Entre o pus e a goiabada, por F. Ponce de León

Anos e anos de Jornal Nacional martelando na cabeça do público notícias plantadas e distorcidas (para não dizer falsas) deu no que deu

Enviado por Felipe A. P. L. Costa.

Entre o pus e a goiabada.

Por F. Ponce de León, do blogue Poesia Contra a Guerra.

RESUMO. Este artigo procura chamar a atenção para o falso dilema (reeleger vs. reconduzir) que os eleitores brasileiros terão diante de si no próximo domingo (30/10).

1.

Nenhum de nós (você, eu ou qualquer outro cidadão brasileiro) tem motivos racionais para votar pela reeleição do atual presidente. Muitos votarão nele, claro, muito mais do que seria razoável esperar. (Pense: Transcorridos quase quatro anos, quantos tijolos o governo federal de fato assentou?) Ocorre que a imensa maioria dos votos pela reeleição não tem qualquer lastro na racionalidade.

Alguns votarão nele por razões meramente oportunistas – e.g., foragidos da justiça, sonegadores de impostos, grileiros e um batalhão de ilusionistas que ganham a vida vendendo lotes na Lua e surrupiando o dinheiro dos mais pobres. Muitos outros, porém, votarão de boa-fé, ainda que amparados em ideias falsas e ilusórias. Ideias que não resistem a qualquer exame minimamente sensato. No que segue, gostaria de ilustrar o meu ponto de vista examinando um dos comentários mais perniciosos com os quais eu tenho me defrontado nos últimos anos: “Nos oito anos em que ocupou a presidência, o ex-presidente Lula roubou e enriqueceu, assim como os seus filhos.”

2.

Lula não é um santo nem é perfeito. Como todos nós, ele é humano. E seres humanos erram, mesmo quando são bem-intencionados. Não estou a me referir aqui, evidentemente, a erros de natureza moral ou ética. Estou a me referir a erros políticos ocorridos durante os dois governos dele (2003-2006 e 2007-2010).

Boa parte dos problemas que ocorrem no âmbito do poder executivo ou, mais especificamente, na presidência, sequer chega ao conhecimento dos repórteres, muito menos do público. A maioria dos problemas não vem a público por motivos óbvios: muitos deles são triviais, desprovidos de interesse jornalístico. (Eu mesmo escrevi artigos críticos ao governo Lula. Em um deles, por exemplo, tratei do imbróglio que cercou a compra do novo avião da presidência – referido na época como AeroLula.)

3.

Mas a imprensa também omite certas coisas por motivos torpes. Sobre isso, aliás, cabe aqui uma palavrinha adicional. O ex-presidente costuma reconhecer e pedir desculpas pelos erros que comete, tanto interna como externamente. Ocorre que a imprensa prefere não divulgar notícias que ilustrem o comportamento digno do ex-presidente. Por quê? Por que o resultado final seria positivo para a imagem dele junto à opinião pública.

E as empresas jornalísticas são, em primeiro lugar, empresas. Mais do que garimpar notícias com clareza e rigor, elas estão preocupadas com o balanço financeiro. O que ajuda a explicar por que são tão subservientes aos governantes – e.g., veja como rádios e jornais de pequena circulação bajulam os prefeitos das cidades pequenas.

As grandes empresas jornalísticas, por sua vez, fazem grandes negócios. E não é aconselhável falar bem de alguém que você pretende chantagear em futuras negociações. Veja o caso da Rede Globo, o grupo de mídia mais forte do país e o único que, a rigor, tem uma equipe de jornalistas capaz de cobrir diariamente todas as unidades da federação e todas as nossas 200 maiores cidades. (Em tempo: dos 5.570 municípios brasileiros, os 194 maiores concentram 50% da população do país.)

4.

