A antiglobalização entre a esquerda e a ultradireita, por Emir Sader

Enviado por Assis Ribeiro

Do Brasil 247

A antiglobalização entre ultradireita e esquerda

A globalização neoliberal tratou de impor um novo sentido comum no mundo: era impossível se opor à globalização econômica, cada pais tinha que se abrir inequivocamente para o mercado mundial, cada economia tinha que fazer as adequações correspondentes, com o enfraquecimento dos Estados nacionais. Os grandes capitais, por sua vez, tratariam de desterritorializar seus investimentos, na busca das melhores condições de exploração da força de trabalho, dos recursos naturais, assim como do acesso aos novos mercados mundiais.
 
Pretendiam que todos ganhariam, salvo os que tardassem a se render a essa onda supostamente inexorável e avassaladora. Os Tratados de Livre Comercio eram os passaportes para esse imenso mercado mundial, com cada região preparando-se para concorrer com as outras em melhores condições de competição.
 
A unificação europeia, o Tratado de Livre Comercio da America do Norte eram apenas os primeiros passos para essa nova configuração mundial que, sem se dar conta, ia deixando atrás de si contingentes cada vez maiores de desamparados, de excluídos, de esquecidos, de marginalizados. Países inteiros, setores da economia, contingentes enormes de trabalhadores, entre outros, foram se sentindo vitimas da globalização, que era a festa do capital internacionalizado.
 
A atitude diante dos imigrantes na Europa foi definidora da nova configuração política e ideológica do continente. A extrema direita se fortaleceu na critica à chegada dos imigrantes, redespertando com força os sentimentos chauvinistas e racistas que alimentam a essa corrente. Ao mesmo tempo, criticavam a renúncia da soberania nacional representada pela União Europeia e pelo euro.
 
Ao mesmo tempo, as políticas de austeridade passaram a desgastar aceleradamente os partidos tradicionais, ja que tanto os conservadores como os social democratas se somaram a essa política suicida assumida como uma espécie de destino obrigatório imposto pela globalização neoliberal. A extrema direita passou a disputar com as novas correntes de esquerda os espaços políticos que ficaram vazios pela assimilação dos partidos tradicionais à unificação europeia e à sua moeda comum.
 
O Brexit foi apenas a projeção internacional da rejeição da globalização promovida pelas suas vitimas. Não por acaso setores da classe operária branca, vitimas da desterritorializacao dos investimentos para países periféricos e, segundo a propaganda da extrema direita, da chegada dos imigrantes, foram protagonistas do Brexit, da mesma forma que foram componentes essenciais da votação de Donald Trump.
 
Junto com essa critica, se propagou a critica da política tradicional, da forma de fazer política cada vez mais parecida entre si, dos partidos tradicionais. O rodízio entre a direita tradicional e a social democracia deixou de funcionar como alternância real, para apenas fazer suceder no governo modalidades cada vez mais aparentadas de aplicação de modalidades do neoliberalismo.
 
Ao Brexit se soma agora a vitoria de Trump nos EUA, que se assemelha não apenas na surpresa em relação às pesquisas, mas principalmente no tipo de protesto contra a globalização e a política tradicional, de que Washington e sua mais legitima representante, Hillary Clinton, são os símbolos.
 
A esquerda que não se rendeu ao neoliberalismo, mas que luta pela sua superação, tem que participar dessa disputa nas duas frentes: por um lado, não se render à globalização neoliberal e seus Tratados de Livre Comercio, agora em retração. Tem que propor e promover uma nova ordem mundial, de que os Brics são o eixo emergente.
 
E tem que propor novas formas de fazer política, distanciando-se radicalmente da forma tradicional, com lideranças transparentes, com estreitos vínculos populares, com critica de toda forma de desvio de recursos públicos, com formas de prestação de contas regulares, com mandatos parlamentares limitados no tempo, com refundação do Estado mediante uma Assembleia Constituinte, que molde um Estado realmente democrático, na forma e no conteúdo, representante da cidadania, a que devem ter acesso em igualdade de condições todos os indivíduos.
 
É uma fase da globalização neoliberal que termina com esses novos fenômenos, de que o Brexit e a eleição de Trump são expressões mais claras. Se abre um novo campo de disputas sobre a nova geopolítica mundial e novas formas de fazer política. Cabe à esquerda formular novas perspectivas para estar à altura desses novos desafios.  
Redação

11 Comentários

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  1. Estou mais quebrado que arroz

    Estou mais quebrado que arroz de terceira,

    E nem por isso sou contra a globalização.

