A agonia do sionismo de esquerda, por Yakov M. Rabkin

O sionismo de esquerda, um oxímoro político mal representado no Knesset, agoniza diante de nossos olhos.

Foto do site da Fepal

A agonia do sionismo de esquerda

por Yakov M. Rabkin[1]

Tradução do espanhol: Abel de Castro

Artigo publicado originalmente em 23/02/2023 no site El Siglo de Madrid.

Original em espanhol: https://elsiglodeuropa.es/la-agonia-del-sionismo-de-izquierda/

Eu conheci muitos sionistas de esquerda no passado. Eles buscavam justiça social, apoiavam iniciativas de paz com os palestinos e acreditavam nas raízes progressistas de Israel. De fato, em seus primeiros anos, o sionismo, embora fosse um projeto de colonização que excluía a população nativa, estava associado a ideias de coletivismo e igualdade.

Formas progressistas

Os trabalhistas constituíam a principal corrente do movimento sionista na Palestina. Alguns lutavam para conciliar seus elevados princípios com a realidade do colonialismo dos assentamentos, mas a maioria construía entusiasticamente uma sociedade separada sem consideração pelos palestinos. Isto levou o historiador de origem polonesa Zeev Sternhell (1935-2020), uma autoridade na história política do sionismo, a cunhar o termo “socialismo nacionalista” para distingui-lo do nacional-socialismo mais conhecido.

Sternhell argumentava que o socialismo não era mais do que uma ferramenta útil nas mãos de Ben Gurion[2] e seus camaradas movidos por um nacionalismo étnico. O Partido Trabalhista, que deteve o poder em Israel por décadas, recusou-se a permitir o retorno dos refugiados palestinos a seus lugares de origem e desenvolveu inúmeros métodos para desapropriá-los e mantê-los sob domínio militar por dezoito anos. Eles eram hábeis em manipular o discurso progressista que ocultava a realidade de suas ações.

O sionismo radical e seus oponentes

Por sua vez, os representantes eleitos da direita radical, antes de se unirem ao atual governo israelense, não fizeram segredo de suas intenções, estabeleceram suas exigências e asseguraram que elas seriam implementadas. Enquanto suas iniciativas para reforçar a opressão dos palestinos gozam de um consenso tácito, sua promessa eleitoral de enfraquecer o controle judicial dos poderes executivo e legislativo provoca manifestações de massa. As maiores manifestações estão ocorrendo em Tel Aviv, a cidade mais cara do mundo e a cidadela daqueles que se consideram a esquerda israelense. Os manifestantes acusam o novo governo de desacreditar o sionismo e trair os princípios fundacionais de Israel.

Os partidários de Israel no Ocidente compartilham desta preocupação. Eles chegam ao ponto de mobilizar Joe Biden e Emmanuel Macron para advertir Israel a não realizar esta reforma judicial. Apoiadores empedernidos do sionismo como Alan Dershowitz[3] temem que “será muito mais difícil para os defensores de Israel no exterior defender Israel”.

De fato, o novo governo poderia destruir a última das duas ilusões cruciais para o apoio contínuo do Ocidente a Israel. A contínua colonização dos territórios ocupados em 1967 colocou um fim à primeira, a “solução de dois Estados”, mesmo que os governos ocidentais continuem a apoiar essa quimera. O atual governo israelense está dando um golpe mortal na segunda ilusão, a de um “Estado democrático”. Ao contrário dos manifestantes em Tel Aviv que são encorajados a defender a democracia israelense, os palestinos a veem como uma etnocracia que os oprime há décadas. Reputáveis organizações de direitos humanos em Israel e em outros lugares concluíram que Israel pratica uma forma de “apartheid”.

No final do século XX, a indústria e a agricultura israelenses já não dependiam mais de formas coletivistas de assentamento. As políticas econômicas deram uma guinada à direita. À medida que os movimentos socialistas sionistas arrefeceram, a taxa de pobreza se tornou uma das mais altas da OCDE, e Israel acabou compartilhando o recorde de desigualdade socioeconômica com os Estados Unidos.

A desigualdade entre os cidadãos árabes e não-árabes de Israel está particularmente pronunciada: a renda média dos últimos é três vezes a dos primeiros. Os árabes israelenses, que constituem um quinto da população, possuem apenas três por cento do território. Esta diferença também pode ser vista nos gastos com educação e saúde. A mortalidade infantil é duas vezes maior entre as crianças árabes com menos de doze meses de idade.

A normalização do extremismo

A palavra “fascista” não é mais usada apenas como um insulto no fragor das batalhas políticas. Figuras tidas como moderadas no espectro político há muito manifestaram estas preocupações. Isaac Herzog, presidente de Israel, advertiu há alguns anos que “o fascismo chega às margens de nossa sociedade”. A história europeia mostra que o nacionalismo étnico facilmente descamba para o fascismo.

Aqueles que se manifestam nas ruas de Tel Aviv estão sinceramente preocupados com a “preservação da alma de Israel” que constitui para eles a democracia. A maioria não está consciente da incompatibilidade da democracia com a discriminação institucionalizada. A ala de extrema direita finalmente no poder em Israel reflete e não hesita em afirmar os valores que constituem o sionismo. É lógico que entre os outrora numerosos sionistas de esquerda, muitos não são mais sionistas, enquanto outros continuam sionistas, mas abandonaram qualquer pertencimento à esquerda. O sionismo de esquerda, um oxímoro político mal representado no Knesset, agoniza diante de nossos olhos.


[1] Yakov M. Rabkin é Professor emérito de história pela Université de Montréal e autor de vários artigos sobre a questão israelense, além dos livros: “Comprendre l’État d’Israël: idéologie, religion et Société” (ed. ECOSOCIETE) e “Judeus contra judeus – a história da oposição judaica ao sionismo” – publicado no Brasil pela editora Acatú. 

[2] N.T.: David Ben Gurion – estadista israelense, nascido em 16 de outubro de 1886 em Płońsk (Polônia) e falecido em 1º de dezembro de 1973 em Sde Boker (Israel). Em 1930, ele ajudou a fundar o Mapai, que mais tarde se tornou o Partido Trabalhista Israelense, que liderou a comunidade judaica na Palestina (Yishuv) durante o Mandato Britânico (1918-1948) e depois o Estado de Israel durante as três primeiras décadas de sua existência. Ele foi o fundador do Estado de Israel e proclamou sua independência em 14 de maio de 1948. Foi o Primeiro-Ministro do país de 1948 a 1954 e de 1955 a 1963. Referência: Laqueur, Walter, et Michel Carrière. Histoire du sionisme. Collection Tel. Série 243‑244. Paris: Gallimard, 1994. (em francês).

[3] N.T.: Alan Dershowitz, (nascido em 1º de setembro de 1938, Brooklyn, Nova York, EUA), advogado e autor americano conhecido por seus escritos e aparições na mídia em que defende forte e frequentemente de forma controvertida as liberdades civis, em particular aquelas relativas à liberdade de expressão. Referência: Enciclopédia Britânica (em inglês). https://www.britannica.com/biography/Alan-Dershowitz  (acesso 27/02/23).

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Redação

1 Comentário

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  1. Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas realmente como toda boa intenção o inferno está cheio, é um texto pra lá de pernóstico, cheio de filigranas – tudo isso para dar um duplo carpado para fugir da questão Palestina!!

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