Não Há Democracia no Tennessee, por Nadejda Marques

Após cada incidente, aumentam os protestos demandando a proibição ou, ao menos, um controle mais restrito da comercialização de armas de fogo.

Campanhas contra a liberação de armas nos EUA têm esbarrado no Congresso e nos interesses da indústria. Foto: Gun Violence Archive

Não Há Democracia no Tennessee

por Nadejda Marques

Dezenas de milhares de estudantes se juntaram em uma ação coletiva na quarta-feira passada (5 de abril) por todo os Estados Unidos. Ao meio dia, saíram de suas aulas em massa e participaram de atividades e protestos demandando o controle de armas. Em muitas escolas, tiveram o apoio dos pais e dos seus professores. O protesto que tem se repetido anualmente também é uma homenagem às vítimas dos ataques às escolas pelo país e tem o apoio de grande parte da sociedade americana mas, alguns querem que as homenagens se restrinjam ao silêncio. 

Contrariando a razão, observa-se que nos últimos anos houve uma maior proliferação de armas de fogo nos EUA graças ao lobby do NRA que tem conseguido, através dos Partido Republicano, a aprovação de legislação que facilita a comercialização de armas, inclusive de armamentos de guerra para civis. São leis, por exemplo, que reduzem a idade mínima para compra e porte de arma ou leis que impediriam a checagem dos antecedentes dos compradores de armas.

Até abril de 2023, segundo o Gun Violence Archive, os EUA já viveram ao menos 146 ataques armados em massa, isto é, ataques com armas de fogo onde quatro ou mais vítimas são feridas ou mortas. Desses, 12 ocorreram em escolas primárias ou secundárias causando a morte de dez crianças e deixando dezenas de feridos. Esses ataques armados contra as escolas não são a maioria dos incidentes de violência com armas nos EUA, mas, evidentemente, têm um grande impacto nas comunidades envolvidas e na sociedade como um todo em termos de sofrimento coletivo, sentimento de perda, insegurança e trauma.

Após cada incidente, aumentam os protestos demandando a proibição ou, ao menos, um controle mais restrito da comercialização de armas de fogo. Um desses protestos, em Nashville, Tennessee, foi organizado após o ataque, no dia 27 de março, a uma escola particular da cidade onde seis pessoas morreram, três delas crianças. No dia 30 de março, estudantes e pais de Nashville caminharam em passeata até a Assembléia Legislativa onde se juntaram a três deputados estaduais do Partido Democrata que fizeram discursos contra a falta de ação da Assembléia após o ataque em Nashville. Dois deles, Justin Jones e Justin J. Pearson são jovens líderes negros, eleitos por distritos em Nashville e Memphis, respectivamente. A terceira líder era Gloria Johnson, uma das poucas mulheres eleitas no estado. Durante o protesto, seus microfones foram cortados, então eles trouxeram megafones. Gritavam palavras de ordem como “sem ação, não há paz” (no action, no peace) que é uma variação do slogan “no justice, no peace” (sem justiça não há paz) normalmente associado com os protestos contra o racismo e a violência policial durante os protestos do Black Lives Matter, mas também usado antes disso, nos protestos dos anos 80.

A Assembléia Estadual do Tennessee, de maioria Republicana (72 deputados Republicanos e 25 deputados Democratas), decidiu que o protesto foi uma falta de decoro e que os deputados envolvidos deveriam ser expulsos. Gloria Johnson, que é branca, não foi expulsa por um voto e a expulsão dos Justins, como foram apelidados, não foi surpresa para ninguém, mas escancarou para o mundo o abuso do poder, o autoritarismo e a hipocrisia de um parlamento que há dois meses aprovou uma lei que proíbe shows de drags supostamente porque esses shows seriam perigosos para crianças. Não há registro algum de criança que perdeu a vida por causa de um show de drag, mas, todos os anos, centenas de crianças morrem por causa de armas de fogo. A hipocrisia não para por aí, aqueles que representando seu eleitorado pediam o mínimo para proteger as crianças do estado foram calados e expulsos arbitrariamente.

Não há democracia no Tennessee.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

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