Ou então, não será nada, por Ivan Colangelo Salomão

A tragicidade da situação não permite novos erros. Mais um passo em falso e o país – para não dizer, o planeta – perecerá por décadas.

Foto: Ricardo Stuckert

Ou então, não será nada

por Ivan Colangelo Salomão

Ainda sob efeito do cataclismo acívico do último domingo, me arrisco a vestir a carapuça acaciana para sugerir o que, apesar de óbvio, pode soar ultrajante aos ouvidos de muitos. Não se trata exatamente pusilanimidade, mas não me incomodaria se assim o fosse interpretado. Diria que reflete uma postura parcimoniosa, mas pode chamar de medo mesmo.

A tragicidade da situação não permite novos erros. Mais um passo em falso e o país – para não dizer, o planeta – perecerá por décadas. Estamos bailando de olhos vendados à beira do precipício.

Não se trata de retórica alarmista. A destruição civilizacional já passou do ponto de não retorno em diversas áreas. Atenho-me a apenas duas, talvez as mais dramáticas: a devastação ambiental e a facilitação do acesso a armas de fogo. Mais quatro anos de ecocídio e o planeta pode se tornar um habitat inviável a diversas espécies animais e vegetais. As consequências para a humanidade, das econômicas às sanitárias, serão tão profundas quanto nefastas. Quanto às armas, trata-se de catástrofe igualmente irreversível. Principal fonte abastecedora do crime organizado, o arsenal à mão da malta de fanáticos, recalcados e desequilibrados já ultrapassou qualquer possibilidade de controle: o número de armas em circulação atingiu a marca de 1 milhão de unidades, o que torna qualquer briga de vizinhos ou acidente de trânsito um homicídio em potencial.

As sinalizações de curto-prazo não poderiam ser mais eloquentes. Com sua nova formação, o Senado Federal terá força suficiente para manietar o que resta das instituições, sobretudo o STF. Seja por meio da aprovação de uma nova PEC que reduza a idade compulsória para 70 anos, como propôs uma das aliadas, seja pela destituição pura e simples dos ministros – prerrogativa constitucionalmente delegada à Casa Alta –, o país ficaria absolutamente à mercê de lunáticos se da sucumbência de sua última trincheira de resistência. Loucura? Absolutamente, sobretudo se atendido o desejo de uma das mais estridentes estreantes, que já declarou pretensão de se tornar a primeira mulher a presidir a Casa. Somada à reeleição do filho do Biu, que já articula a fusão de um megapartido de 110 deputados (PP + União), fica difícil vislumbrar cenário mais desolador.

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Conquanto não seja forçosamente necessário conquistar novos eleitores – bastaria que o adversário tampouco o fizesse, hipótese estatisticamente rejeitável –, os votos a serem conquistados deverão vir daqueles confiados a seus oponentes no primeiro turno. Ciente de que não se pode contar com 1 voto sequer dos eleitores do pároco limítrofe, da frasista pantaneira e nem do “cidadão igual a você” – exceto por ostentar patrimônio de R$ 24 milhões –, o desafio, portanto, é aritmético. Até porque os 124.764 votos depositados em Vera Lucia (PSTU), Leonardo Pericles (UP) e Sofia Manzano (PCB) mal garantem a eleição de um vereador da cidade de São Paulo.

Levando-se em consideração que houve certa migração de voto útil de Simone e Ciro já no primeiro turno em favor do incumbente, pode-se esperar, numa previsão realista e conservadora, que aproximadamente 1/3 dos 4.915.423 eleitores daquela e dos 3.599.287 desse sufraguem o iluminismo. São 2.838.237 votos a mais, o que totalizaria aproximadamente 60 milhões de votos a favor da civilização. A depender do número de brancos/nulos/abstenções, não representará muito mais do que 55% dos votos válidos. Suficiente para garantir a vitória, mas não para aniquilar a sanha golpista. É verdade que o tiranete questionará o resultado, independentemente dos números que saírem das urnas. Mas não consigo pensar em outra barreira de contenção que não uma vitória maiúscula. Se por 3,5 milhões de votos o perdedor em 2014 não aceitou a derrota, imaginemos o que não fará um golpista declarado se a margem for ainda mais estreita.

Não resta opção que não abraçar o pragmatismo do possível. Diferentemente do que muitos prevíramos, a maior força política brasileira em 2022 ainda é, de longe, o antipetismo.

É por isso, Luiz, que não basta apenas acenar às pautas da Simone ou pedir que ela se deixe fotografar fazendo o L. Para que a sua já sofrida vitória não seja de Pirro, lidere um grande acordo nacional, com a Faria Lima, com tudo. Aceite com humildade o “apoio” que o establishment lhe oferece. Todos sabemos a moeda (sonante) de troca, mas essa negociação pode nos sair uma pechincha diante das ameaças que nos batem à porta.

De modo que para garantir a vitória no dia 30 e alguma governabilidade em 2023, anuncie a nomeação de Meirelles para a Fazenda, Armínio para o Banco Central (em 2024) e Lara Resende para o Planejamento. E ouso sugerir: costure o apoio do seu partido à candidatura de Tebet em 2026, uma mulher conservadora, mas digna, decente, democrata. Em 2030, se Brasil houver, a gente volta a ser adversário eleitoral.

Vargas, o maior ator político brasileiro do século XX, foi o homem mais poderoso de seu tempo. Reeleito em 1950 com 48,73% dos votos válidos, comeu o pão que o demônio massou em seu terceiro mandato justamente por não dispor do equilíbrio de forças que o chamado Estado de Compromisso lhe garantira entre 1930 e 1945. Idoso, obeso e depressivo, não suportou a virulência da campanha odiosa orquestrada pelos mesmos setores que querem reeditar o tiro do Catete 68 anos depois.

Luiz, seu terceiro mandato será, obrigatoriamente, de salvação nacional. A terra arrasada sobre a qual semeará o projeto reconstrução institucional e de resgate civilizacional não ostenta, nem de longe, a mesma fertilidade de vinte anos atrás. Não tenhamos ilusões. Deixemos para brincar de revolução mais adiante.  

Por isso, contente-se em salvar o meio-ambiente e erradicar a fome desse povo tão sofrido. Com “apenas isso”, redimirá a democracia brasileira e garantirá seu lugar no panteão dos 5 maiores personagens da história do país, de onde te esperam Zumbi, Tiradentes, Bonifácio e Getúlio.

Ivan Colangelo Salomão, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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