Internet das coisas, ma non troppo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Mas existe um buraco negro sobre o qual os apóstolos da internet das coisas não falam.

Internet das coisas, ma non troppo

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Eis aqui uma provocação que parece absurda, mas que na verdade é extremamente legítima.

Nos EUA a internet das coisas está se tornando uma realidade, pois as empresas que fabricam todos os tipos de utensílios caseiros, estão se adaptando para a produção de mercadorias que extraem dados. Existem geladeiras inteligentes, campainhas inteligentes, vasos sanitários inteligentes, camas inteligentes, aspiradores de pó inteligentes, escovas de dentes inteligentes, etc. O objetivo dessas empresas é ganhar dinheiro de duas formas: vendendo produtos novos e comercializando os dados que são produzidos por seus usuários.

Quanto maior a quantidade de dados, melhor será a qualidade de vida dos usuários. É isso o que dizem os apóstolos da internet das coisas. A única coisa que os incomoda é a resistência das pessoas que desejam preservar sua privacidade, as críticas de autores como Shoshana Zuboff e, é claro, a baixa capacidade de consumo da maioria da população americana. Alguns deles também tem um pavor dos buracos negros, ou seja, da impossibilidade de extrair dados de algum tipo de atividade humana. Eles preveem um declínio da lucratividade do novo modelo econômico em virtude desses buracos negros.

Mas existe um buraco negro sobre o qual os apóstolos da internet das coisas não falam. Na verdade, eles têm um verdadeiro horror à extração de dados de um tipo particular de mercadorias muito comercializadas nos EUA. Refiro-me obviamente às armas de fogo.

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Eu não sou o cara mais inteligente no mundo. Mas eu tenho a impressão que quem consegue coletar dados de escovas de dentes não teria muita dificuldade de coletar dados dos usuários de armas de fogo. Que tipo de arma é utilizada, quantas vezes o seu dono puxou o gatilho, onde a arma foi levada e usada (dados de GPS) e, obviamente, uma foto em tempo real do alvo atingido.

Os jogos eletrônicos evoluíram até provocarem a imersão do jogador no ambiente do jogo. À medida que essa evolução aconteceu, os episódios dramáticos com atiradores em escolas, shoppings, etc… foram se tornando mais e mais comuns. Os norte-americanos brincam de matar dezenas de pessoas como se estivessem jogando Doom.  Mas se a tecnologia da internet das coisas se tornar obrigatória nas armas de fogo uma revolução ocorreria. Sabendo que os dados de suas armas serão coletados e poderão ser analisados pela Polícia e utilizados como prova nas ações criminais, os donos delas provavelmente seriam mais cautelosos ao utilizá-las.

Internet das coisas nas armas significaria uma explosão de vendas de armas de fogo nos EUA, especialmente se as armas de fogo convencionais tivessem que ser recolhidas e destruídas. Todavia, nenhum apóstolo das novas tecnologias foi capaz de defender essa tese. De fato, muitos deles querem coletar os dados das outras pessoas, mas secretamente desejam manter a privacidade total quanto às armas de fogo que eles têm e eventualmente utilizam.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. Com certeza, a internet das coisas aplicada às armas de fogo, forneceria sua máxima contribuição à segurança das populações.

  2. Uma arma rastreável é certamente bem mais útil pra sociedade do que saber se na minha geladeira tá faltando toddynho. Boa análise.

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