    Querer o mundo dividido em partes iguais, eu tbm quero.

    MAS É IMPOSSÍVÍVEL,MANO.

    Seria como o quadrado e o cubo se encaixassem.

  2. ….
    Eu já venho dizendo à anos que o Nacionalismo é o único caminho….
    Porque a esquerda falhou em identificar seus inimigos…. aliás, penso que este campo ideológico está completamente comprometido!

    Tiveram a chance… e foram comprados.
    Os verdes são todos agentes da CIA….

    Chegou a hora da direita NÃO vendida!
    Nós voltamos# Aula
    de moral e cívica !
    Acabou a supremacia das minorias!
    Democracia é O Governo da maioria#
    A esquerda se esqueceu deste detalhe.

    Lógico, irão colocar a culpa de tudo na Globo. Jamais em seus agentes vendidos ou em suas opções erradas!!!

    1. ISso mesmo, democracia é o

      ISso mesmo, democracia é o governo da maioria.

      Como a Hillary teve mais votos popularesque o Trump, ele deve ser derrubado em nome da democracia, da maioria.

  3.  Recortes e clivagens.
    É

     Recortes e clivagens.

    É interessante observar as reações da direita e da esquerda à vitória de Trump. Na esquerda, há certa perplexidade e justificada dificuldade de encontrar um eixo de análise. Alguns exemplos. No DCM, Paulo Nogueira disse que é o fim do sonho de uma globalização quase fraterna (sic). Kiko Nogueira destacou as diferenças entre a “estatista” Merkel (que melhor teria sido denominá-la de globalista), cuja atitude diante a derrota da “sua” Clinton teria sido de grande altivez frente ao fascista Trump, e os nossos rastejantes golpistas. Já no 247, Paulo Moreira Leite, embora tenha qualificado a vitória Trump como uma tragédia, destacou os erros da Clinton que teria reconhecido os efeitos danosos da globalização para a classe média e o operariado dos EUA. No Tijolaço, o excelente Fernando Brito fez uma autocrítica por ter apresentado Trump como o demônio.

    Na direita, a coxinhada vibrou com a derrota da Clinton, a vermelha. Será que não sabem de onde veio o dinheiro os financiou? Mas a Globo, Estadão e Folha ficaram furiosos. Editoriais, colunistas e reportagens destacaram o anacronismo da vitória de Trump, e vaticinaram que ele “não vai conseguir”, que os mercados irão se impor. Afinal, a história está do “nosso lado”. O Estadão, cuja falta de senso de ridículo é impagável, encerra seu editorial com um “Deus salve a América”.

    Deixando de lado a coxinhada, cuja capacidade de discernimento não merece muita atenção no plano analítico, a direita parece ter mais clareza onde doeu. Na esquerda, mesmo os que reconhecem a centralidade da questão da globalização, sentem-se obrigados a iniciar seus artigos com ressalvas ao racismo, à misoginia,  etc. de Trump. Mencionam até um suposto fascismo.

    Já a leitura dos sítios da esquerda internacional é bem mais interessante (é claro que não é pela leitura das obras completas de Clóvis Rossi que teremos alguma luz sobre política internacional). Evidentemente, não estou situando no campo da esquerda os globalistas, tipo The Guardian, Le Monde, etc. A reação destes foi parecida com a dos nossos jornais de direita. Aliás, o recorte que adoto neste comentário é: globalistas vs. antiglobalistas, muito mais do que esquerda vs. direita.

    Há um ponto nas leituras que fiz nos sítios antiglobalização que me parece interessante e que, talvez, ajude a entender as nossas dificuldades. Trata-se do modo pelo qual os globalistas orientam sua ação política. A marca do globalismo é a focalização. É, no fundo, a repetição, agora no plano político, de uma estratégia que se mostrou amplamtne vitoriosa no campo das políticas sociais.

    A focalização nas políticas sociais foi e é extremamente eficaz, pois é possível apresentar bons argumentos para as medidas que propõe (cotas, etc.). Ou seja, quando analisadas em si, i. e. isoladamente, as políticas da focalização podem ser bem defendidas, e, assim, ganham adeptos, não apenas nos grupos beneficiados, mas também naqueles que com eles se identificam do ponto de vista cultural e ideológico. O problema, é claro, está naquilo que a focalização exclui, a saber, a universalização.

