“Não vem ao Caso”, por Jean Pierre Chauvin

A circunstância preencheu a fala de delatores, com maior ou menor senso de oportunismo 

Por Jean Pierre Chauvin

Se há uma prática recorrente na necolônia Brasil, durante os últimos quatro anos, tem sido o tom arbitrário dos juízos emitidos e sentenças aplicadas, com critério subjetivo e rigor relativo. Nessas ocasiões, em que a lei revela caráter de máxima flexibilidade interpretativa, quase sempre lidamos com o silêncio eloquente dos anti-petistas (quando se suspeitava que a tinta cor de sangue resvalava para o lado dos “patriotas”) ou a condenação à fogueira de supostos “comunistas”, a despeito da ausência de documentos assinados e todo o acervo que deveria compor os autos do processo.

O fato é que a oitiva tomou o lugar da materialidade documental. A circunstância preencheu a fala de delatores, com maior ou menor senso de oportunismo (e de covardia, na proporção de seu caráter).

Quem estuda a linguagem, para além de ferramenta conversacional e turística, sabe que desde meados do século XX a filosofia da linguagem promove pesquisas em torno da expressão de quem usa a palavra para se comunicar, em diferentes contextos comunicacionais, com diferentes registros (ou “níveis”, como se disse por algum tempo). 

Especialmente no âmbito da justiça, celebridades que envergam a toga passaram a alardear lugares-comuns, especialmente quando diante de multicâmeras sedentas de fofocas, providas com a roupagem pseudoelegante e nada acessível do juridiquês. Assim, de um lado havia os jargões reservados a sessões televisionadas do Supremo; de outro, talvez por subestimar o grande público e com a ideia de induzi-lo à reprodução do senso comum, sempre que uma denúncia não corroborasse a culpabilidade de determinada figura, passou-se a escutar o famigerado “não vem ao caso”.

Ora, ora. Uma coisa é reduzir o julgamento ao arbítrio pessoal-partidário; outra, ainda pior, é apresentar chavões em lugar de explicações coerentes, fudamentadas na isenção e pautadas em elementos da jurisprudência.  Uma coisa é o leigo afirmar que determinada informação não vem ao caso; outra, é um suposto promotor da justiça, defensor da lei e alardeador da ordem, reduzir “causa” a “caso”. 

É curioso que, na era da desfaçatez em que esta terra mergulhou, mais ou menos metade da população continue seduzida pelo discurso chão das pseudocelebridades. Quando isso não acontece, o cinismo assegura a perpetuidade do julgamento pautado por “convicções” pessoais e delações oportunistas, rala isenção político-partidária e condenação sumária, sem leitura atenta do processo ou aporte de provas materiais. 

Sabemos que não se deve confundir o “Estado do Brasil”, que vigorou pelo menos até 1822, com o conceito de “Brasil-nação”, inventado e projetado durante o Oitocentos. Porém, não seria difícil estabelecer paralelos entre a lei perpetrada por gente letrada da coroa portuguesa, mais vereadores (quase sempre senhores de engehho e donos de escravos) e representantes do alto clero – entre os séculos XVI e XVIII – e os “homens de bem”, do século XXI, que continuam a fazer e interpretar as leis em acordo com o que lhes soa mais conveniente.      

“Não vem ao caso” não diz pouco. É emblema rasteiro que traduz o casuísmo de nosso capenga senso de justiça. Experimente você, assalariado sem honorários, justificar seus equívocos para o patrão com isso “não vem ao caso”, chefe; tente recorrer a esse expediente, ao explicar para a família que a sua atitude polêmica, durante a ceia de natal, “não vem ao caso”, gente. Quando até mesmo a ONU ou o Papa, Mujica e outros reconhecidos líderes mundiais “não vêm ao caso”, passa-se da hipocrisia ao crime de estado. 

Como assegurar o teor e a aplicação justa da lei, quando ela é concebida e executada em causa própria, em acordo com os interesses do ultraliberalismo econômico, soprado pelo Hemisfério Norte?

Redação

4 Comentários

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  1. SÓ HÁ UM ÚNICO JEITO

    QUANDO O “!NÃOVEM AO CASO” SE INSTALA E DECIDE JULGAMENTOS SEM O MENOR SENSO DE JUSTIÇA, EIS QUE ACUSADORES E JUÍZES ESTÃO ACUSANDO E DECIDINDO SEM PROVAS, Ó UNICO JEITO É DEGOLAR ESSA GENTE…SE É QUE SE PODE CHAMAR DE GENTE ESSES ESTRUMES ASSASSINOS QUE USAM DA JUSTIÇA AO BEL PRAZER DELES, CONTRA QUEM CONSIDERAM SEUS INIMIGOS……E NÓS, NA OBRIGAÇÃO DE HONRA, DE CARÁTER, DE ENTÃO FAZERMOS JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS ATÉ QUE OS MALDITOS APRENDAM A NOS RESPEITAREM, NÃO DEVEMOS TEMER CONSEQUÊNCIAS, NEM MESMO A MORTE…….POIS A CONSEQUÊNCIA DA NOSSA LETARGIA, DO NOSSO “NÃO VEM AO CASO” ANTE TAIS INJUSTIÇAS SERÁ CERTAMENTE A INJUSTIÇA CONTRA NÓS PRÓPRIOS…E ANTE A MORTE DE NOSSA HONRA, QUE ADVIRÁ DESSA INJUSTIÇA, POUCO IMPORTA A MORTE FÍSICA.     ELES, OS ASSASSINOS DE REPUTAÇÕES E DE VIDAS TÊM QUE MORRER PRIMEIRO.    PRECISAMOS REAGIR…

  2. Pra quê tantos livros de

    Pra quê tantos livros de direito, pra quê tantas teorias jurídicas, milhares de anos de estudo, desenvolvimento de tecnicas criminais se a partir de moro o que vale é a opinião juiz? E digo moro, porque. salvo engano, ninguém, nenhum amgistrado do história da humanidade conseguiu tanto perverter a lei como ele.  O julgamento virou um show em que a face do magistrado fica oculta da câmera, enquanto o réu, leia-se, Lula, tem, além do rosto, todo o seu gestual visto e estudado e depois deturpado pelo inimigos de plantão, digo, meios de comunicação ? Aí, então, vem a execreçaõ pública, os ratos de imprensa com o poder moralista de condenar sem provas, atiçam os cães fascistas pra cima da vítima que aos olhos da população idiotizada e odiosa é a própria encarnação do mal.Ou alguém acha que bolsonaristas pensam e agem por outra motivação, senão o ódio criado por operações policiais espetaculosas,  transmitidas com o mesmo ímpeto malidicente da globo e companhia?

  3. Hermenêutica

     

    Ironia ou eufemismo?

    ” Nessas ocasiões, em que a lei revela caráter de máxima flexibilidade interpretativa…”

    Nossos doutos magistrados não estão atribuindo flexibilidade máxima à interpretação da lei, muito pelo contrário.

    Eles estão julgando “contra legem” considerando-se que o costume é que se respeite a norma vigente.

    Ou pelo menos era costume se julgar conforme a lei até um dia destes.

    Agora, ironia máxima, julgar conforme a lei, não vem ao caso ou, depende do caso.

  4. O Temer manifestou o desejo de extraditar
    Na decisão em que determina a prisão do Cesare Battisti, o Ministro Luiz Fux afirma que o Temer manifestou o desejo de extraditá-lo.
    Aqui o direito não está baseado na lei, mas na vontade da autoridade.

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