Ufa! As nossas pautas, por Antonio Quinet

Os protestos da extrema direita nas ruas e seu apelo à ditadura e à intervenção militar são coerentes com a negação da realidade e sua recusa da democracia.

Ricardo Stuckert

Ufa! As nossas pautas

por Antonio Quinet

O mundo está feliz. É o que se depreende de todas as manchetes internacionais e os calorosos cumprimentos ao novo presidente eleito. Nossa pauta é a da vitória da democracia e de um projeto de conservação do meio ambiente, de menos desigualdade social, de respeito à diversidade, e investimento na Res pública em todos os setores. A Coisa pública e a Causa Brasil voltam à pauta assim como o diálogo e a “força da palavra quando se trata de buscar o entendimento e o bem comum”, como disse o presidente Lula em seu discurso de posse. Ufa, as nossas pautas! Não nos deixemos mais pautar pelos fascistas e antidemocratas que oram e esbravejam contra o irremediável retorno do Estado democrático de direito. As armas cedem o lugar às palavras, o ódio ao amor, a discórdia aos acordos, o combate à coalisão. O mundo voltou a respirar e a olhar para o futuro com a esperança verdejante da floresta em pé da Amazônia, pulmão do mundo, e seus guardiões, os povos originários. Ufa, vamos passear entre as arvores e igarapés.

Que alívio! Por todo lado – do divã à polis – ouço um Ufa! de alívio, de relaxamento, de descarga afetiva. Como se arrancássemos um espinho durante muito tempo encravado no pé inflamando e infeccionando a nossa carne. Ufa! Volto a caminhar. Como se desligássemos um rádio emitindo continuamente um barulho infernal com palavrões e xingamentos. Ufa, enfim o silêncio! Como se puxássemos a descarga de um vaso com material putrefato repleto de vermes e larvas exalando um odor nauseabundo.  Ufa! Volto a sentir o perfume que vem do jardim. A tensão diária de bombas explodindo em nossas cabeças diariamente por 4 anos a fio acabou. Sim teve muitos mortos e ferido e todos – o que sobreviveram – saímos desse tempo todos traumatizados. Quantas bombas foram lançadas contra tudo o que nos torna humanos! Contra linguagem e sua relação com a verdade vilipendiada e maltratada; contra nossa sexualidade em sua diversidade; contra a estrutura social desde as famílias, rachadas e em guerra, até os laços sociais mais elementares como professor-aluno, médico-paciente, etc. A cada dia uma bomba! O que era aquela angústia diária ao despertar e se deparar com mais estrago de um bombardeio vendo a estrutura social sendo dilacerada? Que alívio, acabou! Por todo o lado expressões de alívio e de prazer que advém quando se retira o que te faz penar, quando se tira o bode da sala, segundo a velha anedota. Freud diria que a libido represada foi liberada. A mordaça foi arrancada. Foi retirado o megafone do arauto da pornografia, da incitação à guerra, do gozo da necrofilia. Ufa, vou ouvir um samba.  Acabou o discurso oficial que toma emprestado slogans hipócritas e nazistas em nome de “Deus, pátria e família”. Ufa, vade retro! O abcesso foi rompido. Cessou a dor. Volto a correr sentindo o vento no rosto.

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Por um “verdadeiro milagre” – leia-se desejo decidido e trabalho intenso de diversos setores da população e de uma coalisão partidária inédita no Brasil – o voto pelo bem comum venceu. Ufa! Vitória sobre o individualismo neoliberal raivoso e armado apesar de toda verba da corrupção eleitoral e do boicote ilegal no dia das eleições. Apesar de você, já é outro dia. O processo eleitoral terminou. E temos um vencedor que em breve tomará posse.

Os protestos da extrema direita nas ruas e seu apelo à ditadura e à intervenção militar são coerentes com a negação da realidade e sua recusa da democracia. E podem espernear, orar e ameaçar. Não vão conseguir e não vão mais nos pautar com suas sandices de diabolização e fanatismos. O Estado e sua instituições venceram o caos, o ódio e o terror. Temos um Judiciário para fazer justiça, o Legislativo para as leis e o Executivo para governar. Eis a verdadeira trindade democrática e laica que se antepõe à trindade religiosa de uma teocracia evangélica, à trindade de cunho nazista deus-pátria-família de uma autocracia pérfida. A trindade democrática ateia do Estado é borromeana – propriedade topológica do nó borromeano formado por 3 anéis atados entre si que ao se desatar um deles o Estado se rompe. Não é à toa que o STF foi tão atacado pelo governo da extrema direita que visava a destruição do Estado para impor a ditadura do Eu-sozinho, a autocracia, do pensamento único, supremacista e fundamentalista eliminando a diversidade das minorias e as reivindicações da maioria excluída dos bens materiais  e simbólicos que produzimos no país. A população disse NÃO a esse projeto. Ufa! Que alívio.

Se alguns tentam nos enviar bombas carregadas de mentiras e fascismo, ódio e ditadura, não são eles quem doravante vão nos pautar. Esse são criminosos que serão devidamente punidos pelos seus atos antidemocráticos.  Mas o trabalho é imenso pois esse ceguidores (sim, com “c” de cegos) foram capturados pela hipnose de massa e fisgados pelo que de pior há no ser humano: o gozo da pulsão de morte e seus derivados como a segregação, todo o tipo de racismo, o ódio e tudo o mais que sai do lado tenebroso do inconsciente de cada um. Isso tudo tem tratamento. Mas o importante é que esse discurso foi desbancado do posto de comando. Ufa! Que alívio. Temos mais é que comemorar a vida, a diversidade como característica da democracia, e voltar a respirar, sonhar, cantar e dançar e tranquilamente poder, como diz Freud, simplesmente amar e trabalhar. E apostar na Causa Brasil.

Antonio Quinet é médico, psiquiatra, psicanalista, doutor em Filosofia e dramaturgo. 

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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