    Ora, o mesmo ocorreu no plano político. O discurso padrão dos globalistas é dirigido a diferentes grupos nos quais predomina a identidade cultural (em sentido amplo), pelo menos de forma latente. E esse discurso procura reforçar essa identidade, sobrepondo-a outros recortes, principalmente o econômico.

    Exemplifico: um gay, uma feminista, um negro, pode ter sido prejudicado ou beneficiado pela globalização. Mas isso é ignorado na prática política, e mesmo deliberadamente ocultado. O discurso do globalismo europeu e dos democratas dos EUA afirma: “olha como respeitamos e amamos vocês. E vejam os nossos adversários! Somos a modernidade, a admissão da diversidade, ao contrário dos nossos adversários, politicamente incorretos”.

    O The Guardian e outros gostam de publicar fotos do Nigel Farage com um copo de cerveja numa mão e um cigarro na outra. Vejam, povo, que temos por missão educar: ele bebe e é um fumante, que horror!

    E Farage gosta que esses jornais de “esquerda” o façam! Por quê? Porque o próprio discurso do globalismo e suas políticas, ao acentuar essas clivagens, fazem com que os excluídos da globalização, não culturalmente identificados com os grupos focalizados, se voltem contra esses grupos. E esses excluídos passam a constituir, então, o espaço político a ser explorado pelos críticos da globalização.

    Não sei se o Trump é racista ou não. Como distinguir convicções de estratégias políticas? Não conheço a política dos EUA a esse ponto. Mas, como assinalou Eric Zuesse no Offguadian, Trump foi brilhante, pois soube o que fazer para vencer o establishment. É claro que essa estratégia (no fundo a mesma do UKIP e do Front Nacional) não podia ser adotada pela esquerda (a verdadeira) que se opõe ao globalismo.

    Mas por que a esquerda não conseguiu, afinal, enfatizar a clivagem econômica e política da globalização? Bem, ela aderiu ideologicamente à focalização política e social, e rendeu-se à globalização do plano econômico. Basta recordar o entusiasmo com que Lula (para desespero do FHC) foi recebido pela terceira via europeia. É claro que no segundo mandato, e em grande parte devido à política externa do PT, esse apoio foi-se esvaindo.

    Parece, então, que a esquerda simplesmente não consegue construir uma agenda antiglobalização viável politicamente. Quem o fez foi a direita. A esquerda lamenta, agora, que os excluídos nela não votem. Mas isso não é verdade! Muito antes de votarem pelo Brexit, no Trump, etc. o povo tentou – e tentou, e tentou – alternativas à esquerda. Elegeu trabalhistas na Inglaterra, socialistas na França, todo o tipo de esquerda na Grécia, o PT no Brasil e por aí vai. E viu essa “esquerda” aderir ao globalismo.

    Para onde vamos? Ninguém sabe, penso eu. Mas não vejo alternativa diante do globalismo a não ser o fortalecimento do estado no campo político, econômico e social. E a direita não globalista saiu na frente.

    1. Bonito texto.
      Da esquerda

      Bonito texto.

      Da esquerda para a direita em movimentos concatenados.

      E o centro,aquele lugar que fica entre a razão e a propaganda?

  4. Opa! Errata:
    destacou os

    Opa! Errata:

    destacou os erros da Clinton que NÃO teria reconhecido os efeitos danosos da globalização para a classe média e o operariado dos EUA.

  5. A Desglobalização é possível?

    No Manifesto Comunista, Marx e Engels asseveraram que:

    “A necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se implantar em toda a parte, instalar-se em toda a parte, estabelecer contactos em toda a parte.

    A burguesia, pela sua exploração do mercado mundial, configurou de um modo cosmopolita a produção e o consumo de todos os países. Para grande pesar dos reaccionários, tirou à indústria o solo nacional onde firmava os pés. As antiquíssimas indústrias nacionais foram aniquiladas, e são ainda diariamente aniquiladas. São desalojadas por novas indústrias cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, por indústrias que já não laboram matérias-primas nativas, mas matérias-primas oriundas das zonas mais afastadas, e cujos fabricos são consumidos não só no próprio país como simultaneamente em todas as partes do mundo. Para o lugar das velhas necessidades, satisfeitas por artigos do país, entram [necessidades] novas que exigem para a sua satisfação os produtos dos países e dos climas mais longínquos. Para o lugar da velha auto-suficiência e do velho isolamento locais e nacionais, entram um intercâmbio universal, uma dependência das nações umas das outras. E tal como na produção material, assim também na produção espiritual. Os artigos espirituais das nações singulares tornam-se bem comum. A UNILATERALIDADE E ESTREITEZA NACIONAIS TORNAM-SE CADA VEZ MAIS IMPOSSÍVEIS, e das muitas literaturas nacionais e locais forma-se uma literatura mundial.

