O mundo enlouqueceu novamente, o que o Brasil deve fazer?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os países da América Central e da América do Sul oscilam entre integrar a Nova Rota da Seda e virar quintal dos EUA.

O mundo enlouqueceu novamente, o que o Brasil deve fazer?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O apogeu, clímax e declínio da intensa rivalidade entre França e Alemanha caracterizou o longo período que vai de 19 de julho de 1870 a 30 de abril de 1945. Vitoriosos na guerra Franco-Prussiana, os alemães foram derrotados pela França na I Guerra Mundial. No conflito seguinte, os franceses foram derrotados pelo III Reich, mas a vitória da Alemanha durou apenas até a vitória das forças combinadas de URSS, Inglaterra, EUA e Brasil.

No pós-guerra a importância da colaboração brasileira para derrota do nazismo seria minimizada, iniciando-se um novo período. A criação Comunidade Europeia do Carvão e do Aço em abril de 1951, para estimular a pacificação e reconstrução da Europa, foi eclipsada pelo conflito entre URSS e EUA. Em janeiro de 1958 seriam criadas a Comunidade Econômica Europeia e a Comunidade Europeia de Energia Atômica, organizações fundidas com a CECA em 1965 através do Tratado de Roma. O processo de unificação europeia resultou na consolidação da UE, organismo multilateral cujas principais características são a dependência militar dos EUA e a falta de legitimação democrática de suas estruturas de governança.

Portanto, podemos dizer que rivalidade entre França e Alemanha deu origem à hegemonia dos EUA e da URSS. Abrigado sob o guarda-chuva militar norte-americano, a UE nunca chegou a desenvolver realmente a ambição de ocupar o centro do tabuleiro diplomático mundial. Com o fim da URSS, vários ex-satélites soviéticos foram integrados à União Europeia e a OTAN gerando os atritos com a Rússia que explodiram recentemente na Ucrânia.

A reaproximação diplomática e comercial entre EUA e China, iniciada em 1971, criou as condições indispensáveis para os norte-americanos sobrepujarem decisivamente os soviéticos. Quando a URSS desmoronou, os EUA passaram a se comportar como potência hegemônica capaz de projetar seu poder militar para impor seus interesses em qualquer lugar do planeta. Enquanto os norte-americanos desperdiçavam recursos em aventuras militares, a China se limitou a administrar o crescimento de sua própria economia e a consolidar alguma influência diplomática.

De maneira geral, podemos dizer que a rivalidade franco-germânica (1870/1945) foi substituída pelo conflito soviético-americano (1947/1991) que deu lugar à disputa atual entre EUA e China. Nesse contexto, tanto a guerra da Ucrânia (que provoca tensões entre a UE e a Rússia), quanto o conflito entre Israel e palestinos (que pode ou não originar uma guerra regional maior) são erupções periféricas incapazes de definir a nova ordem mundial.

Nenhum dos principais atores (UE, EUA, Rússia e China) está em condições de definir sozinho a nova ordem mundial. A construção e ampliação do BRICS pode dar uma certa vantagem aos países que integram esse bloco, mas a união diplomática entre seus membros é fraca e eles não agem e não pretendem agir com unidade de propósitos como se pertencessem a uma aliança militar. Incapaz de definir qualquer coisa sozinha, a França afunda na mediocridade. A Alemanha há muito tempo desistiu de tentar impor suas ambições nacionais com o uso da força.

Italianos, espanhóis, franceses, belgas, holandeses, etc… tentam sobreviver num mundo em que a Europa dificilmente ocupará qualquer centralidade. Após ficarem abandonados à própria sorte durante décadas, os países africanos voltaram a se tornar objeto de atenção diplomática e comercial. Nos últimos anos, os norte-americanos obviamente começaram a invejar e a odiar os sucessos da diplomacia chinesa na África.

Os países da América Central e da América do Sul oscilam entre integrar a Nova Rota da Seda e virar quintal dos EUA. O conflito entre chineses e norte-americanos pelos corações e mentes no Brasil não chegou ao fim com o golpe de 2016, nem tampouco deixará de afetar negativamente a governabilidade durante o novo mandato de Lula. Com um PIB de 1,82 trilhão de dólares em 2022, o Brasil é 8,42 vezes mais pobre do que a UE (PIB de 15,34 trilhões de dólares). Mas nosso país tem uma vantagem comparativa em relação à UE: o Brasil participa do BRICS (PIB de 25,9 trilhões de dólares), bloco do qual os países da UE (com exceção da França) desejam se distanciar porque temem ou são estimulados pelos EUA a temer a hegemonia da China.

Assim como ocorreu no caso da Alemanha e da França no passado, ao alimentar uma grande rivalidade EUA e China podem estar manufaturando a decadência dos dois países. Dificilmente a UE e a Rússia ocuparão um papel realmente central na nova ordem mundial. Mergulhado em conflitos intermináveis, o Oriente Médio continuará a ser irrelevante e afundará na miséria quando não puder mais exportar petróleo.

Não criar nem estimular rivalidades tem sido um corolário da diplomacia brasileira. O que é bom para norte-americanos, europeus, russos e chineses não é necessariamente bom para o Brasil. O que é ruim para Ucrânia e Israel é definitivamente péssimo para os brasileiros. Para poder mediar conflitos, nós precisamos nos distanciar das guerras criadas ou impulsionadas pelos norte-americanos. O Brasil precisa cuidar dos seus próprios interesses comerciais multiplicando seus parceiros dentro e fora do G7, do G20 e do próprio BRICS.

O samba é uma dança que durante o carnaval se transforma em disputa renhida entre as escolas de samba. A capoeira é uma luta que pode se transformar em dança amistosa quando praticada sem intenções belicosas. Nesse momento, a diplomacia brasileira precisa sambar e jogar capoeira. Nosso país precisa pular, rodopiar, abaixar e evoluir graciosamente mantendo o foco no que realmente importa: não perder nem o equilíbrio nem a oportunidade de continuar evoluindo.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Fábio de Oliveira Ribeiro

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador