  

Em fala sobre liberdades, a ministra Cármen Lúcia enfatizou que a formulação jurídica diante da desinformação, definida por ela enquanto deformação provocada pela mentira que domina a mente, não cessa pelo Direito. “Não vai ser apenas um projeto de lei que vai fazer isso”, enfatizou a ministra ao fazer referência indireta ao projeto de lei 2630/20, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. 

A liberdade, na concepção da ministra, de não ser dominado por aquele que, pela informação mentirosa, convence o outro que a mentira liberta e, assim, exerce a posse, o poder sobre a tomada de decisão desse outro. Para recriar a democracia e nos salvar de nós mesmos, inferiu Cármen, é preciso ampliar as formas de atuação com a sociedade a fim de diminuir o medo que impede a ação de ser livre consigo e com os outros.  

Na defesa não facultativa da democracia, entre as dezenas que fazem parte do Programa UFMG de Formação Cidadã, duas pesquisas são exemplos da atuação da instituição para tentar, como todo fazer científico, de fracasso em fracasso – como bem lembrou a ministra da música de Mário Lago cantada por Núbia Lafayette – formar cidadãos para fazerem “milagres”.  

DigitalConst 

Desenvolvido pelos professores Emílio Meyer e Fabrício Polido, ambos da Faculdade de Direito, o projeto Governança de conteúdo, constitucionalismo digital e diálogos jurisdicionais (DigitalConst) questiona as fricções entre a moderação de conteúdo on-line, os agentes humanos e não-humanos (inteligências artificiais), as regulações privadas transnacionais e as normas constitucionais e infraconstitucionais locais.  

Em outras palavras, a pesquisa fornece “insumos para a discussão sobre como proceder a regulação jurídica das mídias sociais no Brasil e de outras formas de difusão de informação via novas tecnologias digitais”, como explica o professor Meyer no vídeo de divulgação produzido pela UFMG.  

Ele ainda aponta que “a bandeira da ampla liberdade do manejo da informação é levantada por plataformas digitais que não estão interessadas em qualquer tipo de regulação.” A pesquisa apresenta a necessidade de normatização por meio de parcerias entre o poder estatal e as instituições que comandam as plataformas digitais, com o engajamento dos usuários em conselhos sobre o tema.  

Estratégias organizacionais de desinformação  

“Empresas do setor de energia e de petróleo empregam práticas de manufatura de incertezas acerca das mudanças climáticas e do aquecimento global, por exemplo.  Entender como essas empresas empregam tais práticas é um elemento muito importante para uma educação cidadã”, explica Daniel Reis, professor do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) e coordenador do projeto de extensão Educação para o enfrentamento de estratégias organizacionais de desinformação, para o site do Programa de Formação Cidadã.  

Com a intenção de auxiliar os estudantes de Ensino Médio a identificar e lidar com as estratégias e práticas contemporâneas abusivas de comunicação organizacional, o projeto contempla encontros formativos e oficinas colaborativas para construção de campanhas de combate à desinformação. “É uma tentativa de fazer com que esses estudantes criem um repertório e um olhar crítico capaz de lidar com essas práticas”, explica o professor. Em Minas, entre os destaques estão as práticas realizadas pelas mineradoras, entre as quais o exemplo maior é o da Vale S.A., com suas articulações no cotidiano de atingidos diretos por sua atividade exploratória a partir de cenários midiáticos.    

“O objetivo é chamar atenção para a dimensão estratégica da desinformação, em que grandes atores empregam técnicas avançadas de relações públicas e de persuasão para influenciar nas disputas de sentidos e nas controvérsias contemporâneas”. O professor explica que essas estratégias hoje são muito mais complexas. “Antes, eram mais voltadas para a imprensa, hoje elas se utilizam das lógicas de plataformas e das mídias sociais para disseminar desinformação e para criar manufaturas de dúvidas nos debates sobre temas como educação, saúde, meio ambiente”, complementa Daniel.  

As demandas da democracia  

Diante de tantas tentativas fracassadas em sua totalidade, mas ágeis a ponto de destruírem paulatinamente nosso ethos democrático, a responsabilidade com a liberdade exige não uma ação facultativa, mas permanente e com a firmeza necessária para a defesa incondicional dos valores democráticos. 

Se liberdade é o conceito e a ação que move Minas Gerais e se a UFMG é o espírito moderno de Minas, conforme conceituou o professor João Antônio de Paula, cabe a nós, comunidade universitária, seguir o ensinamento de que a UFMG nunca se curvou e jamais se curvará ao arbítrio. Apenas a luta para sermos livres é capaz de criar as condições para o combate da desigualdade entre os grupos historicamente alijados, que ainda permanecem no porão do navio colonial nomeado Brasil.  

A expectativa é que em setembro deste ano seja lançado o livro, em parceria com o STF, com os resultados iniciais das pesquisas que fazem parte do Programa UFMG de Formação Cidadã em Defesa da Democracia, dando início às comemorações do centenário da Universidade, a ser completado em 2027. 

Ives Teixeira Souza, doutorando em Comunicação Social pela UFMG. 

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