    A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, isto é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem”.

    Suponhamos que o Trump cumpra a sua promessa de desinstalar suas indústrias dos países de mão-de-obra barata e repatriá-la para os EUA. Nesse caso, a taxa de mais-valia se reduzirá, reduzindo também a taxa de lucro. Para contornar essa situação, a burguesia investirá em tecnologia poupadora de mão-de-obra, promovendo o desemprego estrutural. A redução da taxa de mais-valia, por sua vez, aumentará os custos de produção, elevando os preços dos produtos e reduzindo sua competitividade.

    Se a taxa de juros for majorada nos EUA, a procura por crédito se reduzirá e, mesmo assim, as famílias e empresas vão se endividar ainda mais. E isso contribuirá para canalizar o capital produtivo para a especulação, em detrimento da produção. Com juros mais elevados, em vez do industrial demandar crédito, ele vai é oferecer seu capital a juros.

  6. Quebrado pelos próprios preconceitos!

    Pelos comentários anteriores permito-me um reparo: tua característica não é arroz quebrado, é pó de arroz quebrado; porque, intitular-se “anarquista sério” e ser favorável a essa globalização excludente, conforme o tipo de críticas anteriores à inclusão conseguida pelo PT, é confessar-se populista e/ou trouxa analfabeto político; tipo mulher de malandro que, de tão conformada, parece gostar de apanhar!

    P.S.: antes desse menino nascer, pó de arroz era o time e seu torcedor que temiam o embate viril, não o violento. 

  7. Quadratura do círculo

    Anarquista Sério, dado um quadrado de lado 3 u, qual a medida do raio do círculo que tem a mesma área do quadrado?

    Você é anarquista, e, ainda por cima, sério. Certamente, essa questão deve ser moleza prá você, assim como foi moleza o fato de saber que na sociedade pós-capitalista, na qual os meios de produção serão socializados, o mundo não será dividido em partes iguais, pois na referida sociedade o fruto do trabalho será repartido de acordo com o mérito de cada um na partcipação no processo de produção, ao contrário da sociedade atual, na qual os que menos trabalham ou os que não trabalham em absoluto são os que mais se apropriam dos frutos do trabalho, deixando o trabalhador na miséria e na ignorância.

    Eu sei que as aparências não enganam, não, mas o seu caso é um exceção. Parece que você ouviu o galo cantar mas não sabe onde. Mas você ouviu e sabe onde o galo cantou. Na dúvida, vou lhe mostrar onde o galo cantou a aurora dos nossos tempos:

    “No interior da sociedade co-operativa, fundada no património comum dos bens de produção, os produtores não trocam os seus produtos; tão-pouco aparece aqui o trabalho empregue nos produtos como valor desses produtos, como uma qualidade material possuída por eles, uma vez que agora, em oposição à sociedade capitalista, os trabalhos individuais não existem mais enviesadamente, mas imediatamente, como partes componentes do trabalho total. As palavras «provento do trabalho», rejeitáveis hoje em dia também por causa da sua ambiguidade, perdem, assim, todo o sentido.

    Aquilo com que temos aqui a ver é com uma sociedade comunista, não como ela se desenvolveu a partir da sua própria base, mas, inversamente, tal como precisamente ela sai da sociedade capitalista; [uma sociedade comunista], portanto, que, sob todos os aspectos – económicos, de costumes, espirituais -, ainda está carregada das marcas da velha sociedade, de cujo seio proveio. Em conformidade, o produtor individual recebe de volta – depois das deduções – aquilo que ele lhe deu. Aquilo que ele lhe deu é o seu quantum individual de trabalho. Por exemplo, o dia social de trabalho consiste na soma das horas de trabalho individuais. O tempo de trabalho individual do produtor individual é a parte do dia social de trabalho por ele prestada, a sua participação nele. Ele recebe da sociedade um certificado em como, desta e daquela maneira, prestou tanto trabalho (após dedução do seu trabalho para o fundo comunitário) e, com esse certificado, extrai do depósito social de meios de consumo tanto quanto o mesmo montante de trabalho custa. O mesmo quantum de trabalho que ele deu à sociedade sob uma forma, recebe-o ele de volta sob outra.

