do Observatório de Geopolítica
Jogos que não acabam
por Felipe Bueno
Veloz para comentar e julgar casos midiáticos e instagramáveis, parte da sociedade não tem a mesma rapidez quando fatos mais difíceis de entender passam pelo noticiário.
Como mostrei aqui algumas vezes, o futebol traz vários ensinamentos sobre a complexidade do mundo.
Neste início de setembro tivemos mais um triste capítulo, na fase eliminatória da Euro 2024.
Num jogo entre Romênia e Kosovo, na capital do país anfitrião, parte da torcida local hostilizou os visitantes com faixas nas quais se lia Kosovo é Sérvia. A partida chegou a ser interrompida pela arbitragem.
Quem acompanha o futebol mundial, especialmente o europeu, sabe que existem alguns marcos no tempo que definem épocas, os famosos antes e depois. Um desses marcos é o esfacelamento da Iugoslávia.
Era uma quarta-feira, 29 de maio de 1991, e o Estrela Vermelha de Belgrado derrotava nos pênaltis o Olympique de Marselha na final do que hoje chamamos de Champions League. A linha do tempo desse grupo de jogadores se iniciava em 1987, no mundial sub-20 vencido pelos iugoslavos no Chile, e se estenderia até o espetáculo proporcionado pelos croatas ao chegar em terceiro lugar na Copa do Mundo de 1998.
De volta a maio de 1991, o Muro de Berlim já havia caído, o socialismo real já se transformava em fantasma, a Eslovênia e a Croácia já buscavam a autonomia do castelo de cartas em que havia se transformado a Iugoslávia. Começava a guerra, uma sequência de tragédias que varreu os anos 1990.
Virava o século e o voo dos pedaços da antiga república socialista ainda não havia acabado.
Em 2008, Kosovo, um dos inúmeros cantos dos Bálcãs ricos em história, declarava-se independente da Sérvia, com quem passou a formar uma longa e tensa fronteira – o restante dos limites da pequena nova nação estabeleceu-se com Macedonia do Norte, Albânia e Montenegro.
Do ponto de vista da História de longa duração, o povo kosovar é credor de uma dívida de violência e opressão que vai, em retrospectiva, do delírio da Grande Sérvia ao Império Romano.
E em momentos nos quais sua modesta seleção de futebol tenta simplesmente disputar uma competição, seu povo é lembrado de que o pagamento ainda não foi realizado. Talvez nunca seja.
Quanto à Romênia, recomenda-se aos torcedores hostis que invistam em um pouco de estudo sobre a história do próprio país.
Buscar conhecimento sobre as linhas que compõem esse pedaço de mundo pode contribuir para entendimentos diversos: ajuda a compreender o que é a Europa, seus pecados internos não absolvidos e suas projeções para o futuro. Sombrias ou ensolaradas, a depender das respostas que serão dadas a inúmeras perguntas.
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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