Fato é que a mídia prefere cultuar a imagem de que o ex-presidente é um operário espertalhão e cachaceiro, um metalúrgico que vive com as mãos sujas de graxa. (Para mim, ‘cachaceiro’ não é problema; o problema aqui está no ‘espertalhão’.) O aspecto mais irônico dessa história talvez seja o fato de que o ex-presidente é muito bem avaliado pela imprensa internacional. Mais do que qualquer outro presidente brasileiro jamais foi. (A rigor, o único que se presta a alguma comparação seria FHC, o oráculo da Folha de S. Paulo.) Muita gente lá fora aprecia e gosta do Brasil e por isso mesmo torce para que o Sapo Barbudo volte ao Palácio do Planalto. (A popularidade internacional de Lula sempre provocou ciumeiras por aqui. Em especial entre alguns graúdos da nossa elite econômica e política. Em 2013, por exemplo, quando os delinquentes da Lava Jato já estavam a afiar as garras, o fato de o ex-presidente ter se tornado colunista do New York Times – ver aqui – provocou comichão em muita gente.)

5.

Anos e anos de Jornal Nacional martelando na cabeça do público notícias plantadas e distorcidas (para não dizer falsas) deu no que deu: Gente despolitizada a vociferar pelas ruas contra a ‘corrupção’, muitos ostentando a camiseta amarela de uma organização sabidamente criminosa.

Veja quanta gente de boa-fé ainda hoje acha que Lula (e seus filhos) enriqueceu. Trata-se evidentemente de uma inverdade. Mas de uma inverdade que foi deliberadamente plantada e cultivada por gente de má-fé – e.g., editores, repórteres e, sobretudo, certos colunistas da grande mídia. (Todas ou quase todas as empresas jornalísticas visam obter lucros. E, a princípio, não há mal nisso. Ocorre que algumas delas não se envergonham de obter lucros lambendo o chão. Veja o caso da Jovem Pan, talvez a mais cínica e a mais insidiosa das emissoras que tomaram para si a tarefa de manipular a opinião pública a favor da extrema-direita.)

O aspecto mais importante de toda essa história é o seguinte: ao contrário do presidente atual, que manipula ou tenta manipular as instituições em benefício próprio 24 horas por dia (veja, por exemplo, quantos delegados da PF já foram exonerados a mando dele), o ex-presidente nunca fez nada parecido. Não custa lembrar: a mando da Lava Jato (ela própria uma organização criminosa incrustada dentro do estado), Lula (e seus familiares) foi exaustivamente investigado. E investigado de um modo como nunca antes se deu com qualquer outro político brasileiro. Ora, ao final de seis anos de excessos e abusos paranoicos (e.g., até o celular do neto dele foi confiscado), o que se descobriu? Qual era o tamanho da riqueza do ex-presidente? Ou você é daqueles que acreditam que algum dos filhos dele é ou era dono da Friboi, da Oi e da Torre Eiffel? (Pois estas foram algumas das ‘verdades’ que a extrema-direita fez e ainda faz circular nas redes.)

6.

Após todo o estardalhaço promovido pela Lava Jato, qual era, afinal, o tamanho do tesouro que o ex-presidente mantinha escondido debaixo do colchão? Quantas pedras preciosas ele havia enterrado no quintal de casa? E qual seria o saldo bancário do Nove Dedos – milhões de dólares ou bilhões de reais? Nada disso.

Olhe agora para o comportamento do presidente atual e dos seus três filhos mais velhos. Considere por alguns instantes a aventura imobiliária da família real. A julgar pelos documentos que vieram à luz recentemente (ver aqui, por exemplo), a família real adquiriu 107 imóveis ao longo das últimas três décadas, 51 dos quais foram pagos em dinheiro vivo! (Pagar em dinheiro vivo não é crime. Mas é um modo de esconder a transação, uma prática comum no mundo do crime.)

Ora, se um maldito tríplex de quinta categoria no Guarujá rendeu anos de Jornal Nacional e um sem número de manchetes e capas de revistas, por que será que os 107 imóveis da família real renderam até agora apenas e tão somente uma notinha de rodapé?

7.

É por essas e outras que eu digo: Quem for às urnas no próximo domingo, 30/10, terá diante de si um falso dilema. E o falso dilema é este: reeleger o dono de uma imobiliária ou reconduzir ao cargo um estadista. (Um estadista cujo maior defeito político é conversar com todo mundo, inclusive com quem fala mal dele pelas costas.)

Não há nada de difícil nesse falso dilema. É como escolher entre o pus e a goiabada.

* * *

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

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