    Reina aqui manifestamente o mesmo princípio que regula a troca de mercadorias, na medida em que ela é troca de equivalentes. Conteúdo e forma alteraram-se, porque, nas circunstâncias alteradas, ninguém pode dar algo excepto o seu trabalho e porque, por outro lado, nada pode transitar para a propriedade dos indivíduos a não ser meios de consumo individuais. Porém, no que diz respeito à repartição dos últimos entre os produtores individuais, reina o mesmo princípio do que na troca de mercadorias equivalentes, o mesmo montante de trabalho sob uma forma é trocado pelo mesmo montante de trabalho sob outra.

    O direito igual é aqui, portanto, sempre ainda – segundo os princípios – o direito burguês, se bem que princípio e prática já não se andem a puxar os cabelos, enquanto a troca de equivalentes na troca de mercadorias só existe em média e não para o caso individual.

    Apesar deste progresso, este igual direito está ainda constantemente carregado com uma limitação burguesa. O direito dos produtores é proporcional ao seu fornecimento de trabalho; a igualdade consiste em que ele é medido por uma escala igual: o trabalho. Mas um [indivíduo] é física ou espiritualmente superior a outro; fornece, portanto, mais trabalho no mesmo tempo ou pode trabalhar durante mais tempo; e o trabalho, para servir de medida, tem que ser determinado segundo a extensão ou a intensidade, senão cessaria de ser escala [de medida]. Este igual direito é direito desigual para trabalho desigual. Não reconhece nenhumas diferenças de classes, porque cada um é apenas tão trabalhador como o outro; mas, reconhece tacitamente o desigual dom individual – e, portanto, [a desigual] capacidade de rendimento dos trabalhadores  – como privilégios naturais. E, portanto, um direito da desigualdade, pelo seu conteúdo, como todo o direito. O direito, pela sua natureza, só pode consistir na aplicação de uma escala igual; mas, os indivíduos desiguais (e não seriam indivíduos diversos se não fossem desiguais) só são medíveis por uma escala igual, desde que sejam colocados sob um ponto de vista igual, desde que sejam apreendidos apenas por um lado determinado, por exemplo, no caso presente, desde que sejam considerados como trabalhadores apenas e que se não veja neles nada mais, desde que se abstraia de tudo o resto. Além disso: um trabalhador é casado, o outro não; um tem mais filhos do que o outro, etc, etc. Com um rendimento de trabalho igual – e, portanto, com uma participação igual no fundo social de consumo – um recebe, pois, de facto, mais do que o outro, um é mais rico do que o outro, etc. Para evitar todos estes inconvenientes, o direito, em vez de igual, teria antes de ser desigual.

    Mas, estes inconvenientes são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como precisamente saiu da sociedade capitalista, após longas dores de parto. O direito nunca pode ser superior à configuração económica – e ao desenvolvimento da cultura por ela condicionado – da sociedade.

    Numa fase superior da sociedade comunista, depois de ter desaparecido a servil subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, também a oposição entre trabalho espiritual e corporal; depois de o trabalho se ter tornado, não só meio de vida, mas, ele próprio, a primeira necessidade vital; depois de, com o desenvolvimento omnilateral dos indivíduos, as suas forças produtivas terem também crescido e todas as fontes manantes da riqueza co-operativa jorrarem com abundância — só então o horizonte estreito do direito burguês poderá ser totalmente ultrapassado e a sociedade poderá inscrever na sua bandeira: De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!” – Karl Marx, Critica do Programa de Gotha.

    Nenhum socialista que se presa defende esse igualitarismo sem critérios que você sugere. Espero que, do fato da riqueza não poder se dividida igualmente entre todos os membros da sociedade, contemplando até mesmo aqueles que, estando em condições de trabalhar, nada produzem, você não chegue à conclusão de que “o comunismo tira aos indivíduos o poder de se apropriar de produtos sociais’, expero que você chegue à conclusão que ‘o comunismo tira apenas o poder de, por esta apropriação, subjugar a si trabalho alheio’.

    Mas, confessa, você atirou no que viu e acertou no que não viu, né?

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